Por Matheus Prado e Victor Rezende — De São Paulo
18/12/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
O cenário de desinflação e de desaceleração da atividade econômica ao redor do globo abre uma janela positiva para os ativos de risco no geral, mas, nesse contexto, o valor esperado dos juros é melhor que o de outros ativos, especialmente nos países que mantêm uma política monetária ultrarrestritiva. E esse contexto se aplica ao Brasil, avalia o sócio e diretor de investimentos (CIO) da Legacy Capital, Felipe Guerra, em entrevista ao Valor. “O juro já deveria estar bem menor; já poderia estar abaixo de 10% e, ainda assim, teria espaço para o Banco Central seguir cortando.”
A renda fixa passou a ser a principal aposta da Legacy. Ao olhar o cenário global, o executivo observa que, em um contexto de “soft landing”, no qual a economia desacelera mas não sofre grandes abalos, os bancos centrais vão acomodar os juros reais, que estão em níveis muito elevados, o que torna posições aplicadas em juros (que apostam na queda das taxas) atrativas. “Mas continuamos a ver risco de uma desaceleração mais rápida”, o que também deixa as posições em juros bem posicionadas.
A mudança na postura do Federal Reserve (Fed) na semana passada, com um tom mais “dovish” (suave) que o observado anteriormente, fortificou as apostas da Legacy em queda dos juros à frente. “Se for um cenário de inflação a 2,2%, 2,3% nos Estados Unidos, tem espaço para o Fed cortar os juros em 1,5 a 2 pontos; a curva ainda está precificando 1,3 ponto de corte. Ainda existe espaço para a curva americana andar. E, trazendo esse ambiente para o Brasil, vemos um cenário mais benigno.”
Guerra observa que a postura monetária no Brasil ainda é bastante restritiva, ao notar que o juro real ex-post roda em torno de 7%. “Temos uma dinâmica de inflação muito benigna, ao olharmos núcleos; difusão; preços de bens, que devem ter deflação em 2024… Nossa projeção para o IPCA no ano que vem é de 3,20%, com viés de baixa. A não ser que haja uma barbeiragem muito grande, é mais provável que a inflação fique abaixo de 3% do que acima de 4% em 2024 e isso vai fazer com que a Selic ‘terminal’ seja mais baixa do que as pessoas estão imaginando”, diz o gestor.
“Falam que o juro não pode cair abaixo de 10%, de 9,5%… Nós achamos que vai ficar abaixo de 8%, ainda mais com os outros bancos centrais cortando os juros também. Se o nosso BC reduzir [a Selic] em 0,5 ponto em todas as reuniões do ano que vem, encerra o ano com taxa de 7,75%. Vemos espaço para se discutir uma aceleração quando ficar clara a dinâmica de desinflação. Temos a visão de que o BC poderia estar num ‘pace’ [ritmo] maior porque a dinâmica tem sido benigna”, afirma Guerra.
O tom mais cauteloso adotado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC na semana passada não frustrou o cenário defendido pela Legacy. Na visão de Guerra, a autoridade monetária tem demorado a reconhecer dois fatores: a melhora da inflação corrente e a deflação de bens que pode ser exportada pela China; e a mudança do mercado internacional, que não foi reconhecida pelo Copom. “Entendemos que o BC trabalha com mais cautela, ainda mais num ambiente de mudança na diretoria, mas, no final, o fundamento sempre prevalece. O BC pode acelerar o ritmo de corte dentro do prazo de duas reuniões, até porque o próprio BC diz que o ‘guidance’ [prescrição futura] é condicional ao cenário, que está mudando muito.”
Ao elencar as prioridades de investimento por classes de ativos no momento, Guerra diz trabalhar com um ranking em que os juros nominais estão em primeiro lugar, seguidos dos juros reais das NTN-Bs. “Depois, ficamos na dúvida se é melhor apostar na moeda ou nas bolsas. Talvez moeda seja melhor neste momento dos juros lá fora com dólar e euro mais fracos e não tem muita opção de alocação em países com juros altos e conta corrente equilibrada. E, por último, commodities, porque estamos diante de uma desaceleração”, afirma.
Nesse sentido, Guerra diz elencar os mercados e colocar mais riscos onde há uma probabilidade maior de retorno, o que, neste momento, está nos mercados de juros. Com cerca de R$ 27 bilhões em ativos sob gestão, a Legacy, inclusive, reabriu neste mês seu fundo multimercado, que estava fechado. O fundo entregou 83,7% de rentabilidade desde seu início, em julho de 2018, até o encerramento do mês de novembro. No acumulado deste ano, a rentabilidade do fundo é de 5,72%.
Além da exposição relevante a juros nominais e reais no Brasil, a Legacy tem uma pequena exposição à bolsa e prefere ações de algumas empresas “de qualidade, com resultados recorrentes e que entregam mesmo em momentos de crise”, com proteção em papéis de outros setores vistos como mais vulneráveis e que estão mais caros. “Vamos carregando esse portfólio liquidamente comprado com perspectiva de que os juros vão convergir para o neutro e que isso vai impulsionar a alocação em ativos de risco.”
Ao elencar os fatores que ameaçariam o cenário construtivo defendido pela Legacy, o executivo cita a possibilidade de um repique inflacionário no mundo, mas acredita que isso tem baixa probabilidade de ocorrer. “Vemos um risco maior na outra ponta, que seria uma desaceleração global mais forte por causa do ‘lag’ [defasagem] da política monetária, que bateria nas economias e poderia gerar uma desaceleração maior, queda importante dos preços das commodities, queda da confiança, das bolsas e uma correção dos ativos.”
Quanto aos riscos domésticos, Guerra aponta para a condução da política fiscal. “O governo quer fazer todo o ajuste fiscal pelo lado da arrecadação e isso onera demais o setor privado em benefício do setor público; gera diminuição da produtividade e um PIB potencial menor. Lá na frente, o crescimento será mais baixo e a inflação, mais alta.”
Fonte: Valor Econômico

