Com a taxa básica de juros a caminho de alcançar 14,25% nesta semana, maior nível desde outubro de 2016, é consenso no mercado a avaliação de que a política monetária está no campo restritivo. E é diante de um ambiente de restrição monetária que parte dos economistas de mercado começa a ajustar suas projeções para incluir no cenário um início gradual do ciclo de cortes da Selic já no fim deste ano.
Importantes instituições financeiras, como Santander e Bradesco, já adotam há algum tempo em seus cenários a possibilidade de a autoridade monetária começar a reduzir a taxa de juros ainda em 2025, algo longe de ser consensual até o início deste ano. No entanto, as surpresas negativas no desempenho da atividade econômica nas últimas semanas e a apreciação da taxa de câmbio levaram outras casas a aderir a esse cenário.
Em levantamento conduzido pelo Valor com 125 instituições financeiras e consultorias, 30 casas projetam o início de uma flexibilização monetária no segundo semestre, ou 24% do total. Na pesquisa, a mediana das projeções para a Selic no fim do atual ciclo de aperto monetário ficou em 15%, mesmo nível do ponto médio das estimativas para o juro básico em dezembro. No entanto, a média das estimativas mostra uma história diferente. Enquanto para o fim do ciclo a média das projeções é de uma Selic a 15,10%, o valor observado para o fim do ano é de 14,92%, o que pode sugerir um viés de queda em relação ao nível dos juros no fim do ciclo já em 2025.
“Acho que, realmente, estamos mais próximos do fim do ciclo”, diz o economista Marco Antonio Caruso, do Santander, cujo cenário ainda aponta para Selic em 15,5% no fim do ciclo, com início de um ajuste do nível de aperto no quarto trimestre deste ano. “É difícil falar de algo sem termos clareza sobre a postura fiscal, mas a sensação térmica da atividade econômica é outra. A não ser que o câmbio galope e volte a ficar acima de R$ 6 por dólar, o tempo vai ajudar. E o fato de o BC ter entregue uma alta de 3 pontos [na Selic] o ajuda a parar antes, o que já se tornou a precificação de mercado”, diz.
Parte da avaliação do Santander sobre o espaço para uma redução nos juros ainda neste ano vem da percepção de uma atividade econômica mais fraca em um ambiente que contempla uma taxa de juros no campo restritivo. Nos cálculos do banco, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre deve ser de apenas 0,2%, enquanto na segunda metade do ano a expansão deve ficar em 0,1%, ou seja, praticamente com a economia estagnada.
O economista lembra que, nos cálculos do BC, o hiato do produto, uma medida de ociosidade da economia, saía de 0,7% hoje para -0,6% no segundo trimestre de 2026. “Vamos descobrir o número mais atualizado depois, mas já tivemos um PIB do quarto trimestre mais fraco e um juro real que subiu mais, sugerindo que revisões de alta para o hiato do produto também podem ter chegado ao fim.”
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É nesse sentido que Caruso vê a possibilidade de a autoridade monetária utilizar como argumento a redução do grau de aperto das condições monetárias. Ele, inclusive, nota que a postura monetária está no campo restritivo, especialmente ao considerar o nível de Selic precificado na curva de juros no momento e as expectativas de inflação de 12 meses à frente contidas no Boletim Focus. “O BC pode indicar que não está indo para um patamar expansionista, mas que está apenas reduzindo o grau de aperto monetário e ajustando o nível nominal dos juros já que as expectativas de inflação estarão perto de 4,5%, e não de 6%, ou seja, não será necessário um juro real em torno de 10%.”
O economista observa, assim, que o ciclo de ajuste nos juros foi maior que o imaginado pelo banco. “Mas uma hora ele pega tração na atividade. Foi uma projeção difícil, até porque nenhum condicionante ajudava o BC, mas, hoje, vemos que, no balanço de riscos, alguns fatores mais desfavoráveis de antes, como o câmbio e a atividade, voltaram a ajudar”, argumenta Caruso.
Entre as instituições que projetam algum corte já neste ano, estão aquelas que veem um ajuste bastante modesto nos juros, como o Opportunity, a WHG e o Goldman Sachs, enquanto há casas que veem cortes mais intensos. É o caso da Pezco, cujo cenário base abarca o fim do ciclo de aperto já nesta quarta-feira, com a Selic em 14,25% e uma redução de 2 pontos percentuais no juro básico até dezembro.
