A paralisação (“shutdown”) do governo dos Estados Unidos entrou nesta terça-feira em seu 35º dia. A marca iguala o recorde estabelecido durante o primeiro mandato do presidente, Donald Trump, e pode fazer com que o fechamento se torne o mais longo da história.
Os prejuízos aumentam a cada dia. A assistência alimentar aos mais pobres foi interrompida pela primeira vez, funcionários federais — de aeroportos, forças de segurança e das Forças Armadas — estão sem receber salário, e a economia opera às cegas, com dados governamentais limitados.
O Senado já votou mais de 20 vezes contra uma medida provisória de financiamento aprovada pela Câmara. Nenhum parlamentar mudou de posição.
Os republicanos de Trump têm maioria de 53 a 47 no Senado, mas precisam de pelo menos sete votos democratas para atingir o limite de 60 votos exigidos para aprovar a maior parte das legislações. Os democratas estão retendo seus votos para pressionar por uma extensão de alguns subsídios de seguro de saúde.
“As vítimas do shutdown promovido pelos democratas estão começando a se acumular”,disse o líder da maioria republicana no Senado, John Thune, na segunda-feira. “A questão é: por quanto tempo os democratas vão continuar com isso? Mais um mês? Dois? Três?”
O democrata Chuck Schumer acusou, também na segunda-feira, que Trump está distraído com outros assuntos.
“Enquanto Donald Trump se gaba de reformar banheiros na Casa Branca, os americanos estão em pânico sobre como pagarão seu plano de saúde no próximo ano”, disse Schumer, referindo-se à reforma que Trump apresentou na sexta-feira.
Paralisação diferentes das anteriores
O Congresso, cada vez mais polarizado, tornou os fechamentos de governo e suas ameaças mais frequentes nas últimas décadas. Mas o 15º fechamento desde 1981 se destaca não apenas pela duração. Ele inverteu a dinâmica partidária tradicional, na qual os fechamentos geralmente eram provocados pelos republicanos.
Além disso, pouco esforço tem sido feito para encerrar este novo fechamento. A Câmara dos Representantes está fora de sessão desde 19 de setembro, e Trump tem deixado Washington repetidamente.
“O clima político e as tensões entre os partidos eram enormes no início do fechamento e, embora as conversas bipartidárias tenham continuado, permanecem até agora igualmente amplas”, disse Rachel Snyderman, diretora de política econômica do Bipartisan Policy Center.
A assistência alimentar para cerca de 42 milhões de americanos do programa SNAP se esgotou no sábado. Muitas famílias ficaram sem os cerca de US$ 180 mensais em cupons de alimentação.
“O que está acontecendo agora é sem precedentes, e há muitas pessoas provavelmente com medo”, disse Jason Riggs, diretor do Banco de Alimentos Roadrunner, no Novo México, ao lado do senador democrata Martin Heinrich.
Parte dos programas de educação infantil Head Start, destinados a crianças de baixa renda, também enfrenta fechamento de unidades, já que novos fundos não estavam disponíveis desde 1º de novembro.
Funcionários federais — incluindo agentes da lei e militares — estão sem receber, assim como seguranças de aeroportos e controladores de tráfego aéreo, o que provoca falta de pessoal e atrasos nas viagens.Segundo uma associação aérea, mais de 3,2 milhões de passageiros nos EUA foram afetados por atrasos ou cancelamentos desde o início do fechamento.
O Gabinete Orçamentário do Congresso (CBO) estimou que o fechamento poderia custar US$ 11 bilhões à economia dos EUA se durasse mais uma semana. Sem financiamento federal, há falta de dados econômicos e de emprego, o que dificulta a capacidade do Federal Reserve de conduzir sua política monetária.
A Federação Americana de Empregados do Governo (AFGE), o maior sindicato de servidores federais, está pressionando por uma medida provisória de financiamento, a mesma que os democratas rejeitaram.
Limites do ‘shutdown’
Durante o fechamento, Trump concentrou-se na política externa, da Faixa de Gaza à Rússia e à Ásia. Mais recentemente, ele começou a endurecer sua postura, pedindo que os republicanos abolam o limite de 60 votos no Senado (o chamado filibuster).
Questionado se poderia negociar um acordo, Trump disse ao programa “60 Minutes” da CBS, no domingo:“Não vou fazer isso sendo chantageado pelos democratas que perderam o rumo.”
Pesquisas recentes da Reuters/Ipsos indicam que os americanos culpam ambos os partidos pelo fechamento: 50% dizem que a culpa maior é dos republicanos, enquanto 43% culpam os democratas.
Três senadores democratas moderados votaram com os republicanos para reabrir o governo, argumentando que o dano imediato do fechamento supera qualquer ganho de longo prazo.
Alguns democratas afirmam estar mantendo a resistência para forçar concessões republicanas e reafirmar o poder do Congresso sobre o orçamento, diante do que veem como excessos executivos de Trump.
“O déficit de confiança existe há muito tempo por causa da forma como Trump tem agido”, disse o senador democrata Andy Kim, que votou contra as medidas de financiamento temporário.
“Esse é um grande desafio que temos agora: em qualquer acordo que fizermos, como saber se ele realmente será cumprido?”
Fonte: Valor Econômico

