Por Anaïs Fernandes e Marta Watanabe — De São Paulo
30/05/2023 02h59 Atualizado há 5 horas
A combinação de safras recordes, impulsionando a agropecuária, a resiliência do emprego e as transferências governamentais adicionais, sustentando o consumo, deve levar a um crescimento robusto do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no primeiro trimestre. Economistas alertam, no entanto, que o resultado pode criar uma falsa ilusão a respeito do ritmo da atividade ao longo de 2023.
A alta prevista para o PIB no primeiro trimestre deste ano, ante o quarto trimestre de 2022, deve ser de 1,3%, de acordo com a mediana das projeções de 72 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor. Nos três últimos meses do ano passado, o PIB recuou 0,2%, na mesma base de comparação.
Apenas uma casa ainda espera queda do PIB no primeiro trimestre, de 0,1%, enquanto a projeção máxima chega a 2,2%. Em relação ao primeiro trimestre de 2022, a expectativa mediana para o PIB de janeiro a março deste ano é de crescimento de 3%. Nesse caso, as projeções vão de 0,9% a 4,3%. Para 2023, a previsão mediana é de um crescimento de 1,4%.
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Os dados oficiais do PIB serão divulgados na quinta-feira, 1º de junho, às 9h, pelo IBGE.
Pelo lado da oferta, quem deve puxar o crescimento no primeiro trimestre é a agropecuária, com expectativa mediana de alta de 10,3%, ante o quarto trimestre de 2022, e de 12,3%, em relação ao primeiro trimestre do ano passado. Com isso, o segmento pode fechar o ano com ganho de 8,1%.
Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe G5 Partners, espera crescimento de 1,4% para o PIB do primeiro trimestre deste ano, com ajuste sazonal, sendo 0,9 ponto percentual diretamente do agro. Há ainda impactos indiretos. Na pesquisa do IBGE para serviços, por exemplo, há crescimento forte de armazenamento e transporte rodoviário, ligados à agropecuária, observa Leal.
“Teremos um ‘PIBão’ [no primeiro trimestre]”, diz. “É um número bom, que anualizado dá 5,7% e garante, pela ‘herança estatística’, um PIB de 1,6% no ano”, afirma. Ele espera, no entanto, alta de 1,5% em 2023, porque vê queda da atividade nos dois trimestres seguintes.
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Também do lado da oferta, a mediana das estimativas colhidas indica avanço de 0,3% dos serviços no PIB, que incluem o comércio. “Espero alta de 0,3%. Mas, disso, praticamente tudo vem também de agro. Então, quando olhamos para a projeção do agregado do primeiro trimestre parece um ‘PIBão’, mas a sensação geral dos empresários é de ‘PIBinho’, porque é um crescimento muito concentrado no setor agropecuário e nas atividades derivadas dele”, afirma Leal.
Como a expectativa é de atividade “andando de lado” no decorrer do ano, ainda que com possibilidade de alguma surpresa concentrada também em agro no terceiro trimestre, com o milho, as projeções de PIB para 2023 repetem o dinamismo esperado para os resultados de janeiro a março, destaca Leal. “Digamos que a sensação econômica é muito mais de um PIB de 0,5% que do 1,5% de alta no ano que esperamos.”
Pelo lado da demanda, o destaque no primeiro trimestre deve ser o consumo das famílias, que, pela mediana, avançaria 0,7% de janeiro a março, na comparação com os três meses imediatamente anteriores.
“Até recentemente, havia a expectativa consolidada de que o primeiro trimestre mostraria crescimento do PIB relativamente forte, basicamente, motivado pela agropecuária, por causa da safra forte. O que a gente, provavelmente, vai descobrir quando os dados forem divulgados é que o agro conta apenas uma parte da história dessa força”, diz José Pena, economista-chefe da Porto Asset Management.
Segundo ele, há “um quadro de atividade do consumo bem sustentado”, o que já aparecia nos dados proprietários da Porto, especialmente de cartões e financiamentos, e foi sendo confirmado conforme as pesquisas setoriais do IBGE foram divulgadas. “O primeiro trimestre deve mostrar um vigor que ultrapassa o universo agro”, afirma.
Já para a indústria, na mediana das estimativas, a expectativa ainda é de algum recuo da produção no primeiro trimestre, de 0,3% ante o fim de 2022.
“Parece um ‘PIBão’, mas sensação geral dos empresários é de ‘PIBinho’” — Luis Otávio Leal
“O dinamismo da atividade está nos serviços, isso vale para o mundo e para o Brasil. Mas a indústria saiu de 2022 e entrou em 2023 em desaceleração e imaginava-se que isso seria acentuado no começo deste ano. O que estamos vendo, no entanto, está longe de confirmar as expectativas mais pessimistas”, diz Pena.
Ocorreu no primeiro trimestre, segundo ele, uma combinação de população ocupada e rendimento médio real crescendo. “O mercado de trabalho está marginalmente pior, mas é marginal mesmo. A taxa de desemprego continua ao redor de 8%, o que é baixo para os padrões dos últimos anos”, afirma.
Além disso, observa, a inflação corrente, do consumo, desacelerou, enquanto salários foram indexados à inflação passada mais elevada. Pena cita ainda o crédito, que está desacelerando para pessoa física, mas não mais do que era de se esperar para a atual fase do ciclo monetário.
“Tem renda disponível crescendo”, resume Pena. Isso tem sustentado o consumo e, sobretudo, a demanda por serviços, observa o economista.
Outro componente da demanda no PIB, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida para os investimentos, no entanto, deve recuar 1,5% no primeiro trimestre deste ano, ante o último trimestre de 2022, pela mediana.
