Donald Trump e sua equipe de assessores econômicos estão correndo em uma tentativa de reformular radicalmente a economia dos Estados Unidos. A ideia é fazer com que ela deixe de ser uma gigante do consumo com um déficit comercial enorme e se transforme em uma potência industrial.
A guinada econômica, centrada em tarifas agressivas e cortes significativos nos gastos públicos, vem abalando os mercados de ações americanos e gerando preocupações com uma possível desaceleração da maior economia mundial. Mas Trump tem insistido nos últimos dias que seguirá adiante.
“Os mercados vão subir e descer, mas, você sabe, temos que reconstruir nosso país”, disse o presidente na terça-feira. Mais tarde, ele acrescentou em um discurso a líderes das grandes empresas americanas que as tarifas contra os maiores parceiros comerciais dos EUA foram elaboradas para estimular a criação de empregos no país e a produção industrial: “A maior das vitórias será se as empresas mudarem para o nosso país e gerar empregos. Essa é uma vitória maior do que as próprias tarifas”, disse ele à Business Roundtable.
A secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse anteriormente na terça-feira que o governo Trump iniciou uma “transição econômica”. “O presidente está inabalável em seu compromisso de restabelecer a manufatura americana e o domínio global”, disse Leavitt, ao prometer que “a última era globalista dos Estados Unidos está acabando” e será substituída por uma “agenda econômica em que os EUA estão em primeiro lugar”.
Trump escolheu um grupo de ex-líderes empresariais para direcionar seus esforços econômicos. Mas, comparado ao seu primeiro mandato, a nova equipe carece de figuras como o ex-diretor-operacional do Goldman Sachs Gary Cohn e o ex-secretário do Tesouro Steven Mnuchin para moderar os excessos de sua terapia de choque econômico.
Em vez disso, altos funcionários vêm apoiando a mensagem do presidente de que os Estados Unidos poderão precisar de um período de recessão, antes de colher o que eles afirmam serão benefícios substanciais da política econômica de Trump, a Trumponomics.
Hassett disse à CNBC no domingo que ainda “há muitos motivos para ser otimista com a economia daqui para frente” e que qualquer desaceleração no primeiro trimestre deste ano seria resultado de “falhas nos dados”.
Declarações do secretário do Tesouro Scott Bessent – um ex-gestor de fundos hedge inicialmente bem-recebido por Wall Street como uma influência moderadora – de que a economia dos EUA precisará de um “período de desintoxicação” e que não há mais um “Trump put” (percepção de que Trump fará tudo para manter os mercados felizes) que impeça uma queda nos preços das ações, também provocaram preocupação entre os investidores.
“A abordagem deles é que não se pode fazer um omelete sem quebrar os ovos primeiro”, diz Paul Mortimer-Lee, economista do National Institute of Economic and Social Research baseado nos EUA. “Trump sempre disse que haveria sofrimento antes de haver benefícios. Acho que em algum momento ele vai recuar. Se os mercados acionários caírem 20%, haverá alguém para culpar, e alguém será demitido.”
Em novembro, Bessent também apoiou outra visão amplamente aceita pela equipe econômica de Trump: que Washington deveria pressionar os países com grandes superávits comerciais com os EUA a buscarem “realinhamentos de Bretton Woods” e atrelar suas moedas em um nível mais alto em relação ao dólar. Caso não o façam, deixarão de ser considerados aliados e enfrentarão tarifas e menos garantias de segurança.
Enquanto Cohn se posicionou publicamente contra as tarifas durante seu período à frente do Conselho Econômico Nacional, tendo renunciado em março de 2018 após perder uma batalha contra as tarifas sobre o aço e o alumínio, os atuais assessores de Trump têm preferido manter eventuais discordâncias sobre políticas comerciais em sigilo.
