Por Toni Sciarretta, Valor — São Paulo
08/11/2022 18h16 Atualizado
A Binance, maior corretora de criptoativos do mundo, teve de sair em socorro nesta terça-feira anunciando a compra da rival FTX.com, que enfrenta uma onda de resgates e problemas de liquidez alimentados por uma desconfiança provocada por um bate-boca iniciado por seu fundador, Changpeng Zhao, conhecido pelas iniciais CZ, no Twitter. O negócio, possivelmente o maior já visto pela indústria de ativos digitais, chamou a atenção para a gravidade da situação e motivou um “minicrash” das criptomoedas, com repercussão inclusive nas ações de empresas de tecnologia negociadas na Nasdaq.
Inicialmente, os investidores reagiram com otimismo pelo desfecho surpreendente do embate entre dois dos maiores empresários do setor — CZ e Sam Bankman-Fried, CEO da FTX —, levando à alta de mais de 6% do bitcoin até uma máxima de US$ 21.417 no início da tarde. A euforia, no entanto, durou apenas até chegarem as primeiras análises chamando atenção para a gravidade da situação da FTX, até a semana passada vista como uma consolidadora do segmento.
Mais tarde, analistas e executivos colocaram em dúvida a viabilidade da fusão, destacando que se trata de uma carta de intenções, com proposta não vinculante e que depende de “due dilligence”. Também não representa um grande ativo em termos de clientes e de estrutura institucional e tecnológica para a Binance, além das dificuldades regulatórias pelo risco de concentração de mercado, principalmente nos EUA. Os termos do acordo não foram divulgados. Segundo Bankman-Fried, a combinação das duas não afeta as operações da Binance e da FTX nos EUA.
Diante da complexidade da situação, o bitcoin derreteu até 18%, da máxima de US$ 21.417 para a mínima de US$ 17.579, arrastando ether e as demais moedas digitais. A sol, moeda nativa da Solana, que tem ligação com a FTX, teve baixa de 25%. O valor de mercado conjunto das criptomoedas caiu para US$ 952 bilhões — quase US$ 60 bilhões menos que no dia anterior.
O “minicrash” cripto teve repercussão na Nasdaq, arrastando ações de empresas ligadas ao setor de ativos digitais. Os papéis da Robinhood, apontada como alvo de aquisição da FTX, desabaram 19%, enquanto as ações da Coinbase recuaram 11% e as da Microstrategy, 20,6%. A Nasdaq teve alta de 0,49%.
A FTX é a sétima maior corretora de criptoativos do mundo e não tem uma representação no Brasil, embora aceite clientes brasileiros por meio do site internacional. Já a Binance tem participação de mercado estimada em mais de 50% no mundo e de até 70% no Brasil, dependendo do segmento. Sam Bankman-Fried chegou a ser comparado com o banqueiro John Pierpont Morgan pelo resgate da crise bancária de 1907. Segundo a Bloomberg, ele tem uma fortuna de US$ 15,4 bilhões, enquanto a de CZ soma US$ 18,9 bilhões.
O negócio foi divulgado pelo próprio CZ por meio do Twitter sob o argumento de tranquilizar consumidores. “Para proteger os usuários, assinamos uma proposta não vinculativa, com a intenção de adquirir totalmente a FTX.com e ajudar a cobrir a crise de liquidez.”
“Um grande obrigado a CZ, Binance e todos os nossos apoiadores”, disse Bankman-Fried, também no Twitter. “Nossas equipes estão trabalhando para liberar o problema com os resgates. Isso eliminará a crise de liquidez e todos os ativos serão cobertos integralmente”, disse. “Essa é uma das principais razões pelas quais pedimos à Binance para entrar.”
Para Gracy Chen, diretora da Bitget, uma das cinco maiores em derivativos de criptoativos, fundada em Cingapura, a combinação entre a Binance e a FTX é “altamente improvável”. O principal motivo é que a FTX não traz uma base de usuários importante nem licença de operação nos EUA. “O negócio sinaliza apenas que a FTX tem problemas graves de liquidez ou mesmo de solvência. Por que a Binance gastaria dinheiro para adquirir a FTX? A FTX não tem uma licença nos EUA, não faz sentido adquirir para obter a conformidade no país. Seria para adquirir seus usuários ou o sistema de tecnologia? A FTX está morta, e seus usuários são naturalmente clientes da Binance. Além disso, a FTX não tem valor insubstituível como o Twitter”, disse.
“Temos que ver como vai ser a ‘due dilligence’ na FTX e se a Binance realmente vai comprar”, disse Axel Blikstad, sócio da BLP Crypto.
Para Ayron Ferreira, chefe de análise da Titanium Asset, o caso tomou proporções preocupantes e ficará marcado na história do mercado de criptoativos. “É um estresse novo, coisas do inverno cripto. Basicamente, o mercado descobriu que os ativos que a Alameda detinha não eram líquidos e o CZ aproveitou a situação de alguma forma. Era o jovem mais rico do mercado cripto, cuja riqueza não estava tão sólida assim”, disse.
Fonte: Valor Econômico

