Por Adriana Cotias — De São Paulo
15/02/2023 05h01 Atualizado há 6 horas
A revisão das regras que norteiam a atividade das assessorias de investimentos (os antigos agentes autônomos) pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) chega num momento de baixa liquidez para a atividade de distribuição independente, e em que duas das principais forças do mercado, XP e BTG Pactual, já demarcaram seu território com acordos de exclusividade longos com os nomes considerados relevantes. Mas a permissão formal para entrada de sócios capitalistas nos escritórios vai movimentar o jogo e tende a disparar uma onda de transações, tanto por parte das plataformas como de outros investidores.
Diferentemente do que se imaginava, a regulação não delimitou o que pode ser feito de antemão nem proibiu que as instituições financeiras tenham participação nos escritórios, observa Filipe Medeiros, CEO da AAWZ, que atua como estrutura de “middle office” para essas empresas. “Deve acelerar o movimento de corretoras tornando-se sócias ou até comprando 100% de determinadas operações.”
A própria AAWZ pretende fazer aquisições minoritárias, de 25% a 30%, num primeiro momento, para parte das assessorias que tem no seu pool de uma centena de parcerias. “A gente pode ser o ‘smart money’ e ajudar a profissionalizar a estrutura, mas não entrar numa competição por tamanho de cheque.”
Flexibilização regulatória impulsiona profissionalização e reduz dependência de plataformas
O BTG Pactual, que entrou mais tarde nesse segmento, foi um dos nomes que capitanearam a disputa pelas estruturas mais consolidadas que estavam na rede XP – atraiu nomes como EQI, Lifetime e Aqua Vero, fechando acordos para criar corretoras “light” conjuntamente. Em algumas operações que não evoluíram para esse modelo, há o interesse de ter participação, segundo um interlocutor a par do assunto. Dentro do grupo, o entendimento é o de que a capilaridade da distribuição que antes estava nas agências bancárias, hoje está no canal das assessorias independentes.
Nos últimos anos, o banco amealhou cerca de 4 mil assessores e pôde mapear as parcerias mais frutíferas com as quais faz sentido casar de fato, ir além dos contratos de exclusividade. Alguns acordos já abriam um caminho nesse sentido, caso a regulação permitisse, diz uma fonte familiarizada com o tema.
Pode parecer estranho desembolsar recursos por clientes das assessorias, que na prática já estão na custódia das plataformas, mas o valor vai estar cada vez mais na ponta do atendimento, afirma Guilherme Miziara, chefe de B2B da Gorila, que criou há dois anos um braço de aceleração para escritórios de investimentos, incluindo assessorias, consultorias de valores mobiliários e gestoras de patrimônio.
Grades participantes do mercado como XP e BTG vão poder exercer opções de compra de participações em escritórios que fecharam acordos nos últimos anos, afirma o advogado Cesar Amendolara, sócio do Velloza Advogados. “Essas operações estavam suspensas até que a norma da CVM saísse. Veremos muitas operações.”
Medeiros, da AAWZ, nota que mudança na regulação vem após uma fase de capitalização intensa, entre 2020 e 2021, pelas duas principais corretoras nos escritórios que queriam atrair ou reter, com uma injeção total entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões. O dinheiro serviu para premiar os principais sócios e nos planos de expansão para buscar profissionais de atendimento da concorrência que tinham potencial de trazer carteiras. Antecipando-se ao novo marco, as negociações incluíram opções de compra ou contratos de mútuo conversíveis em participação.
Mas alguns negócios aumentaram muito o custo fixo, queimaram caixa e não conseguiram entregar o crescimento que se esperava porque o mercado virou na medida em que os juros subiram de 2% para 13,75% ao ano, afirma Medeiros.
Agora, com a possibilidade de acessar outros bolsos, os negócios podem ganhar tração sem depender só das plataformas as quais estão vinculados, diz Philipe Jorge, sócio-fundador da Virtue Invest, que tem acordo de exclusividade com a XP. “Embora a XP tenha uma ‘call option’ para comprar participação no escritório, quando tenho necessidade de captação de recursos para entrar em outras praças, por exemplo, vou me prendendo por mais tempo para equalizar os investimentos para crescer. Eu busco o dinheiro, mas isso me custa ‘x’ anos dentro da plataforma, é um círculo vicioso que você não consegue sair, acha que está se financiando, mas fica amarrado a uma bola de aço.”
Esse tipo de operação pode ser concretizada por meio de contratos de mútuo, com empréstimos conversíveis em participação num determinado prazo. Sair antes significa uma multa equivalente ao dobro dos recursos recebidos, ajustados pelo CDI, afirma Jorge. No caso da Virtue Invest, a cláusula prevê aquisição pela XP de até 49%, mas a assessoria tem a prerrogativa de calibrar o tamanho da participação, ceder uma fatia menor, além de poder vender até 20% do negócio para outro investidor sem precisar de anuência da XP.
