Por Martin Wolf
05/10/2022 05h02 Atualizado há 5 horas
Xi Jinping será em breve confirmado para um terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista e chefe das forças militares. Em vista disso, cabe perguntar: será que sua conquista de um poder tão incontestável é boa para a China ou para o mundo? Não, não é. É perigosa para ambos. Seria perigosa mesmo se ele tivesse demonstrado ser um governante de competência incomparável. Mas ele não demonstrou isso. Nessas circunstâncias, os riscos são os da calcificação em âmbito nacional e de atrito crescente no exterior.
Dez anos sempre são suficientes. Mesmo um dirigente de primeira categoria decai após tanto tempo no poder. Um líder com poder incontestável tende a decair mais rapidamente. Cercado de pessoas escolhidas por ele e que protegem o legado que ele criou, o déspota se torna cada vez mais isolado e na defensiva, chegando até mesmo à paranoia.
É difícil acreditar que uma organização de cima para baixo sob o controle absoluto de um só homem possa governar uma sociedade cada vez mais sofisticada de 1,4 bilhão de pessoas como a China, com sanidade, menos ainda com eficiência
Decisões tolas ficam incontestes e, consequentemente, permanecem inalteradas. A política de covid-zero é um exemplo disso. Quando se quer avaliar o que ocorre fora da China, basta ver a loucura induzida pelo poder prolongado na Rússia de Putin. A China tem seu próprio exemplo em Mao Tsé-tung. Na verdade, Mao foi o motivo pelo qual Deng Xiaoping, um gênio do bom senso, lançou o sistema de limites de mandatos derrubado agora por Xi.
A vantagem das democracias não é a de elas necessariamente escolherem dirigentes inteligentes e bem-intencionados. Com muita frequência, escolhem o contrário. Mas é possível fazer oposição a estes últimos sem correr qualquer risco e é possível descartá-los sem derramamento de sangue. Nos despotismos personalistas, nenhuma das duas alternativas é possível. Nos despotismos institucionalizados, o descarte é concebível, como descobriu Kruschev. Mas é perigoso. É realista prever que os próximos 10 anos de Xi serão piores do que os últimos 10 anos. O quanto foi ruim sua primeira década?
Em recente artigo publicado no boletim trimestral “China Leadership Monitor”, Minxin Pei, do Claremont McKenna College, avalia que Xi tem três metas principais: o domínio personalista; revitalização do Estado-partido leninista: e a expansão da influência global da China. Ele triunfou na primeira; foi formalmente bem-sucedido na segunda; e teve um sucesso desigual na terceira. Embora a China seja hoje uma superpotência reconhecida, o país também mobilizou uma poderosa coalizão de adversários alarmados.
Pei não inclui a reforma econômica entre os principais objetivos de Xi. As evidências sugerem que essa atitude é bastante correta. Mas não é. Observe-se que as reformas capazes de minar as empresas estatais foram evitadas e foram impostos controles mais rígidos a famosos empresários, como Jack Ma.
Sobretudo, profundas dificuldades macroeconômicas, microeconômicas e ambientais continuam, em grande medida, não abordadas. Esses três aspectos foram recapitulados pelo ex-premiê Wen Jiabao na sua descrição da economia como “instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável”.
Os problemas macroeconômicos fundamentais são o excedente de poupança, seu concomitante, o excedente de investimentos, e seu corolário, crescentes pilhas de dívidas não produtivas. Esses três elementos caminham juntos: um não pode ser solucionado sem que os outros dois o sejam. Ao contrário do que se crê em amplos círculos, a poupança excedente é apenas em parte o resultado da falta de uma rede de segurança social e das poupanças consequentemente elevadas das famílias. É, na mesma medida, decorrente do fato de que a renda disponível das famílias representa uma parcela tão baixa da renda nacional, com boa parte do restante consistindo de lucros.
Decorre disso que a poupança e o investimento nacional são, ambos, superiores a 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Se os investimentos não fossem tão elevados, a economia estaria em queda permanente. Mas, com a desaceleração do potencial de crescimento, boa parte desse investimento tem ido para a construção, pouco produtiva, financiada por dívidas. Isso constitui uma solução de curto prazo, acompanhada dos efeitos colaterais desfavoráveis de dívida não quitada e queda do retorno sobre o investimento. A solução é não apenas reduzir a poupança das famílias como elevar a participação das famílias na renda disponível. Ambas medidas ameaçam poderosos interesses constituídos e não ocorreram.
Os problemas microeconômicos principais têm sido a corrupção generalizada, a intervenção arbitrária em empresas privadas e o desperdício no setor público. Além disso, a política ambiental, especialmente as enormes emissões de dióxido de carbono do país, continua um enorme desafio.
Mais recentemente, Xi adotou a política de manter sob controle um vírus que circula livremente no restante do mundo. A China deveria, em vez disso, ter importado as melhores vacinas globais e, após sua aplicação, ter instaurado a retomada da atividade econômica do país.
O programa de Xi de reavivar o controle central não surpreende. Foi a reação natural ao impacto corrosivo de maiores liberdades individuais sobre uma estrutura política que repousa sobre um poder que não presta contas, a não ser às camadas superiores. A corrupção generalizada foi o resultado inevitável. Mas o preço de tentar eliminá-la é a aversão ao risco e a calcificação. É difícil acreditar que uma organização de cima para baixo sob o controle absoluto de um só homem pode governar uma sociedade cada vez mais sofisticada de 1,4 bilhão de pessoas com sanidade, menos ainda com eficiência.
Não surpreende também que a China tenha se tornado cada vez mais assertiva. A pouca disposição do Ocidente de se adaptar à ascensão da China é, sem dúvida, parte do problema. Mas o mesmo ocorre com a hostilidade aberta da China a valores centrais prezados pelo Ocidente (e por muitos outros). Muitos de nós não conseguem levar a sério a fidelidade da China aos ideais políticos marxistas que comprovadamente não foram bem-sucedidos no longo prazo. Sim, o brilhante ecletismo de Deng sem dúvida funcionou, pelo menos enquanto a China era um país em desenvolvimento. Mas a reimposição das velhas ortodoxias leninistas à China altamente complexa de hoje deve ser algo sem perspectiva de progresso, na melhor das hipóteses. Na pior, com a permanência de Xi no cargo por tempo indeterminado, pode-se revelar algo ainda mais perigoso do que isso, para a própria China e para o restante do mundo. (Tradução de Rachel Warszawski)
Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times
Fonte: FT / Valor Econômico