Por Adriana Cotias, Valor — São Paulo
01/09/2023 22h47 Atualizado há 2 dias
O PIB mais forte no segundo trimestre no Brasil é uma foto do passado e os indicadores antecedentes da economia, como os dados de emprego e as projeções de lucros das empresas, apontam para uma perda de ritmo à frente, segundo Felipe Guerra, sócio-fundador e executivo-chefe de investimentos da Legacy Capital. Para ele, num cenário que enseja uma desaceleração nos Estados Unidos, a tendência é o Comitê de Política Monetária (Copom) acelerar o passo do corte de juros em novembro e dezembro para 0,75 ponto percentual ou até 1 ponto percentual.
“O Fed [Federal Reserve, o banco central americano] parou [de subir os juros], isso dá conforto para a estabilidade das moedas emergentes e certa tranquilidade para os mercados e os BCs que estão com juros restritivos e inflação ancorada melhorando o trabalho da política monetária para tirar a capa de gordura”, disse Guerra, ao participar de painel da Expert XP 2023 ao lado de André Jakurski, sócio-fundador da JGP, e Carlos Woelz, da Kapitalo.
“Várias companhias estão performando mal [na bolsa] não só pela agenda de impostos, mas porque tem uma desaceleração contratada na economia. O agro tem ajudado, dos 3% do PIB, o setor representa 2,10%, 2,20%, mas já está num patamar em que o efeito-base é alto e dificilmente vai ter um crescimento superior”, prosseguiu Guerra. “Com expectativa de inflação caindo e a atividade desaquecendo é quase inevitável discutir um corte maior.”
Se a economia desacelerar como o esperado, há uma boa chance de o BC mudar seu plano de voo e se ver inclinado a baixar mais os juros, concordou Jakurski.
Para a alocação da Kapitalo, a desaceleração externa importa mais, disse Woelz. No começo do ano, ele achava que viria um freio forte, o diagnóstico era que precisaria um aumento significativo de desemprego para domar a inflação nos EUA, por exemplo. O resultado foi “surpreendentemente positivo”, comentou e hoje ele tem menos certeza de que precise uma contração mais forte porque talvez isso já esteja contratado.
“A nossa visão é que na política não há tolerância no Brasil para um crescimento mais fraco”, afirmou Woelz. Na hora que esse efeito chegar, ele considera que o governo ficará tentado a recorrer a uma política fiscal contracíclica, “onde não há espaço”. O ideal seria fazer o ajuste pela via monetária.
“O governo deveria ser paciente e deixar a política monetária funcionar. A gente vai importar desinflação de fora num cenário de atividade mais fraca”, afirmou Woelz. Abriu-se um cenário para o Brasil ganhar por WO, continuou, parafraseando Rodrigo Carvalho, gestor da Clave Capital, que falou mais cedo. Mas não é o cenário base com o qual trabalha.
O desconforto é que uma desaceleração seguida de expansão fiscal forte traz uma trajetória perigosa para a dívida pública brasileira, que já é ruim. Significa mais prêmio de risco.
Em geral, em ciclos de queda de juros, em dez meses à frente o Ibovespa ganha 10 pontos percentuais acima do CDI, disse Guerra, mas isso não o estimulou a ficar muito comprado em ações. A preferência tem sido ativos de crédito de alta qualidade.
A agenda fiscal, com o possível fim do instrumento do Juros sobre Capital Próprio (JCP), julgamentos do Carf, subvenção de ICMS e taxação de dividendos são ameaças que deixam o gestor com um pé atrás. “A bolsa pode até subir, mas o ‘stock picking’ é difícil num ambiente que vai tributar mais as companhias”, disse. “Tem empresa que se aprovar o fim do JCP, o lucro cai 30%, tem que ser seletivo.”
Ele até acha algumas ações baratas, mas teme iniciativas que visem engordar as receitas públicas tendo como alvo as empresas, já que o ajuste fiscal não virá por corte de gastos. “Se tiver comprado e sai uma notícia ruim, você perde dinheiro. Tem uma relação de risco/retorno ruim para a bolsa.”
Na Legacy, o gestor disse que tem uma pequena posição em ações, fazendo um mix com ativos de crédito. Passado o estresse de Americanas e Light, no início do ano, seguido por resgates violentos em fundos de renda fixa e também em multimercados, Guerra afirmou ser possível montar uma carteira com dívida de melhor qualidade (“high grade”) com CDI mais 3% ou 3,5% ao ano. “A bolsa pode dar CDI mais 10%, mas com uma volatilidade louca e a qualquer momento vem uma desaceleração.”
Jacurski disse gostar de crédito privado, mas é um ativo que precisa ter cuidado no Brasil porque o arcabouço jurídico não é bom. Qualquer insucesso empresarial tem recuperação muito baixa em comparação a outros países, inclusive emergentes, e se arrasta por anos no Judiciário.
Fonte: Valor Econômico

