Em meio à crescente tensão comercial entre China e EUA, o México se tornou um assunto de campanha na corrida presidencial deste ano entre o republicano DonaldTrump e a vice-presidente do país, a democrata Kamala Harris.
A transferência de produção da China para o México demonstra as dificuldades com as quais os EUA se deparam ao usar tarifas para tentar conter Pequim — uma abordagem defendida por Trump durante seu mandato como presidente e mantida pelo sucessor, o democrata Joe Biden.
O governo Biden mexeu-se neste ano para impedir que a China contorne as tarifas americanas redirecionando suas exportações de aço e alumínio ao México. Impôs tarifas sobre as importações de metais produzidos no México com materiais provenientes da China.
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Trump prometeu impor uma tarifa universal de 10% sobre todas as importações, para impedir que empresas chinesas usem o México ou outros parceiros comerciais como portas de entrada alternativas para os EUA. Em setembro, ele disse que aplicaria uma tarifa de 100% sobre qualquer carro que entre nos EUA proveniente do México.
“A única maneira de se livrarem dessa tarifa é se quiserem construir uma fábrica aqui mesmo, nos EUA, com vocês operando essa fábrica”, disse Trump em comício na Geórgia, um Estado com disputa acirrada nestas eleições e um centro de produção de automóveis.
Quem se tornar presidente também precisará decidir o destino do USMCA. Pelos termos do pacto assinado por Trump em 2020 para substituir o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) de 1994, em 2026 as partes farão uma reavaliação do pacto, com o fim de atualizar as regras.
Trump já prometeu renegociar o acordo comercial caso seja eleito. De qualquer forma, é provável que os produtos feitos por empresas chinesas no México sejam um tema em discussão.
Enrique Dussel Peters, professor e diretor do Centro de Estudos China-México, da Universidade Nacional Autônoma do México, alerta que desfazer as cadeias de fornecimento chinesas no México seria difícil, em especial nos setores eletrônico, automotivo e de autopeças. Foram dedicadas décadas de trabalho para integrar a produção chinesa e mexicana e as autoridades precisariam considerar os custos de desfazer esses arranjos e o impacto sobre as empresas dos EUA, Europa, Japão e Coreia do Sul com operações de montagem no México, acrescenta ele. “Você não tem como reverter um processo de 20 anos em um fim de semana.”
A incerteza política colocou muitas empresas chinesas em “modo de espera” até após a eleição americana quanto à tomada de decisões sobre seu futuro no México. Um exemplo é a Lenovo, uma das maiores fabricantes de produtos eletrônicos do mundo, cuja primeira fábrica no México foi inaugurada em Monterrey, em 2007. Agora, está no processo de atualizá-la com os mais novos recursos de fabricação com inteligência artificial (IA).
“Não sabemos o que acontecerá com a nova eleição nos EUA, mas estamos sempre preparados e ágeis”, disse Che Min (Jammi) Tu, diretor de operações da Lenovo. “A atual fábrica no México deverá ser suficiente para atender a qualquer necessidade do mercado.”
Segundo o executivo, concorrentes americanos da Lenovo, como a HP, que transferiu parte de sua produção para o México em 2023, poderiam encontrar problemas semelhantes relacionados aos componentes chineses. “Acredito que nossa posição não é inferior à da nossa concorrência”, disse. “Em termos de diversificação de produção global, provavelmente estamos até mais bem posicionados.”
Um exemplo da pressão sentida por empresas americanas pôde ser visto neste ano quando Elon Musk, executivo-chefe da Tesla e um dos apoiadores mais destacados de Trump, disse que a montadora colocou seus planos de construção de uma fábrica no México em pausa até após a eleição.
“Trump disse que vai impor tarifas pesadas sobre veículos produzidos no México”, disse Musk. “Portanto, não faz sentido investir muito no México se esse for o caso. Portanto, meio que precisamos ver como as coisas vão se desenrolar politicamente.”
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Jack Zhang, professor assistente de ciência política na Universidade do Kansas e especialista em guerras comerciais, acredita que o maior impacto do debate político será sobre empresas chinesas que consideravam investimentos no México, mas ainda não os concretizaram. “Nomes experientes que estão no México a longo prazo vão superar a incerteza política”, disse.
“Se eu fosse um executivo decidindo se quero investir [no México] em outubro ou esperar até janeiro do próximo ano, por que não esperar?”, acrescentou.
O investimento direto chinês no México — que é beneficiado pelo Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) — decolou em 2023 para US$ 3,77 bilhões, quase o dobro do valor em 2022, segundo a firma de análises de mercado Rhodium Group. Em 2023, o México também passou a China como o maior exportador para os EUA.
A porcentagem de componentes chineses nos produtos mexicanos exportados para os EUA também está em alta. Em 2020, as exportações mexicanas para os EUA tinham 21,2% de “valor agregado chinês”, acima dos menos de 5% em 2002, segundo Dussel Peters.
Produtos feitos com materiais ou componentes chineses podem ser considerados mexicanos quando passam por processos significativos de transformação no México ou têm uma quantidade mínima de conteúdo proveniente dos países do USMCA, sendo que os padrões de exigência diferem de acordo com cada produto.
“Acredito que o México é o único beneficiário da guerra comercial, e eles têm se saído bem”, disse Andrew Hupert, de uma firma consultoria especializada em ajudar empresas a transferir a fabricação da China para a América do Norte.
Em uma tarde quente em Las Vegas, centenas de pequenos empresários americanos e seus fornecedores chineses abarrotaram uma sala de conferência de hotel para ouvir uma força emergente no comércio entre as duas maiores economias do mundo: o México.
Promovida pelo Alibaba.com, o braço internacional de comércio eletrônico do gigante tecnológico chinês Alibaba Group, a conferência Co-Create foi realizada em setembro. Trata-se de um evento anual para reunir empresas americanas interessadas em aprender mais sobre como comprar produtos na plataforma, usada por mais de 8 milhões de compradores e vendedores dos EUA. E a estrela do evento deste ano foi o México.
Em um grupo de discussões intitulado “Made in México, uma Nova Fronteira de Suprimento aos EUA”, líderes de três associações de promoção do comércio exterior mexicano exibiram toda sua satisfação com a posição de beneficiários da guerra comercial entre EUA e China, que levou empresas chinesas a abrir fábricas ao sul da fronteira dos EUA, na esperança de evitar tarifas e outras possíveis restrições comerciais de Washington.
Alardeando a proximidade com os EUA, o crescente contingente de talentos disponíveis no país e as políticas públicas de apoio, os representantes comerciais mexicanos conclamaram os participantes a se instalar no México, e foram recebidos por uma plateia receptiva.
“Fabricar no México não é uma tendência nova. Mas antes, costumava ser algo a considerar apenas para algumas grandes empresas chinesas”, disse o participante Bo Jiang, que fornece equipamentos agrícolas chineses para os EUA. “A tensão cada vez maior entre EUA e China e o salto nas tarifas sobre os produtos chineses levaram todos, grandes ou pequenos, a olhar para o México com seriedade.”
Na conferência do Alibaba em Las Vegas, Eugenio José Reyes Guzmán, diretor-gerente do World Trade Center Monterrey, uma associação comercial da cidade, que é a capital do Estado mexicano de Nuevo León, garantiu à plateia que o “USMCA está aqui para ficar”, não importa quem ganhe a eleição presidencial dos EUA. (Colaborou Pak Yiu, em Nova York)
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Fonte: Valor Econômico

