O investidor estrangeiro tem interesse no Brasil, que ficou evidente no começo deste ano com o aumento da participação relativa do país na alocação de recursos de fundos emergentes. Mas o dinheiro só virá mesmo quando as taxas de juros nos Estados Unidos começarem a cair, diz Alessandro Zema, presidente do Morgan Stanley no Brasil. Tanto é que o fluxo de recursos secou à medida que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) foi sinalizando que esse movimento não começará tão cedo.
Zema alerta, no entanto, que o Brasil precisa atacar duas frentes se quiser continuar ganhando espaço no bolso dos estrangeiros: melhorar a produtividade e ter uma trajetória fiscal adequada. “O tema da sustentabilidade da dívida é crítico para o investidor”, afirma, em entrevista ao Valor. Leia os principais trechos:
Valor: O governo mudou a meta fiscal para 2025, e o mercado reagiu negativamente. Que impacto a mudança pode ter para o fluxo de recursos ao Brasil?
Alessandro Zema: O tema da sustentabilidade da dívida é crítico para o investidor quando olha para o Brasil. Embora existisse a expectativa de que o governo seria obrigado a revisar a meta, havia esperança de que isso aconteceria no decorrer do ano. Tendo sido realizada já no início do segundo trimestre, temos a indicação de que a situação fiscal levará mais tempo para entrar no eixo. A mudança também coincidiu com um momento ruim no mercado de juros americano, que fez com que a reação negativa nos preços dos ativos fosse magnificada.
Valor: O Brasil ganhou participação relativa entre os fundos de emergentes neste ano. Esse movimento vai continuar?
Zema: O resultado fiscal até recentemente veio mais benigno do que se esperava, o crescimento do PIB deve ser melhor do que o mercado esperava, e isso fez com que numa base relativa o Brasil tenha ganhado uma alocação maior dentro de mercados emergentes. A gente viu uma redução de alocação em China, e Brasil e México se beneficiando. Dito isso, ao longo dos últimos dez anos o percentual para mercados emergentes diminuiu. A taxa de juros americana tem correlação direta com nossa capacidade de atrair investimento. Quando você olha a perspectiva que o mercado tinha para cortes de juros pelo Fed no fim do ano passado e quanto dinheiro entrou no Brasil, e aí quando essa perspectiva diminui de seis ou sete cortes para muito menos, vê como esse volume de recursos para o Brasil diminuiu. Os dados de inflação americana [da semana passada] continuaram a reduzir ainda mais as expectativas do mercado em relação ao início do ciclo de cortes de juros e a extensão que ele terá, e isso gera um impacto no fluxo para emergentes. Para a gente atrair volume numa base consistente, tem que enfrentar dois temas cruciais.
Para o Brasil aumentar mais sua atratividade em bases relativas, vai ter de continuar a fazer reformas estruturantes”
Valor: Quais?
Zema: Para o Brasil aumentar mais sua atratividade em bases relativas, vai ter de continuar a fazer reformas estruturantes, micro e macro, para conseguir endereçar os dois grandes problemas estruturais. Um é a produtividade. A gente cresce 0,6% nos últimos 40 anos em média, um dos crescimentos mais baixos do mundo. É o famoso custo-Brasil. Temos custo de logística alto, carga tributária muito alta, diversas ineficiências. O segundo tema é o fiscal de médio e longo prazo, e é o que preocupa. O que preocupa o mercado é que tivemos algumas medidas “one-off” [sem recorrência], que têm resultado num cenário um pouco mais benigno no começo deste ano, mas como é que fica de 2025 para frente?
Valor: Falta visibilidade?
Zema: Falta visibilidade. Só para te dar um dado específico. A participação que o governo tem nos dividendos que eventualmente seriam pagos pela Petrobras é 0,15% do PIB. O mercado projeta um déficit de 0,7% [em 2024]. Só com o dividendo, já reduziria para 0,55% do PIB.
Valor: Nas últimas semanas, ficou evidente a tentativa de intervenção do governo em empresas como Vale e Petrobras. O estrangeiro manifesta preocupação com isso?
Zema: Os investidores querem entender o racional de o governo estar agindo dessa forma. Essa preocupação com relação a intervenção nas empresas, não só na Petrobras, mas também na Vale, que é uma empresa privada, e na Eletrobras, que foi privatizada, existe e vai continuar existindo até as coisas se esclarecerem de novo. O fluxo para o Brasil virá quando o Fed começar a cortar juros, mas esse ruído não ajuda em nada.
Valor: Não é esse ruído que está impedindo o fluxo, mas talvez, quando ele vier, reduza o potencial do Brasil de atrair recursos, é isso?
Zema: Sem dúvida.
Valor: Como vê o cenário para operações no mercado de capitais?
