A alta do PIB este ano tem a ver com o choque de commodities; fica a dúvida sobre a sustentabilidade desse crescimento
Com a revisão do crescimento brasileiro em 2022 para cima pelo FMI, o ministro Paulo Guedes voltou a atacar a instituição alegando erros de projeção e sinalizando que vai errar de novo em 2023.
Em que pese o fato de que as projeções no começo do ano estavam mais baixas, precisa haver um certo cuidado nos ataques quando lembramos a quantidade de quebras estruturais que tivemos nos últimos três anos.
A pandemia, o choque inflacionário e a guerra da Ucrânia são eventos por si só graves do ponto de vista econômico e que mexem em profundidade nas séries estatísticas, alterando a capacidade preditiva no curto prazo.
Quem esperava crescimento mais baixo este ano indicava duas razões para isso: o efeito da taxa real de juros e a diminuição do impacto positivo da saída da pandemia, especialmente em serviços. Mas o que aconteceu?
Os serviços continuaram entregando bons resultados e os juros ainda não tiveram o efeito completo na economia, mas infelizmente vai aparecer.
A demanda de crédito setorial e regional está em franca desaceleração e o aumento da inadimplência em grande parte decorrente da corrosão da renda real e da alta de juros será um diminuidor do consumo nos próximos meses. Esses dados não ocorriam antes e agora pululam nas estatísticas de crédito.
Além disso, vale dizer que a alta do PIB este ano tem a ver com o choque de commodities. A forte alta em reais desses preços ajudou o agronegócio, cujo peso na economia é de quase 30%, a impactar a renda e o PIB das regiões com peso nesses segmentos.
Os estados que têm crescimento de renda e de PIB são justamente os estados das commodities. Importante lembrar que esse impacto também aparece em outros países com forte peso das commodities, como Austrália e Arábia Saudita, cujas taxas de crescimento se mantém elevadas apesar das crises.
No caso da Arábia Saudita, cujo peso maior é o petróleo, a expectativa de crescimento no começo do ano era pouco acima de zero e agora está em torno de 8%. O Brasil, uma economia muito mais diversificada que a dos árabes, saiu de zero para perto de 3%.
No final, os diversos choques que estamos passando acabam tendo efeitos negativos e positivos ao mesmo tempo. Negativos pelo impacto na inflação, mas positivos pelo impacto nas commodities. Mesmo o efeito que poderia haver nos fertilizantes não ocorreu com força. Já estamos com todo o fertilizante necessário para a próxima safra e os preços caíram com força desde o início da guerra. Pode ser que voltem a aumentar com o recrudescimento da situação na Ucrânia, mas ainda não aconteceu.
Sendo verdade que há um impacto relevante das commodities esse ano fica a dúvida sobre a sustentabilidade desse crescimento. O governo quer levar a crer que vamos crescer 2,5% ano que vem e o crescimento na verdade teria vindo para ficar.
Mas se os preços de commodities param de crescer com a recessão mundial que está chegando e os efeitos dos juros e da inadimplência passam a afetar o consumidor e as empresas com mais força como já começamos a notar nos dados, talvez estejamos mais e um voo de galinha novamente do que um crescimento sustentável.
A reforma trabalhista ajuda a explicar parte do bom movimento do emprego que ocorre este ano, mas foi feita pelo Congresso no governo Temer e a outra reforma que poderia garantir mais aumento de produtividade, a tributária, foi emperrada pelo governo nos últimos dois anos. Estruturalmente, esse governo fez muito pouco para destravar de fato o crescimento. Não fosse o choque de commodities estaríamos crescendo muito menos do que isso.
O perigo dessa narrativa do governo é fazer crer que cresceríamos 2,5% ano que vem pelas razões de mudança estrutural que eles alegam. O risco, se eventualmente Lula vencer as eleições, é termos um crescimento baixo pelas razões elencadas acima e a oposição alegar que, com eles, o crescimento teria sido outro. Faz parte do jogo e se Lula ganhar terá que ter ainda mais sangue frio para passar por um ano que será difícil aqui e lá fora.
Fonte: CNN Brasil

