O ciclo de 2022 a 2024 pode entrar para a história como o da grande virada para a indústria de gestão de recursos no Brasil. Mudanças regulatórias, variações rápidas de tendências, o avanço da tecnologia e a concorrência imposta pela oferta gigante de títulos de crédito isentos para a pessoa física desafiaram modelos de negócios muito nichados, a exemplo de casas de ações ou de multimercados, a versão brasileira dos “hedge funds”.
Com a Selic em 12,25% ao ano e um processo de alta de juros em curso, o cenário à frente vai ainda testar a capacidade dos gestores de manter a atratividade de seus fundos e sobreviver num mercado em transformação e que enfrentou saques bilionários. No ano passado, os multimercados registraram resgates líquidos de R$ 356,7 bilhões, depois de perderem R$ 180,9 bilhões em 2023 e R$ 86,2 bilhões em 2022. As carteiras de ações tiveram saídas líquidas de R$ 10 bilhões.
Nos últimos três anos, pelo menos 70 assets deixaram de existir ou foram incorporadas, segundo mapeamento de Adilson Ferrarezi, chefe de soluções de investimentos da Bradesco Asset Management, que cuida dos fundos de fundos, veículos que compram cotas de terceiros.
O executivo cita que, de um universo de mais de mil gestoras no mercado brasileiro, uma centena delas roda com patrimônio abaixo de R$ 1 bilhão, um tamanho crítico para reter talentos e entregar retornos consistentes. “É um desafio enorme, mas também uma oportunidade de consolidação para a criação de novas verticais de investimentos [por gestoras consolidadoras]”, diz.
Até assets tradicionais têm buscado o caminho da diversificação das suas linhas de atuação. A Verde, de Luis Stuhlberger, que já tinha trazido como sócio Daniel Goldberg, da Lumina, para avançar no crédito privado, recentemente anunciou a incursão na área de fundos imobiliários e do agronegócio com uma nova gestora. A SPX Capital, de Rogério Xavier, se associou ao time do Carlyle no Brasil para estrear em private equity e trouxe reforços recentes para a equipe macro, a fim de ganhar mais pluralidade e capturar retornos de diferentes estratégias e geografias.
Ou é nicho com algum diferencial competitivo ou se tem escala para sobreviver aos ciclos, não há mais o meio do caminho”
Da nova geração de assets que nasceu no ciclo de juros em queda, entre 2016 e 2021, os lances recentes incluíram o encerramento da BlueLine, uma das investidas do fundo Rising Star, do Itaú, e a incorporação da Clave Capital pelo BTG Pactual, que era sócio minoritário da operação – o sócio-fundador Rubens Henriques, ex-CEO da Itaú Asset, vai comandar a gestora do BTG.
Antes, no fim de 2023, a Absolute, outra investida do BTG, anunciou a aquisição da Dhama Capital, especializada em crédito. A Reag tem aproveitado a temporada para enfileirar uma série de aquisições no setor, a exemplo de Quasar e Empírica.
O fato é que os últimos dois, três anos não favoreceram a gestão ativa, afirma Ferrarezi. Se antes essa era uma atividade relativamente simples, com mais assimetrias em estratégias de juros, câmbio e bolsa no Brasil para capturar retornos, hoje, com o uso da tecnologia, o mercado se tornou mais eficiente e interconectado com a cena internacional, sendo mais difícil se sobressair, pondera o executivo.
“Vai haver ciclos negativos de risco de mercado, de crédito, e as gestoras precisam estar preparadas como ‘business’ para adicionar fontes de alfa [o retorno acima de referenciais como o CDI ou o Ibovespa] para, ao longo do tempo, conseguirem mais estabilidade para o patrimônio”, continua Ferrarezi. “Hoje, ou é [atuação em] nicho com algum diferencial competitivo importante, ou se tem escala para sobreviver aos ciclos, não existe mais o meio do caminho.”
