Por José R. Mendonça de Barros e João F. Gomes de Oliveira
09/10/2023 05h01 · Atualizado há 5 horas
A indústria do aço está pedindo elevação das alíquotas de importação para a faixa de 25%. A razão disso é que nos últimos meses exportadores, especialmente chineses, começaram a utilizar distribuidores no Brasil para trazer o produto para cá.
Mansamente, isto possibilitou às empresas do setor metalmecânico (em geral, médias) adquirir o produto a preços mais próximos do internacional colocado aqui no Brasil depois dos impostos. Mas, por que isso é uma novidade?
Porque há muitos anos os preços de aço nos distribuidores são balizados pelo “risco de o cliente importar”, ou “fator de risco”. E isto se manteve porque o risco comercial da empresa consumidora de importar diretamente sempre foi muito elevado, inclusive, porque os volumes individuais são relativamente modestos. Agora, o produtor no exterior é que está correndo o risco de trazer o produto até o nosso país e aí colocá-lo à venda.
A prática de considerar o fator de risco para definir os níveis de preços no mercado doméstico já existe há algumas décadas e esse risco tem sido gerenciado cuidadosamente pelos produtores locais. Uma análise detalhada utilizando a base de dados Platts, considerando alguns exemplos de produtos como bobinas laminadas a quente (HRC), mostra que os preços dos aços brasileiros são minuciosamente calculados a partir do preço CIF (cost, insurance and freight). Olhando as referências de preços da última década, foram muitos os períodos em que os preços domésticos ficaram acima de 20% mais elevados que o importado desembaraçado.
Ou seja, quanto mais protegemos a importação do aço, mais os produtores ampliam a margem e os consumidores pagam mais caro, deixando de ser competitivos, perdendo vendas ou até encerrando suas operações.
Mas no mesmo momento em que se discutem pressões para aumentos de alíquota de importação, associadas a ameaças de demissões no setor, surge uma questão essencial: porque o consumo brasileiro de aço não cresce há mais de 10 anos?
Conforme dados do Instituto AçoBrasil, em 1994 a produção nacional foi de 25,4 milhões de toneladas. No mesmo ano, a China produziu 77,5 milhões de toneladas, segundo dados da publicação CRU. De lá para cá, a produção anual chinesa ultrapassou a marca de 1 bilhão de toneladas em 2020 (World Steel Association), respondendo por pouco mais de 50% da produção mundial. Enquanto isso, a produção brasileira cresceu até 2008, ficando estagnada em 35 milhões de toneladas desde então.
De fato, a maior razão para o baixo crescimento da produção é a ausência de expansão do mercado manufatureiro metalmecânico brasileiro, ou uma intensa desindustrialização no setor por falta de competitividade. De acordo ainda com o Instituto AçoBrasil, a demanda brasileira por aço caiu a uma média de 1,2% ao ano desde 2010. Estamos sufocando os clientes do aço com a visão imediatista de maximização de margens no setor.
Se hoje o momento é de se discutir uma neo-industrialização brasileira, é importante analisar essas duas trajetórias tão distintas e suas estratégias. O mundo da manufatura metalmecânica é tipicamente composto de longas cadeias de produção, onde a margem depende do valor que se agrega às matérias primas nos componentes, subconjuntos, sistemas e produtos finais. Ao longo dessas cadeias há sempre a opção de compra dos componentes em mercado interno ou importação.
O que se observa é que as indústrias estão sempre preocupadas com a ameaça de importação e para vencer precisam otimizar seus processos, aumentar produtividade e trabalhar com as melhores e mais competitivas matérias primas do mercado. Há setores, como o de autopeças, onde o custo das matérias primas chega hoje a 70% do valor do preço de venda do produto acabado no Brasil.
Um importante setor usuário do aço no Brasil, o metal mecânico, é composto de mais de 140 mil empresas e emprega milhões de trabalhadores. Tipicamente opera em regime de competição com produtos ou componentes importados sem ou com poucas proteções.
O que temos observado é um encolhimento desse relevante complexo industrial por falta de competitividade. Muitas empresas internacionais, que se utilizavam de processos produtivos e tecnologias de primeira linha, deixaram de ser competitivas no Brasil pela falta de um elemento básico: materiais básicos competitivos. Hoje, nesse segmento, o aço continua a entrar no país, mas na forma de equipamentos acabados, roubando nossas oportunidades de criar negócios, valor e empregos.
Mas o Brasil tem feito a opção de proteger os produtores de aço em detrimento da competitividade da gigante cadeia que o consome. Estamos cientes de que esta não é a única causa da nossa perda de competitividade, mas certamente é a mais relevante no setor. Na China a opção foi inversa, uma vez que aço já não é mais estratégico, mas sim o valor e a tecnologia que se agregam a ele os são. A China estimulou matérias primas competitivas para suas indústrias e os resultados foram impressionantes.
O quadro aqui é grave e preocupante. O setor siderúrgico é composto por poucas empresas com forte capacidade de pressão. Seria correto ceder a tais pressões e continuar a comprometer um parque industrial imensamente maior e que necessita manter competitividade mundial?
Hoje no Brasil as margens são reduzidas ao longo da cadeia de valor. Com materiais básicos protegidos, temos uma inversão: quanto mais valor se agrega, menos margem temos. Como estimular um setor a um peso negativo na partida?
O nosso minério é mais barato e não temos os mesmos custos logísticos dos chineses, que compram minério do Brasil. Por que precisamos ter o aço tão mais caro que nossos competidores no mundo? Hoje a sobremargem na origem da cadeia de valor metalmecânica está sendo desafiada. O Brasil só terá uma neoindustrialização se suas indústrias mantiverem acesso às suas matérias primas a custos competitivos internacionalmente e para isso será necessário importar. Se continuarmos a seguir o caminho atual, nossa siderurgia continuará andando para trás e o que irá sobrar é a exportação de minério, coisa que algumas aciarias já fazem.
José Roberto Mendonça de Barros é sócio da MB Associados.
João Fernando Gomes de Oliveira é presidente do Conselho da Embrapii.
Fonte: Valor Econômico

