Diante do temor do mercado com a postura fiscal mais expansionista do governo do Japão, os juros dos títulos públicos (JGBs) de longo prazo voltaram a exibir alta firme na semana e foram negociados em níveis recordes. A visão de que a primeira-ministra Sanae Takaichi pode ampliar ainda mais o pacote de gastos para dar suporte à economia tem contribuído para o enfraquecimento do iene e, neste sentido, levantado preocupações sobre uma piora da inflação à frente. Segundo especialistas, caso novas altas de juros entrem de vez no radar do Banco do Japão (BoJ), há riscos para a estratégia do “carry trade”, o que poderia punir, a exemplo do que ocorreu em alguns episódios recentes, as moedas de países de juros elevados, como o caso do Brasil.
Há quem tenha notado o comportamento no real durante a sessão desta sexta-feira. Ainda que o feriado da Consciência Negra tenha mantido os mercados brasileiros fechados na quinta, quando houve um comportamento de aversão global a risco devido ao risco de bolha nas ações de inteligência artificial dos EUA, o real foi a moeda de pior desempenho global no dia seguinte, o que levantou suspeita sobre um desmonte em posições de carry trade.,
“O real foi impactado por desmonte de ‘carry-trade’ contra o iene. Saíram notícias sobre o BoJ estar próximo de subir os juros [por conta de dados de inflação mais altos], e isso pressionou o câmbio”, apontou Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital.
Na visão de Gereth Nicholson, diretor de investimentos da Nomura International Wealth Management, o enfraquecimento do iene já era esperado sob o comando da nova primeira-ministra, dadas suas políticas pró-estímulo e abordagem mais cautelosa em relação aos aumentos das taxas de juros.
Ele nota que o par dólar/iene ultrapassou o nível dos 157 ienes por dólar nesta semana, ao mesmo tempo em que a diferença entre os juros de 5 anos no Japão e nos Estados Unidos têm caído devido à alta nos juros dos títulos japoneses. “De fato, o principal responsável pela política monetária do Japão, Atsushi Mimura, referiu-se a essa diferença quando questionado se o JPY estava se movendo em linha com os fundamentos”, aponta.
Segundo o profissional do Nomura Wealth, se os movimentos de alta do dólar contra o iene se consolidarem, a inflação importada provavelmente se tornará uma preocupação. “Isso, por sua vez, também poderia aumentar o impulso para aumentos das taxas pelo BoJ, com alta probabilidade de reversão do carry trade do iene”, afirma, ao projetar uma fraqueza adicional da divisa japonesa no curto prazo.
Já o Barclays nota que o tamanho cada vez maior do pacote de estímulo fiscal da primeira-ministra Takaichi levou a um aumento acelerado nos rendimentos dos títulos do governo japonês (JGB). Nesta semana, o JGB de 30 anos atingiu a marca dos 3,408%, em seu maior nível já registrado, superando o estresse do episódio do “Liberation Day”, em abril.
“A serenidade dos mercados de juros e do iene no final de outubro, devido aos sinais de redução nas emissões e aos fluxos de reequilíbrio das pensões com base na força das ações foi rapidamente revertida este mês, quando a primeira-ministra Takaichi anunciou, no início de novembro, que a meta de superávit primário seria reduzida e que o tamanho de seu pacote de políticas econômicas continuaria a crescer”, afirma Shinichiro Kadota, estrategista do Barclays.
O aumento do orçamento para 2025 e as preocupações com a disciplina fiscal sugerem, segundo ele, que os mercados estão preocupados não apenas com o próximo pacote fiscal, mas também com o caminho de expansão fiscal de Takaichi no futuro.
“Os mercados provavelmente continuarão cautelosos quanto ao risco de o Japão enfrentar uma queda acentuada simultânea nos títulos e na moeda, como ocorreu no Reino Unido em 2022″, aponta o profissional do Barclays.
Ainda que existam diferenças entre os países, ele avalia que os mercados de JGB estão cada vez mais frágeis devido ao enfraquecimento da demanda das seguradoras de vida, associado a fatores estruturais adversos como a demografia e pressões regulatórias, o que resulta em uma queda acentuada na demanda interna estável por JGBs de prazo elevado. “Muitas seguradoras de vida esperam novos aumentos nas taxas devido à expansão fiscal, o que as deixa cautelosas em relação ao investimento em JGBs”, conclui.
O Citi, por sua vez, nota que o iene se desvalorizou mais rapidamente do que o esperado desde o início do governo Takaichi. “Embora nossa visão geral para o USDJPY não tenha mudado muito, existe a possibilidade de que o par suba para cerca de 160 no curto prazo. Nesse caso, o governo pode enfrentar a necessidade de intervenção na compra de iene”, apontam os profissionais do banco.
Segundo eles, embora a intervenção possa ser complicada em termos de relações com os EUA, o sucesso ou fracasso em conter a desvalorização do iene será o primeiro obstáculo para que o governo Takaichi permaneça no poder a longo prazo. “A possibilidade de uma intervenção de compra do JPY pode ser maior do que se pensa. Se o euro ultrapassar a marca dos 180 ienes, acreditamos que, se houver intervenção, a compra do iene será implementada não apenas em relação ao dólar, mas também em relação ao euro”, concluem.
A situação macroeconômica do Japão, na visão do mercado, pode ser crucial para o futuro dos ativos no curto prazo. Segundo a ex-vice-presidente do Fed Dallas e professora da Texas A&M University, Jill Cetina, à medida que o mercado já conheceu os resultados da Nvidia do trimestre, há três principais fatores no radar dos mercados no horizonte.
O primeiro seria um nível mais elevado de volatilidade nos juros americanos, dado que há pouca visibilidade sobre o corte no Fed Funds em dezembro. Outro tema é o nível mais baixo de liquidez no sistema financeiro dos EUA devido a um eventual excesso na redução do balanço do Fed feito no acumulado do ano, o que provocou uma desalavancagem em ativos como Bitcoin e ações americanas, segmentos de mercado onde o uso de alavancagem é alto.
“Também há incerteza relacionada ao aumento das tensões na situação macrofinanceira do Japão — JGBs e moeda — e o que isso pode significar para a repatriação do iene e os valores dos ativos dos EUA nas próximas semanas”, conclui.
Fonte: Valor Econômico

