A Anvisa autoriza a comercialização de produtos à base da substância, mas as empresas precisam importar a planta
, Valor — São Paulo
12/02/2025 18h57 Atualizado há 12 horas
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou recursos da União e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e manteve o prazo de seis meses para que haja uma regulamentação sobre o cultivo da cannabis para fins medicinais no Brasil. A autorização foi dada pelos ministros no ano passado, mas o governo pediu mais um ano para emitir uma regulação sobre a matéria, alegando a complexidade do assunto. O prazo para emitir o regulamento se mantém: até meados de maio.
Em novembro de 2024, a 1ª Seção, por unanimidade, permitiu o cultivo da cannabis sativa com baixo teor de Tetrahidrocanabinol (THC) para fins medicinais ou farmacêuticos. Foi a primeira vez que os ministros julgaram o tema e o entendimento, por ter sido dado em recurso repetitivo, vincula todo o Judiciário. A decisão permitiu o plantio do canhâmo-industrial (Hemp), que por ter THC inferior a 0,3%, não está abarcado pela Lei de Drogas (nº 11.343, de 2006).
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Hoje, a Anvisa autoriza a comercialização de produtos à base da substância, mas as empresas brasileiras precisam importar a planta. Fazendo o próprio plantio, diversos medicamentos que detêm o ativo poderiam ter o custo reduzido — algo que interessa ao próprio governo, obrigado a fazer o financiamento de alguns rótulos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas sem uma regulamentação o acórdão do STJ, na prática, não tem efeitos. Por isso, há pressa das empresas para que saia a legislação.
Votação
Na sessão, a relatora do caso, a ministra Regina Helena Costa, disse que “não verificou os vícios apontados” pela Anvisa e pela União. “Entendo que o acórdão embargado foi claro e suficiente para que a autarquia sanitária e a União cumpram a obrigação de regulamentar a matéria, bem como sobre o início de sua fluência”, afirmou ela.
A relatora ressaltou que a fixação do prazo foi resultado de um “amplo debate” na 1ª Seção. “A concessão de qualquer prazo adicional somente poderá ser avaliada mediante justificativa e após a comprovação de que no prazo originalmente assinalado, de seis meses, que começou a contar em novembro de 2024, as rés adotaram providências concretas voltadas a cumprir a determinação que lhes foi impelida”.
A ministra ainda disse que não seria caso de aplicar a modulação dos efeitos (quando a decisão tem apenas efeitos para o futuro), pois foi a primeira vez que Corte julgou a matéria. Logo, não houve mudança de jurisprudência que justificasse a necessidade do instituto (REsp 2024250).
Caso concreto
O caso em análise é o da empresa DNA Soluções em Biotecnologia. Ela buscava a autorização judicial para o cultivo da planta, o que foi negado tanto pela sentença quanto por decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) — entendimento revertido pelo STJ.
Na visão do advogado Arthur Arsuffi, sócio do escritório Reis, Souza, Takeishi & Arsuffi Advocacia Empresarial, que representa a farmacêutica no processo, não há justificativa para ampliar o prazo para que o governo publique a regulamentação. “O STJ fez muito bem em negar os embargos e manter o julgamento como foi proferido em 13 de novembro do ano passado”, afirma.
Segundo ele, a empresa que ele representa não foi ainda formalmente notificada pela União desde o julgamento de mérito no STJ. “Enquanto não houver uma regulamentação, está todo mundo em um limbo, sem saber qual caminho seguir. Existe uma decisão de liberar esse ramo de negócios no Brasil, mas uma incerteza sobre como ele vai ser regulado, quais serão os limites e requisitos. Todas as empresas do setor estão esperando a regulação.”
Enquanto o texto não vem, as companhias estudam outros tipos de normas sobre o assunto. “Não existe nada semelhante à cannabis, mas a gente está estudando as regulações brasileiras sobre outras substâncias e plantas para tentar identificar aquilo que provavelmente deve acontecer”, diz Arsuffi.
A regulamentação deve ser feita por meio de decreto ou portaria, acrescenta. “Devem constar algumas exigências mínimas, indicadas pela ministra Regina Helena no acórdão, como o cadastro prévio das empresas que atuam no setor, a obrigatoriedade de certidões criminais, atestados de idoneidade e uma testagem de quantidade de THC, além de uma previsão de rastreamento dessas plantas para não ter a possibilidade de extravio”, completa.
Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirma que “aguardará a publicação do acordão para avaliar a estratégia processual a ser adotada”. E acrescenta que o recurso não teve como objetivo postergar ou inviabilizar a execução da decisão, mas expor que a regulamentação em questão é muito complexa e que, em outras experiências regulatórias recentes, “necessitou-se de prazo superior a seis meses”. Segundo o órgão, a regulamentação é feita por três ministérios — da Saúde, Justiça e Agricultura e Pecuária —, além da própria Anvisa, que deve fazer uma análise do impacto regulatório.
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