Indicado por Donald Trump e aprovado em uma velocidade incomum pelo Senado dos Estados Unidos para assumir uma cadeira na diretoria do Federal Reserve (Fed), Stephen Miran não surpreendeu nem um pouco os mercados ao ser dissidente na decisão de ontem do banco central americano. O dirigente foi uma voz dissonante ao se mostrar favorável a um corte mais agressivo nos juros, de 0,5 ponto percentual, em vez do 0,25 ponto anunciado. O inesperado veio do fato de ele ter sido o único a votar por uma redução maior nas taxas, sem ser acompanhado de outros indicados por Trump.
O mercado dava como certa alguma divisão no comitê – o que, de fato, se materializou -, mas as apostas estavam mais inclinadas a um dissenso maior, ao se ter em vista que, antes da decisão, o diretor Christopher Waller chegou a indicar que poderia votar por um corte mais intenso nos juros a depender do desempenho do mercado de trabalho. E, com números de emprego mais fracos, a visão de que o Fed poderia ter uma divisão ainda maior havia se consolidado entre algumas casas importantes.
Além disso, com Waller na liderança nas bolsas de apostas sobre ser o nome escolhido para substituir Jerome Powell no comando do Fed, o voto por um corte de 0,25 ponto foi surpreendente para alguns participantes do mercado.
No caso de Miran, não foi o voto que gerou surpresa. No entanto, o “dot” que estampa as prováveis projeções dele no gráfico de pontos (que ilustra as projeções de cada diretor) mostra que sua visão é, de fato, bem mais “dovish” (inclinada ao afrouxamento monetário) que a de outros membros do comitê, ao menos no curto prazo.
Entre as estimativas dos dirigentes do Fed, há uma divisão explícita: enquanto uma pessoa não era nem mesmo a favor da re dução nas taxas definida ontem, outro dirigente advoga por um caminho para os juros de, possivelmente, três cortes consecutivos de 0,5 ponto, o que levaria as taxas para o intervalo de 2,75% a 3%. No mercado, a avaliação é a de que Miran seja o responsável por esse “dot” mais baixo.
“O número de dissensos surpreendeu [1 contra 3 esperados/plausíveis], mas o perfil do gráfico de pontos, incluindo uma projeção para os juros em 2,9%, e a respectiva dispersão até 2026, é provavelmente algo mais dramático que o previsto”, disse o estrategista de câmbio Patrick Locke, do J.P. Morgan, em comentário enviado a clientes.
“De fato, a taxa de 2,9% traz à tona de forma mais evidente a questão da independência do Fed, na medida em que exigiria mecanicamente cortes de 0,5 a 0,75 p.p. ao longo do restante do ano, se levada ao pé da letra”, enfatizou Locke.
Embora Miran tenha sido a única dissidência explícita, é possível que outros dirigentes do Fed – possivelmente algum presidente regional – tenham votado contra a flexibilização monetária, já que um dos “dots” indica os juros parados neste ano. Além disso, embora faltem somente duas reuniões de política monetária em 2025, há uma divisão bastante explícita no Fed, com seis dirigentes não esperando mais nenhum corte; dois projetando somente mais uma redução de 0,25 ponto; e nove estimando mais dois cortes de 0,25 ponto até dezembro.
As próximas decisões do Fed, nesse sentido, podem ser cercadas de incerteza enquanto fatores políticos também seguem no radar dos investidores, já que, ao mesmo tempo, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, tem entrevistado potenciais candidatos para suceder Powell a partir de maio.
No site de apostas Polymarket, o nome de Waller chegou a perder um pouco de força para o cargo, ao passar de 33% para 29%. O assessor de Trump Kevin Hassett aparece em segundo, com 19%, seguido do ex-diretor do Fed Kevin Warsh (17%).
Fonte: Valor Econômico