Zema: O mercado de dívida voltou mais rápido que o de equity [ações]. Neste ano, já saíram dez emissões no mercado de “bonds” e o mercado local continua ativo. Houve dois IPOs de empresas latino-americanas no último mês e meio, um mercado que ficou fechado desde dezembro de 2021. Saiu o de uma empresa mexicana de consumo doméstico, e saiu muito bem. Saiu também uma empresa peruana do setor de saúde. São dados que dizem que não é um problema de demanda. A razão pela qual não saíram operações brasileiras, primeiro é que, para haver uma transação hoje, precisa ter um volume mínimo porque o investidor está muito preocupado com liquidez. Dificilmente você consegue viabilizar um IPO de menos de US$ 400 milhões de emissão, por exemplo. E a gente está com problema de oferta. As empresas brasileiras estão esperando essa contínua melhora para que consigam precificar suas operações em “valuations” [avaliações de mercado] que considerem interessantes. Não tem nenhuma empresa que eu conheça das candidatas óbvias para vir a mercado no Brasil que precisa porque precisa fazer IPO. Elas têm o luxo de poder esperar.
A taxa de juros americana tem correlação direta com nossa capacidade de atrair investimento”
Valor: Com o Fed adiando os cortes de juros e o cenário fiscal pior no Brasil, ainda há espaço para retomada de IPOs neste ano?
Zema: A janela para reabertura sem dúvida também foi postergada. Ainda é possível termos um IPO de uma empresa brasileira neste ano, mas, quanto mais a expectativa do início de cortes de juros nos Estados Unidos se posterga, mais diminui a probabilidade de o mercado de IPO voltar mais cedo. Os “follow-ons” [ofertas subsequentes] têm acontecido. Nada de um volume muito significativo, mas têm acontecido. Sabesp vai ser o grande, como foi Eletrobras em 2022, e o mercado está com uma expectativa boa em relação a isso.
Valor: Qual a estratégia do banco neste momento para o Brasil?
Zema: O banco em 2008 recebeu uma injeção de capital do Banco de Tokyo Mitsubishi e desde então o modelo de negócios mudou muito. Deixamos de ter posições proprietárias para fazer só posição de clientes. A gestão de recursos, que correspondia por volta de 15% da receita por volta de 2009, hoje é mais que 50%, e é um negócio com previsibilidade maior. Hoje, o banco administra, entre a gestão e a asset, US$ 6 trilhões. No Brasil, estamos há 27 anos e somos direcionados a banco de atacado. Nossos grandes negócios aqui são as mesas de negociação de renda variável e renda fixa, a assessoria de mercado de capitais e estratégico. Quando você olha volume institucional na bolsa, a corretora do Morgan é primeira, segunda ou terceira maior de qualquer dia da semana. Estamos muito no “flow” [fluxo] do que acontece de entrada de recursos no Brasil, mas também temos um “share” de mercado muito grande com os grandes institucionais locais. Uma coisa em que a gente tem focado e quer continuar é aumentar o número de contrapartes na negociação de derivativos. Outra vertente são financiamentos estruturados, que fogem um pouco da linha tradicional do banco comercial e têm algum tipo de contingência. Nos mercados de capitais, das dez emissões externas de renda fixa neste ano, participamos de sete. Atuamos nos dois IPOs da América Latina e esperamos participar quando voltarem no Brasil. Em M&A [fusões e aquisições, na sigla em inglês], terminamos o ano passado em segundo lugar em volume. Tentamos aproveitar nossa conectividade global para capturar uma participação importante do fluxo “crossborder” [transfronteiriço] e também participar de consolidações locais.
Valor: Que áreas o banco vê como prioritárias no Brasil?
Zema: As prioridades são continuar tendo participação relevante nos mercados de capitais de renda fixa e equity. Continuar assessorando nossos clientes. Crescer em financiamento estruturado, em derivativo de câmbio e de commodities. E, apesar de a gente não fazer gestão de patrimônio local, queremos aumentar os ativos de brasileiros lá fora. Em média, 77% do patrimônio das pessoas está investido localmente, mas a gente tem visto isso migrar aos poucos para fora. Queremos capturar uma parte maior desses ativos. É onde a gente gasta boa parte do tempo. Não fazemos gestão local e não vamos fazer. Mas o banco tem uma área de gestão de patrimônio muito forte e um banco de atacado muito forte. O que queremos fazer é essa integração entre as áreas. É uma prioridade global e local. Quando assessoramos um cliente para fazer uma emissão, se ele vai deixar o dinheiro lá fora, minha asset consegue oferecer produtos. Se está procurando fazer um o movimento estratégico, minha área de M&A consegue atender. Se vai trazer o dinheiro para o Brasil, consigo capturar no câmbio. Queremos que esse ecossistema se fertilize de forma que gere mais receita.
Valor: O mercado de M&A está mais aquecido neste ano e com muitas operações crossborder. Como está o interesse dos investidores?
Zema: Quando você olha M&A na América Latina acima de US$ 100 milhões, 55% das transações são crossborder. A gente tem visto esse interesse aumentar. E esse interesse, que antes era mais limitado a recursos naturais, agora é mais amplo. Falando de Brasil, tem consolidações locais em discussão e acontecendo, mas também tem esse fluxo crossborder, com estrangeiros querendo vir e brasileiros querendo ir para fora.
Valor: A pauta de fusões e aquisições no Brasil também está menos focada em recursos naturais?
Zema: Teve muito investimento no Brasil em óleo e gás e setor elétrico. Agora, essa pauta é mais diversificada. Tem muito interesse em agro, segurança alimentar, renováveis. Antigamente, você via interesse chinês só nesses dois setores, agora não mais, o que é bom. O setor de tecnologia também atrai mais atenção.
Fonte: Valor Econômico