Vale notar, ainda, um viés de baixa nas projeções para os juros em parte do mercado. Em um universo de 113 instituições comparáveis, por terem participado das pesquisas de janeiro e de março, 27 reduziram as estimativas para a Selic no fim do ano. Foi o caso de algumas gestoras relevantes, como Genoa Capital (de 15,5% para 14,75%); JGP (de 15,5% para 14,75%); Reag Investimentos (de 15,5% para 14,75%); Itaú Asset Management (de 15,75% para 15,25%); Truxt Investimentos (de 15,5% para 15%); e XP Asset Management (de 15,5% para 15%).
O economista Helcio Takeda, sócio da Pezco, explica que a projeção da casa de uma Selic em 12,25% ao fim de 2025 se baseia na expectativa de um câmbio comportado e de ventos externos desinflacionários, além de uma inflação doméstica que deverá perder ímpeto no segundo semestre.
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Embora veja a inflação acima do teto da meta a ser perseguida pelo Copom (4,5%) na maior parte do ano, Takeda avalia que o quadro não é de alta “descontrolada” dos preços. “São pressões pontuais em alimentos e combustíveis, e pelo quadro atual, parece estarmos no momento mais pressionado. Acho que esse nível de juro real que o BC está colocando parece ser suficiente para cumprir o objetivo ao longo do tempo”, diz Takeda, que espera que a inflação oscile abaixo do teto da meta a partir de novembro.
O economista da Pezco argumenta que houve um exagero na reação dos mercados aos riscos fiscais no fim do ano passado, o que provocou uma disparada do dólar, já bastante revertida nos primeiros meses de 2025. “Dados até agora sugerem que as contas públicas, embora não estejam em um nível desejável, estão sob controle”. Nesse sentido, com a valorização recente do real, “é uma questão de tempo até isso se traduzir em revisão para baixo das expectativas de inflação”, projeta Takeda.
Com a valorização do real, é questão de tempo até isso se traduzir em revisão para baixo das expectativas”
Um dos temores do mercado para o curto prazo é que a aparente desaceleração da economia leve a uma política fiscal mais frouxa do governo. Embora admita esse risco, o economista da Pezco acredita que a desaceleração em curso tem se concentrado no consumo das famílias, ao passo em que alguns setores, como o da agropecuária, ainda sustentarão um bom crescimento econômico. Isso, por sua vez, poderia frear tentativas de acelerar a atividade por meio da política fiscal.
“Se esse quadro se mantiver ao longo do ano, fica bastante condizente com a nossa perspectiva”, afirma Takeda, para quem o crescimento da agropecuária e do setor industrial não deve ser inflacionário, uma vez que levam a um aumento de oferta. “Cria até um equilíbrio melhor para a política fiscal, já que melhora a fotografia da relação dívida/PIB”, afirma.
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A economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória, avalia que os dados recentes de inflação ainda mostram níveis elevados, mas começam a dar sinais de respiro, ao mesmo tempo em que outros fatores contribuem para algum alívio para a condução da política monetária, como a apreciação do câmbio e o risco fiscal “um pouco mais controlado”. “A inflação de serviços está muito alta, mas entendemos que a trajetória é de queda diante do menor impulso fiscal e da Selic já bastante restritiva”, afirma.
É nesse sentido que o Inter projeta o ciclo de aperto monetário chegando ao fim com o juro básico a 14,75%, enquanto a expectativa é que a taxa passe a cair já no fim do ano, para 14,25%. “O crédito e a atividade estão desacelerando e isso tira um pouco do radar aquele risco presente na ata do Copom de uma atividade muito forte”, argumenta Vitória. Para ela, inclusive, o reconhecimento de uma desaceleração econômica presente nos últimos indicadores deve ser feito pelo Banco Central já nesta quarta-feira.
“Entendemos que o ideal seria um comunicado que deixe os próximos passos em aberto, o que indicaria que o BC não precisa ancorar uma próxima alta nos juros, até porque, se a atividade der mais sinais de fraqueza, ele poderia encerrar o ciclo até antes”, diz a economista, que projeta um crescimento de 1,5% neste ano, com destaque para a agropecuária. “Não vai ser tão robusto. A política monetária mais restritiva terá impacto na atividade, com serviços e comércio muito relacionados a crédito crescendo menos, além da inflação mais alta, que tira um pouco de renda das famílias”, afirma.
Fonte: Valor Econômico
