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Embora nenhuma mudança concreta tenha ocorrido nas regras fiscais do Brasil nas últimas semanas para justificar o azedume do mercado com os ativos brasileiros, o governo tem passado, nas recentes interações com o Congresso, uma impressão de que “vai fazer as coisas no improviso” e é isso que gera uma perspectiva fiscal ruim para o país, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.
Desde que o governo decidiu alterar a meta de resultado primário (receita menos despesa, exceto gastos com juros) para 2025, em abril deste ano, o “humor” do mercado com o cenário fiscal “piorou bem”, diz Srour. “E, a partir daí, começamos a ver uma dificuldade muito grande do governo de conseguir aprovar, no Congresso, medidas de aumento de imposto”, afirma.
Diante disso, segundo Srour, “ficou uma sensação de que a parte política está mais fraca, de que o Congresso consegue emplacar pautas e o governo fica na mão dele”, diz.
Ela cita como exemplo a Medida Provisória que o governo enviou restringindo o uso de créditos de PIS/Cofins, uma tentativa de compensar as despesas com a manutenção da desoneração da folha dos setores que mais empregam no país.
“Só que está muito óbvio que isso vai precisar ser revisto. Ou vão devolver a MP ou vão engavetar, porque a pressão está enorme, não foi combinado com ninguém no Congresso e as empresas foram para cima – nesse caso, eu acho que elas têm razão, porque elas tinham direito a um crédito e, de uma hora para outra, não têm mais”, diz Srour.
Na última sexta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a MP é “saneadora” de uma questão orçamentária e responde a uma determinação do Supremo Tribunal Federal. “Sem a compensação, volta a ter vigência a liminar que, em 45 dias, vai prejudicar os 17 setores que negociaram conosco”, afirmou o ministro.
Haddad disse que vai “sentar para conversar” com o Congresso. Líderes de bancadas reclamaram da falta de diálogo com a Fazenda antes do envio da medida provisória. Questionado sobre isso por jornalistas, Haddad reforçou que haverá debate com os parlamentares e disse: “Eu tinha 60 dias, em 60 dias tem de ter uma medida aprovada pelo Congresso”.
“Essa sensação de que o governo vai fazer as coisas no improviso, porque precisa dar uma resposta, e as coisas não são combinadas, não há articulação política, é uma perspectiva fiscal ruim”, afirma Srour.
O câmbio, inclusive, tem reagido a isso, na sua avaliação. “Se você tem um governo que está com uma base muito fraca no Congresso e que não está nem sabendo o que está acontecendo, a probabilidade de ter pautas piores rolando e você ficar com um furo [no fiscal] é muito maior”, afirma Srour, citando como outro exemplo o vaivém em torno da taxação de compras internacionais abaixo de US$ 50.
Para Srour, a articulação política de Haddad, que foi elogiada, por exemplo, na aprovação do texto-base da reforma tributária, não é mais a mesma. E mesmo a reforma tributária, diz, pode enfrentar reveses na atual fase de regulamentação.
“Acho que passaram várias medidas, aumento de impostos, em um acordo político com o Centrão. Mas essa pauta de aumentar impostos se esgotou, o empresário chegou no Congresso e falou que não dá mais. Teria de ter, agora, uma pauta de reduzir gastos, mas ela não tem adesão nenhuma”, afirma, acrescentando que essa ausência de apoio também vem de parlamentares.
O problema, diz Srour, é que, se o governo não conseguir rever, por exemplo, os pisos constitucionais de saúde e educação, no próximo ano o arcabouço recém-aprovado terá de ser alterado.
“Acho que ele [Haddad] vai tentar colocar o assunto, mas, se ele não conseguir ou nem tentar, vamos ver [a curva de juros] abrindo de novo”, afirma Srour, em referência à perspectiva de que as taxas futuras de juros podem subir. “Eu acho que, no começo de 2025, o mercado fica, de novo, bem de mau humor com o fiscal. E, aí, como o Banco Central vai cortar juros?”, questiona. “Eles podem até forçar a barra, mas seria muito ruim”, afirma.
A dúvida entre agentes do mercado financeiro é se, no ano que vem, quando a maioria do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC terá sido indicada pelo presidente Lula, haverá maior tolerância com a inflação em busca de taxas de juros mais baixas.
O mercado reagiu mal à última decisão do Copom, em que membros indicados por Lula votaram por manter o ritmo de corte da Selic em 0,50 ponto percentual, enquanto aqueles indicados pela gestão anterior, inclusive o presidente do BC, Roberto Campos Neto, optaram por reduzir a velocidade para 0,25 ponto – e saíram vitoriosos.
Para a próxima reunião do Copom, neste mês, Srour diz que, a não ser que haja uma decisão unânime por pausar o corte de juros, as expectativas de inflação “podem piorar bem”.
Para o BC voltar a reduzir a Selic, diz, seria necessário algo além do início do corte de juros nos Estados Unidos.
“Eu acho que, para voltar a cortar os juros no Brasil, o câmbio precisa voltar mais para perto de R$ 5 [por dólar americano] e as expectativas de inflação precisam parar de subir. Eu não acho que isso vai acontecer só porque o Fed [Federal Reserve, o banco central americano] começou a cortar juros. Teria que ter alguma coisa a mais, alguma solução fiscal para os problemas mais de curto prazo. Não é porque o Fed vai começar a cortar que dá para o BC cortar também”, diz.
Fonte: Valor Econômico