Com cerca de R$ 2,5 bilhões só no negócio de assessoria de investimentos, Jorge conta que o grupo já foi sondado por investidor capitalista e com o acordo selado com a XP passou a ter um parâmetro de avaliação. “Estamos preparados para um ciclo bom para receber aporte de um estratégico. Se precisar, posso bater num ‘private equity’ que não vai me colocar dez anos [de exclusividade].”
A Gorila passou a olhar para o canal de agentes autônomos e de negócios correlatos desde que recebeu uma capitalização de R$ 100 milhões no fim de 2021. Entrou em cinco negócios, com cerca de R$ 5 bilhões sob assessoria no conjunto, sendo dois no antigo modelo de agentes autônomos. Neles, a transação foi por meio de dívida e com a flexibilização regulatória, a partir de junho será possível converter de fato a injeção de liquidez em participação, diz Miziara.
Ele conta que a empresa assumiu numa primeira rodada menos de 20% do capital e deve agora fazer aportes subsequentes para chegar a uma fatia de 40% nos escritórios. “Tem bastante capital reservado para investir e certamente estamos olhandos para mais prospects”, diz. Ele estima fazer até 12 novos investimentos, dentro do novo desenho e vê uma convergência dos modelos de atendimento. Sob a antiga regra, o escritórios de agentes autônomos só poderiam ser uma sociedade simples, com profissionais certificados. Agora, podem se organizar como grupos empresariais, estabelecer a governança e ter vários negócios debaixo dessa estrutura.
Em junho, quando a regulação da CVM começar a valer, a Apollo Investimentos, assessoria ligada ao Safra, vai ter tudo pronto para formalizar a sua estrutura corporativa, já com um investidor estratégico ao seu lado, a Chronos Capital, de Fábio Gama, ex-executivo-chefe de operações (COO) da Warren e que liderou o HSBC no Chile. “A regulação permite que as assessorias de investimentos entrem para jogar num patamar diferente, que sejam parte de um grupo econômico e dentro dele você passa a ter gestora de recursos, empresas que podem consolidar o sistema, além de uma oferta para atender o cliente de forma completa”, diz.
Para o executivo, juntando com o fim da exclusividade para a oferta de valores mobiliários, fortalecer-se como grupo econômico significa reduzir a relação quase umbilical com as instituições financeiras. “Esse é um mercado em que as margens são razoavelmente apertadas e as assessorias sempre dependiam de um único relacionamento. Se cresciam e tinham dificuldade na gestão para o financiamento da empresa, a única forma de sobreviver era fazer empréstimos, criando dívida com a casa corretora ou com a casa banco a que estavam vinculadas.”
A figura do sócio capitalista representa uma mudança estrutural para o setor, tira o viés de ter uma única possibilidade de funding, diz João Guilherme Penteado, sócio-fundador da Apollo Investimentos, que hoje reúne cerca de R$ 2 bilhões. Com o atalho de fusões e aquisições, o plano é reunir R$ 3 bilhões até o meio de 2023 e atingir algo próximo de R$ 10 bilhões em dois anos. Gama ressalva que a ideia não é ficar dependente de movimentos de consolidação para crescer e que os investidores vão procurar negócios que permitam uma aceleração orgânica também.
Na Inove, que tem acordo de exclusividade com a XP desde 2020, a figura do sócio capitalista viabiliza buscar pessoas com experiência distintas para acelerar outras linhas de negócios, não ficando restrito à assessoria de investimentos, diz Eduardo Madanelo, sócio-fundador da empresa. “Se a gente conseguir construir um ecossistema sólido para o cliente em todas as frentes, não só no ‘asset allocation’, mas tendo uma visão holística do patrimônio, desde demandas básicas até soluções corporativas, com crédito, câmbio, seguridade, vai conseguir ter uma operação mais eficiente ao avançar em outras esteiras. A nova regulação vem muito nessa direção.”
Para que o assessor seja cada vez mais protagonista no negocio, referência do relacionamento na vida do cliente, o executivo diz que precisa ter uma estrutura por trás que funcione e dê capacidade para o profissional se dedicar. Com R$ 4,2 bilhões sob assessoria, a casa tem cerca de 4,6 mil clientes ativos, atendidos por 38 profissionais. É uma estrutura relativamente enxuta, que Madanelo diz que pretende crescer seletivamente. “O maior instrumento para atrair bons profissionais é a partnership. Assim, você consegue as melhores peças, investe num capital humano que pode participar do crescimento dos negócios porque a regulação permite fazer ‘deals’ para melhorar a estrutura de capital e beneficiar essas pessoas.” (Colaborou Juliana Schincariol)
Fonte: Valor Econômico