“Aqui o quadro é um pouco mais complexo, porque as decisões de investimento, de forma simplificada, são impactadas pelo custo de capital, que está alto no mundo inteiro, e pelo grau de confiança [dos empresários]. No limite, pode ter uma taxa de juros e um custo de capital baixos, mas, se há muita incerteza em relação ao futuro, provavelmente, a postura será mais cautelosa”, afirma Pena.
“Dificuldade talvez seja estimar o ‘timing’ dos ventos contrários” — Marco Caruso
A taxa de juros elevada no país é um dos motivos que fazem o Modal estar um pouco mais cauteloso com o PIB do primeiro trimestre e o do ano fechado, para os quais projeta altas de 0,9% e 1%, respectivamente.
“A economia está reagindo a dois grandes fatores: à contração monetária, que tende a ser detratora de atividade, e, de outro lado, à expansão fiscal implementada pelo governo, com medidas como o aumento das transferências de renda ou, recentemente, a redução de impostos para o setor automotivo”, afirma o economista do Modal Rafael Rondinelli.
A cautela na projeção para o primeiro trimestre se justificaria porque “a economia já deveria ter reagido mais ao nível de contração monetária”, diz Rondinelli. Ele reconhece, no entanto, que as surpresas têm sido no sentido contrário, o que coloca um viés altista para a projeção anual de PIB do Modal.
Ainda entre os que esperam crescimento abaixo da mediana, Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original, diz acreditar que efeitos mais claros da política monetária mais restritiva combinados a reflexos da desaceleração global devem afetar a atividade no decorrer de 2023.
Além disso, aponta, apesar de a massa real de salários estar indo bem, há sinais de que o nível de ociosidade no mercado está bastante baixo, limitando impulsos extras.
Outra dúvida, diz Caruso, é em relação à inflação. O mercado tem revisado as estimativas de inflação para baixo, mas o movimento ainda está muito concentrado em preços mais voláteis, como petróleo, combustíveis e alimentos em geral. “O front inflacionário é uma dúvida e sabemos da relação negativa que ela traz para a atividade.” Isso, diz, explica uma projeção de 1,1% de alta do PIB para o primeiro trimestre de 2023 com queda de 0,7% nos três meses seguintes.
Caruso diz, porém, que os dados mais atualizados acompanhados pelo banco até agora mostram números ainda positivos para o segundo trimestre, embora as informações ainda não estejam completas e revelem perda de fôlego da atividade. “Talvez a dificuldade seja estimar o ‘timing’ dessas coisas, mas são ventos contrários que vão ganhar força e vão aparecer de forma mais clara no PIB ao longo do tempo.”
Apesar de não descartar a possibilidade de ter o segundo e o terceiro trimestres com queda consecutiva de PIB, Caruso diz que não haverá recessão mais ampla enquanto o mercado de trabalho estiver em patamar de pleno emprego. “Devemos ter no ano um PIB que vai crescer abaixo do que cresceu no ano passado e abaixo do crescimento do PIB potencial, que é estimado em geral entre 1,5% a 2%”, afirma.
O banco, diz Caruso, espera crescimento de 0,9% do PIB em 2023. “Se eventualmente o PIB deste ano tiver alta de 1,5% ou 2%, como apontam os mais otimistas, será muito difícil 2024 ser mais forte”, observa. Dentro da expansão que espera neste ano, explica, 0,5 ponto percentual vem do agronegócio, o que segue a linha das projeções que concentram boa parte do crescimento esperado para o ano no primeiro trimestre.
Pela ótica da contribuição do setor externo ao PIB no primeiro trimestre, a agropecuária ajuda as exportações, mas o desempenho mais fraco da indústria não contribui para as importações, nota Leal. Ele espera alta de 1,5% das exportações no primeiro trimestre, ante os três últimos meses de 2022, e queda de 7% nas importações. “As importações enfraquecidas dão mais uma cara de que a economia como um todo não está tão pujante”, diz.
A mediana das projeções indica, no entanto, ligeira queda de 0,2% das exportações e contração de 6,2% das importações. “Com a supersafra, pode haver algum problema para escoar a produção na velocidade que seria desejável. Provavelmente, esses embarques vão se estender por um pouco mais de tempo”, pondera Pena, da Porto, a respeito das exportações.
Para ele, a constatação de uma atividade mais forte e menos dependente exclusivamente do agro no primeiro trimestre é importante porque, no caso de um crescimento baseado apenas na agropecuária, “a gente estaria contratando um tombo grande nos trimestres seguintes”, afirma. “Não é o que a gente vê e, talvez, essa seja uma explicação para a nossa visão um pouco mais otimista com a atividade no resto do ano.”
A Porto espera um crescimento de 0,5% do PIB no segundo trimestre, ante o primeiro, e de 1,7% em 2023. A mediana dos economistas para o segundo trimestre indica alta de 0,2%.
Segundo Pena, os indicadores iniciais, ainda não oficiais, do segundo trimestre sinalizam alguma perda de fôlego da atividade em abril, em relação a fevereiro e março, já descontando os efeitos sazonais, “mas maio voltou a melhorar na margem”, afirma.
Alguns eventos mais recentes, como o reajuste adicional do salário mínimo a partir de 1º de maio e o aumento dos servidores federais, “ainda não impactaram os números conhecidos”, observa Pena. E mesmo a ampliação do escopo e do valor médio do Bolsa Família, diz, pesaram no primeiro trimestre, mas vão ficar mais relevantes no segundo. “Provavelmente, o consumo vai continuar sustentando um padrão de atividade”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