O executivo compara a atual fase do mercado brasileiro ao que se observou no setor de gestão de recursos de terceiros nos Estados Unidos, dez a 15 anos atrás. Mudanças na regulação, o avanço de novas tecnologias, com o uso de operações de alta frequência e estratégias quantitativas, além do florescimento dos fundos de índice (ETF) listados em bolsa, colocaram em xeque a gestão ativa. Aqui, o fator competição veio pelo universo dos títulos isentos, com um grande deslocamento de capital para esses papéis. Em tempos de juros altos, esses ativos têm o retorno potencializado.
“Cobrar 2 com 20 [em taxas de administração e de performance, respectivamente, em termos percentuais] e ultrapassar o CDI hoje é muito mais complexo. O desafio é ter rentabilidade consistente em meio a variáveis [macroeconômicas] mais conectadas [globalmente], enfrentar competidores que atuam com isentos, além dos ciclos mais curtos de política monetária”, prossegue Ferrarezi.
Mais do que o retorno, diz, a gestão de risco ganhou relevância para que o desempenho seja consistente e os chamados “drawdowns” – a maior desvalorização a partir de um determinado pico das cotas – sejam atenuados. “As variáveis vão sempre mudar, as regras podem mudar, mas ‘keep on track’ [continue no caminho]. Para se manter no jogo a gestora precisa ter um processo estabelecido que passa por tecnologia, governança, além de ter as pessoas certas e os incentivos corretos”, diz Ferrarezi.
Se até 2022, no ambiente de juros ultrabaixos, três amigos e um terminal financeiro pareciam suficientes para se criar uma gestora de recursos independente, com um êxodo de profissionais de bancos, 2023 e 2024 mostraram que a barra tem que ser mais alta, diz Guilherme Zaczac, responsável por produtos líquidos para o Brasil no UBS Global Wealth Management.
“Até o pós-pandemia havia muito capital para trabalhar, mas a realidade é que não deu muito certo. Fazemos até um ‘mea culpa’ por ter acelerado um processo que deveria ser mais gradual”, afirma Zaczac. No programa Ceres, concebido no antigo Credit Suisse (adquirido pelo UBS em 2023), o grupo fomentou gestoras com potencial de crescimento com dinheiro de investidores da sua base.
Os aportes foram feitos via fundos exclusivos com debêntures conversíveis em ações. Num prazo de dois anos, se a conversão não se realiza, o investidor recebe de volta o capital com a rentabilidade do fundo condominial da casa investida. “Não quero que o sucesso de um seja ‘poluído’ pelo fracasso de outro, e isso faz o meu cliente entender no que está investindo, consigo mostrar o que funcionou e o que não funcionou e também dosar o dinheiro que vai para as gestoras”, continua Zaczac. É um desenho que evita a perda permanente de capital, acrescenta.
Entre 2021 e 2022, o Credit Suisse entrou em quatro projetos: Norte Asset, Helius Capital e Aster, no universo dos fundos líquidos de ações, e na Central Capital, de alternativas ilíquidas. A Helius não prosperou e acabou sendo adquirida pelo Patria.
“Quando tomamos a decisão de usar o programa, a gente leva em conta o time da gestora analisada e não só o produto, mas o plano de negócios em si”, diz Victor Schmutzler, responsável por produtos alternativos para o Brasil no UBS Global Wealth Management. Condições de mercado menos favoráveis, os juros em dois dígitos e incertezas na pauta econômica impõem um período mais adverso para grandes captações e, consequentemente, para a viabilidade e execução de alguns projetos, continua.
“O programa de investimento [em assets] tem um componente de private equity e, como o grau de previsibilidade hoje está muito aquém do que nos deixaria confortável, o ideal é esperar o mercado desanuviar para entender se os planos de negócios, novos times e a oportunidade de reunir talentos fazem algum sentido. Vai ser a hora de pesar qual a probabilidade de atribuição de sucesso que dê conforto estratégico para participar do equity”, diz Schmutzler.
Fonte: Valor Econômico

