O governo Donald Trump tem dado repetidos sinais de que não quer negociar com o Brasil o que no mínimo pretende realizar uma negociação dura para obter o máximo possível de vantagens. Diante das dificuldades da negociação e a imprevisibilidade dos próximos passos de Washington, o país fica ‘nas cordas’ e resta ao governo abrir a economia brasileira a buscar parcerias com outros mercados. Essa foi a tônica das avaliações feitas pelos especialistas ouvidos pelo Valor. A mesma visão é expressa pela professora de Comércio Jennifer Hillman, da Georgetown University (ver Recurso à OMC daria apenas ‘vitória moral’, diz professora americana).
Ao anunciar uma investigação sobre práticas comerciais do Brasil com novas reclamações impossíveis de serem negociadas, os Estados Unidos não apenas escalam a disputa, como também sinalizam que não pretendem negociar posições, e sim impor uma agenda sem receio de retaliações, avalia o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
Sinal disso é que as demandas colocadas são inegociáveis, como a reclamação contra o Pix. “Vai fazer o quê, desfazer o Pix?”, questiona.
Em sua avaliação, Trump se aproveita do fato de o Brasil não ser um país estratégico para colocá-lo contra a parede, adotando um política de buscar o máximo de concessões possíveis sem dar nada em troca. “É algo que casa com o seu estilo ‘bully’. Não somos como a China, que tem terras raras, ou o Canadá, que tem energia. Exportamos café e suco de laranja”, argumenta Vale.
Mesmo em pontos em que é possível abrir uma negociação, como a reclamação contra o etanol, fica a dúvida sobre se haverá concessão. Para Vale, o governo brasileiro precisa trabalhar com o cenário de que os EUA não vão recuar.
“Vamos ter que incorporar tarifas essas mais elevadas e as empresas terão que se preparar, porque durante quatro anos vai ser assim. O governo precisa buscar alternativas de exportação, abrir mais a economia brasileira e se aproximar comercialmente de outros países e blocos comerciais”, avalia.
A investigação aberta pelos Estados Unidos reforça a percepção de que a situação pode se arrastar, avalia Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays. A tarifa anunciada na semana passada já havia chamado a atenção pelo “aspecto mais político que comercial”, segundo Secemski. “No front da Justiça brasileira, de fato, não parece haver muito o que se negociar.”
O adiamento da taxação ou uma redução na tarifa linear de 50% são possíveis, diz Secemski. “Qual a combinação disso, não saberia dizer. Tem um tempo para a poeira baixar, mas temos muito pouca visibilidade.” Ele não descarta também eventuais medidas de exceção para determinados setores, caso as tarifas de 50% não sejam reduzidas ou adiadas até agosto.
O problema todo é que não estamos falando de uma situação lógica”
Tecnicamente, o Brasil tem argumentos para contestar a investigação comercial, mas ainda não está claro qual será a margem de negociação no processo, diz Lia Valls, pesquisadora associada do FGV Ibre e professora da Uerj. Segundo ela, há dois cenários possíveis: um em que os EUA recorreram à medida para justificar o tratamento que pretendem dar ao Brasil, e outro em que há de fato disposição para negociar.
O estilo “Steve Bannon” chegou ao Escritório do Representante de Comércio dos EUA, comenta Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais e Economia da ESPM. A fórmula consiste em “lidar com a mídia não com um único assunto ao dia, mas com três ou quatro no mesmo dia, se possível. Isso deixa atônito seus adversários, sem saber de qual desses assuntos cuidar primeiro”.
Trevisan diz que a pluralidade pode ter o objetivo de dificultar o processo de negociação do país com os EUA para reduzir a tarifa de 50% anunciada por Trump.
A investigação comercial é uma “medida coercitiva” para diminuir a capacidade de negociação do país diante da tarifa de 50%, mas o país não irá ceder em pontos que prejudiquem o setor privado, avalia o conselheiro consultivo internacional do Cebri, Hussein Kalout.
“O país não vai negociar nada que seja contrário aos interesses dos empresários e dos setores produtivos. Por isso que o governo brasileiro convidou os empresários de vários setores a se reunirem com ele para entender qual é a demanda deles”, disse, referindo-se a encontros feitos nesta semana pelo governo com o setor produtivo.
Para o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da consultoria BMJ, Welber Barral, a abertura de uma investigação comercial pelos EUA sob alegação de práticas ilegais que envolvem até mesmo o sistema de pagamento Pix, representa um endurecimento do governo Trump que pode resultar em medidas tão danosas quanto a tarifa de 50% para todas as exportações brasileiras. Para o especialista, o caminho é a negociação, mas o maior problema é que as reclamações americanas não possuem lógica.
“Do ponto de vista lógico, neste momento, o ideal seria postergar essa data do dia 1º, colocar o [vice-presidente Geraldo] Alckmin como representante para dialogar diretamente com os secretários de Comércio e do Tesouro americano e ter um prazo de pelo menos 90 dias para realizar as reuniões e tentar ver quais são as demandas de lado a lado”, diz Barral. “O problema todo é que não estamos falando de uma situação lógica e tudo está dependendo muito de um único presidente”, acrescentou em referência a Donald Trump, que ontem chegou a dizer que taxou o Brasil porque pode fazê-lo, mesmo que os EUA tenham superávit comercial na relação.
“Os EUA já adotaram uma ameaça alta contra o Brasil e agora [com a investigação do Departamento do Comércio] endureceram numa iniciativa que pode levar a outras medidas”, conclui.
Fonte: Valor Econômico