Diferenças na abordagem – como a posição mais moderada do secretário do Comércio, Howard Lutnick, e a ideia de Bessent de que qualquer tarifa deve ser implementada gradualmente – vêm permanecendo em grande parte nos bastidores, mesmo com os mercados caindo e os bancos de Wall Street reduzindo suas previsões de crescimento.
Isso vem dando mais poder aos leais a Trump, como Peter Navarro, um defensor ferrenho de uma política comercial agressiva que muitas vezes lutou para transformar suas opiniões em políticas durante o primeiro mandato de Trump.
A ascensão de figuras mais radicais no segundo mandato de Trump ajudou a transformar um salto inicial nos preços das ações – em meio a promessas de cortes de impostos e uma rápida desregulamentação – em uma queda generalizada, à medida que os investidores foram percebendo a determinação do governo em levar adiante sua agenda.
A incerteza alimentada pela possibilidade de tarifas mais punitivas sobre o México e o Canadá, dois dos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos, bem como tarifas sobre a União Europeia e outros aliados tradicionais, vem provocando uma acentuada liquidação nos mercados de ações.
“Com as empresas e os investidores começando a ver os efeitos se materializarem, eles perceberam que essas tarifas realmente são mortais”, diz John Llewellyn, sócio da consultoria Independent Economics. “Elas trabalham na direção exatamente oposta de tudo que trouxe prosperidade em todo o período de 80 anos desde a Segunda Guerra Mundial”.
As tarifas trabalham na direção oposta de tudo que trouxe prosperidade em 80 anos”
— John Llewellyn
O clima de incerteza em torno do novo governo também está levando os mercados a questionar o que vem a seguir, com investidores sinalizando riscos em potencial de várias políticas pouco ortodoxas que a equipe econômica apresentou.
Este mês, Lutnick disse que estava considerando tirar os gastos do governo do cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) pelo Departamento do Comércio, para amenizar o impacto das tentativas de Elon Musk de conter os gastos federais sobre o crescimento dos EUA, por meio do chamado Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês).
“Vimos, especialmente com o colapso dos investimentos estrangeiros na China, o quanto a perda de confiança pode minar o ânimo dos investidores, inclusive no que diz respeito aos dados”, diz Llewellyn. “As pessoas passam a achar que as autoridades estão escondendo algo e, por consequência, a economia deve estar em uma situação pior do que aparenta.”
As especulações no mercado sobre o chamado “Acordo de Mar-a-Lago” – uma ideia concebida no fim do ano passado pelo futuro presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Trump, Stephen Miran, para enfraquecer o dólar – também despertou preocupações sobre o entendimento do governo sobre as complexidades do mercado de títulos do Tesouro dos EUA, os chamados Treasuries.
Uma ideia que Miran apresentou em seu artigo de novembro – que os países entreguem suas posições atuais em Treasuries em troca de títulos de 100 anos e garantias de segurança – “poderia ser vista pelas agências de classificação de risco como um calote técnico”, diz Mahmood Pradhan, chefe global macro da Amundi Asset Management.
Alguns acham que a ideia de um acordo para enfraquecer o dólar – que da forma proposta por Miran e Bessent teria como objetivo espelhar um acordo anterior assinado no hotel Plaza em Nova York em 1985 – é uma ilusão em um ambiente em que o governo dos EUA está destruindo suas relações não só com os mercados, mas também com outros governos.
“No Acordo do Plaza tivemos James Baker e Ronald Reagan e eles eram mestres na arte de fazer amigos e influenciar pessoas. Então, eles trouxeram muitas pessoas a bordo”, diz Steve Hanke, professor de economia aplicada na Universidade Johns Hopkins, que serviu sob o governo Reagan. “Não consigo pensar em nenhum país agora, exceto talvez a Argentina, que seja muito amigo dos EUA.” Ele acrescenta: “A ideia de reunir a turma? Quer dizer, você consegue imaginar a China concordando com isso?”. (Tradução Mario Zamarian)
Fonte: Valor Econômico

