Por Adriana Cotias — De São Paulo
11/05/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
O fluxo negativo dos fundos de crédito privado afetou o ritmo de ofertas de papéis corporativos. Entre janeiro e abril, a originação de operações de renda fixa totalizou R$ 68,5 bilhões, segundo a Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos. Com 90 operações, as emissões de debêntures alcançaram R$ 43,0 bilhões, uma queda de 41,3% em relação aos R$ 73,4 bilhões do mesmo período no ano passado.
Com mais de R$ 100 bilhões em dívidas a vencer em 2023, segundo estimativas do BTG Pactual num relatório recente, as companhias terão que se refinanciar a custos mais elevados, já que no secundário os spreads atingiram níveis observados apenas durante os primeiros meses da covid-19, no início de 2020.
“Vai ser menos tranquilo do que nos últimos anos. O mercado vinha sendo amigável com as rolagens, permitindo prazos mais longos, para até sete anos, algo que não se pensava algum tempo atrás”, diz Ana Luisa Rodela, chefe de gestão de crédito da Bradesco Asset Management. “Quem precisar rolar nesse ambiente mais difícil, vai, eventualmente, usar um pouco mais de caixa para amortizar dívida, mas existem muitos fundos com espaço para alocar em crédito”, diz. “O mercado é geralmente carente de ativos, tem mais demanda do que crédito de fato.”
A executiva acrescenta que, não necessariamente vai ser uma demanda comandada apenas pelos fundos de crédito privado, tem fundo de renda fixa que aloca parcela pequena em dívida e os multimercados também. “De qualquer forma, a rolagem fica mais desafiadora, certamente com outro nível de taxa.”
Rodela imagina um primeiro semestre mais fraco de emissões, com a atividade ganhando ritmo a partir da segunda metade do ano. O que tem ocorrido, diz, são operações em que os bancos absorvem um pedaço das ofertas e as assets ficam com a outra parcela. Ela cita uma emissão recente de debêntures incentivadas da Equatorial Goiás, que teve R$ 1,7 bilhão de demanda, e “surpreendeu todo mundo”.
Laurence Mello, gestor da AZQuest, diz não ver com preocupação os vencimentos de dívida mobiliária corporativa neste ano porque as empresas já tinham se antecipado em 2021 e 2022, por antever um cenário potencialmente adverso no período pré e pós-eleitoral. “No segmento que é o filé mignon das companhias brasileiras, esse cara já tinha dívida de longo prazo, aproveitou para melhorar o passivo, mas chega uma hora que tem um esgotamento natural, já fez o que tinha que fazer”, pondera.
No mercado secundário, Mello observa que já aparecem mais compradores do que vendedores, mas com alguma queda de braço ainda. “Muitos ativos já passaram pelo pico e voltaram, principalmente os [nomes] mais nobres e líquidos.”
A primeira leva de ofertas pós- Americanas e Light veio com menos prazo e mais prêmio. Agora, Marcelo Peixoto, sócio da Trígono Capital, espera um segundo momento com mais emissões, algum alongamento no universo do CDI, mas com a oferta ainda voltada para o público institucional. “O prêmio existe, mas claro, tudo se acomodou num patamar de preço mais alto”, afirma. “Só que enquanto a indústria [de fundos] tem resgate, tem menos dinheiro a ser trabalhado e os gestores vão privilegiar um nível maior de caixa porque não sabem quando a onda termina.”
No secundário, um estudo do BTG apontava que, antes de Americanas, 5,2% dos ativos negociados tinham spread acima de 3%, fatia que subiu a 21,5% após o episódio, considerando-se o CDI e as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) como referência para o caso de papéis isentos.
“Tem muita debênture sendo negociada a CDI mais 3% e de empresas que são solventes, não estão para quebrar”, diz Otávio Vieira, sócio e gestor da Nest. “Quando se vê uma Hapvida, Natura, MRV ou Dasa a CDI mais 3%, 4%, 4,5% é porque qualquer fumacinha já seca o comprador.”
Se no ano passado os saques nos fundos vinham se concentrando nos multimercados e carteiras de ações, reflexo da escalada da Selic, em 2023 foram os portfólios de crédito que foram “solapados pelo desempenho ruim de sucessivos eventos”, que engatilharam a atualização dos ativos a preços mais baixos – e taxas mais altas, diz Vieira.
Mello, da AZ Quest, diz que o episódio Americanas desencadeou ainda uma onda “oportunista” de pedidos de recuperação judicial, mas de casos já problemáticos e conhecidos pelo mercado, não há uma crise sistêmica em curso, a seu ver.
Fonte: Valor Econômico

