Por Fernanda Guimarães — De São Paulo
05/04/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
Se os juros altos no mundo inteiro têm provocado uma onda de aversão ao risco, situação piorada por uma avalanche de más notícias vindas do mercado financeiro nos Estados Unidos e Europa, um nicho de investimento ainda pequeno no Brasil tem se mantido firme, suportado pela boa equação entre risco e retorno. São os “search funds”, uma ideia que tem como berço a Universidade Stanford, nos EUA.
Rebatizado de “empreendedorismo por aquisição” no Brasil, esse modelo é baseado em jovens que “caçam” boas empresas no mercado para a compra, apoiados por investidores, que por sua vez estão de olho nos bons retornos.
Um estudo inédito sobre essa indústria, realizado pelo Centro de Empreendedores e Novos Negócios da FGV, em parceria com a IE University e a auditoria Grant Thornton, mostra que nos últimos anos a modalidade na América Latina cresceu entre 15% e 20% ao ano e deverá dar um salto de mais 56% até 2026. “Acredito que, dado o atual cenário, veremos investidores de mais risco migrando para esse produto”, afirma o professor da FGV Newton Campos, entusiasta dos search funds na região.
Dos 211 search funds estabelecidos fora dos Estados Unidos, 82 estão na América Latina, sendo 24 deles no Brasil. Segundo Campos, o crescimento desses fundos já começou a atrair novos participantes para atuar nesse mercado.
Isso porque, de fato, trata-se de um investimento de menor risco que o de outras modalidades, e com um retorno que historicamente tem se mantido acima de 30% por ano. Diferentemente de um private equity, perfil de fundo que compra participação em empresa, os search funds trabalham com um único ativo e adquirem a totalidade dessa companhia. O olhar é voltado a em médias empresas, na maioria das vezes fora do radar de grandes fundos.
O menor risco embutido está ancorado no fato de que o alvo é necessariamente uma companhia já estabelecida no mercado, com receitas recorrentes, e lucrativa. Assim, passa longe da lógica de “queima de caixa” para crescimento de muitas startups, que perdeu espaço no atual momento de aperto monetário.
Formado em administração de empresas, Thiago de Assis, um dos pioneiros desse mercado no Brasil, ouviu falar sobre os search funds em 2015, quando estava fazendo MBA nos Estados Unidos. Em 2017 abriu o fundo, atraiu investidores e procurou por dois anos a empresa ideal. Nesse tempo, 400 companhias foram analisadas, até chegar à Stock Soluções de Tecnologia, já em 2019, uma empresa que foi avaliada em R$ 74 milhões.
“Os donos queriam vender. Havia vários sócios com visões distintas sobre o negócio. Por isso iniciaram um processo de sucessão”, afirma Assis.
Essa é outra característica de empresas que se tornam alvo dos “searchers”. São companhias que não estão precisando de capital, mas muitas vezes estão à venda por casos de sucessão.
Quando Assis chegou à Stock, 80% do negócio estava voltado a serviços ligados a documentos de impressão. Decidiu então abrir uma nova frente de atuação e promoveu uma maior digitalização. Dessa forma, equilibrou a origem das receitas de 50% para impressão e o restante para os demais produtos. O faturamento, que era de R$ 60 milhões, está programado para chegar a R$ 94 milhões neste ano.
Os investimentos em search funds são feitos em duas fases. Na primeira delas, os investidores financiam o processo de busca do “searcher”, um cheque que gira em torno de R$ 2 milhões para uma aquisição a ser feita em até dois anos. Esse dinheiro é usado tanto para a remuneração dos empreendedores por aquisição, quanto para bancar advogados e as esperadas diligências. Depois de selecionado o alvo, uma nova rodada é feita para a compra da empresa em si, um cheque que vai, na média, de R$ 25 milhões a R$ 100 milhões, segundo dados da indústria.
“Essas empresas que são alvo dos search funds têm uma receita recorrente, não precificadas a preços atrativos e não são profissionalizadas”, afirma Assis.
Isso significa, na prática, que quando o novo dono assume a companhia, com dinheiro para conseguir fazer uma injeção de capital, se busca de cara uma agenda de profissionalização e melhora de partida os sistemas do negócio, destravando, na largada, valor para a empresa.
Para alguns dos conhecedores dos search funds no Brasil, o histórico de dois empreendedores por aquisição, João Lima e Rene Almeida, é uma das razões que explicam o aumento da procura por essa modalidade de investimento. Depois de adquirirem a Agasus, empresa de locação e revenda de computadores, em maio de 2019, a companhia manteve forte crescimento, que chamou atenção do mercado.
Não é à toa. O faturamento saiu de R$ 46 milhões em 2019 para R$ 422 milhões no ano passado, trajetória impulsionada por uma agenda de crescimento via aquisições, que ajudou a ampliar o portfólio de produtos e serviços. “Quando estávamos na fase de busca, vimos que esse mercado era fragmentado. E exploramos essa estratégia”, afirma Lima, que divide a presidência da empresa com Almeida. Com as aquisições efetuadas e com a empresa já em uma nova fase, eles decidiram mexer na marcar e a Agasus foi rebatizada de Voke.
O foco, contudo, segue no crescimento orgânico, afirma Almeida. “Mas estamos sempre olhando potenciais aquisições”, diz. Recentemente, a empresa inaugurou seu acesso no mercado de capitais, via a emissão de dívidas (debêntures). “A gente tem um mercado endereçável interessante, uso de recursos expandir mais nossa operação”, afirma Lima.
De acordo com ele, o aumento do interesse pelos search funds tem sido notada por eles, com mais consultas. “Essa indústria no Brasil ainda tem muito espaço para crescer. Temos um ecossistema bem próximo, conhecemos todo mundo, e sempre estamos disponíveis para conversar um pouco”, diz.
A gestora Spectra, que tem em seu portfólio a Voke, foi uma das primeiras a fazer investimentos nessa indústria no Brasil. Se há um pouco mais de um ano eram quase 20 empresas investidas, esse número já chegou em 36, a maioria no Brasil, e o fundo está preparado para novos investimentos, diz o sócio da Spectra Rafael Bassani. “Temos observado mais interesse nesse mercado. Houve há alguns anos uma grande busca por ativos de alto crescimento e queima de caixa, mas essa farra acabou, Agora já vemos fundos VCs [de venture capital] começando a buscar empresas mais rentáveis e não um crescimento a qualquer custo”, afirma.
Outro exemplo vem da dupla Luís Dearo e Luis Oliano, que se conheceram na sala de aula da IESE, escola de negócios na Espanha e um dos principais fomentadores dos search funds no mundo. Depois da formatura, em 2018, decidiram abrir um fundo, captando em outubro de 2020 US$ 720 mil de investidores para saírem em busca de uma empresa para aquisição, o que aconteceu apenas oito meses depois.
A escolhida, depois de analisarem nada menos do que mil companhias, foi a APS, de soluções de tecnologia elétrica e industrial. “Nossa abordagem foi de investir para colher os frutos de longo prazo. A empresa também era de governança familiar e havia muita coisa a ser ajustada, trazer governança, auditoria, transformar a empresa em S.A.”, afirma Dearo.
Fonte: Valor Econômico
