Na semana passada, o Kremlin ordenou sigilosamente a criação de uma lei que permite a apropriação de ativos ocidentais a preços irrisórios e, agora, está discutindo medidas ainda mais draconianas para nacionalizar integralmente as empresas, segundo fontes a par das deliberações.
A equipe econômica de Putin quer que a ameaça de nacionalização faça parte de uma abordagem do tipo “incentivo ou punição”, para penalizar países ocidentais que confisquem ativos russos e recompensar aqueles que sigam as regras do Kremlin, acrescentaram as fontes.
O decreto confidencial do Kremlin, ao qual o “Financial Times” teve acesso, daria ao Estado russo direito de prioridade na compra de qualquer ativo ocidental à venda com um “desconto significativo”, para que possa ser revendido com lucro.
Assinada na semana passada, a ordem de Putin para seu gabinete ministerial também exige que todos os compradores russos de capital privado de ativos ocidentais sejam integralmente russos ou estejam no processo de exclusão de todos os acionistas estrangeiros, complicando ainda mais qualquer procedimento para sair do país.
Dmitry Peskov, porta-voz de Putin, disse ao “FT” que investidores e empresas ocidentais são “mais do que bem-vindos” na Rússia, mas observou que alguns deixaram totalmente de pagar salários ou simplesmente decidiram sair do país com grandes prejuízos. “Se uma empresa não cumpre suas obrigações, então, é claro, ela entra na categoria de empresas malcomportadas”, disse Peskov. “A essas empresas, dizemos adeus. E o que fazemos com seus ativos depois disso é assunto nosso”.
Fontes envolvidas na saída de empresas ocidentais da Rússia afirmam que a atitude do Kremlin abre uma “caixa de Pandora”, que inevitavelmente consolidará o controle do Estado sobre a economia.
“Acho que a nacionalização é inevitável. É apenas uma questão de tempo”, disse um experiente empresário que está vendendo seus ativos na Rússia. “O Estado precisará de dinheiro.”
O empresário, que planejava “escapar pela janela” antes de a nacionalização começar, acredita que as empresas de commodities seriam as mais afetadas, uma vez que o Kremlin busca mais maneiras de aproveitar a receita das exportações para o orçamento. As empresas de tecnologia seriam menos afetadas porque são “difíceis de gerir”, acrescentou.
O círculo mais próximo a Putin tem debatido a nacionalização de empresas ocidentais desde a invasão da Ucrânia em 2022. Até agora, porém, esses poderes só foram utilizados em casos raros.
Em abril, a Rússia assumiu o controle das subsidiárias locais da finlandesa Fortum e da alemã Uniper, em reação ao que chamou de “expropriação ilegal de ativos russos no exterior”. O decreto do Kremlin foi específico sobre essas duas empresas.
Para decidir se estenderá esses poderes a outras milhares de empresas ocidentais, o Kremlin monitorará o que ocorrerá com os cerca de 300 bilhões de euros em ativos do banco central russo congelados no Ocidente.
Autoridades econômicas russas temem perder a atuação crucial ainda sendo desempenhada pelas empresas ocidentais em muitos setores da economia do país. O Kremlin também tem alto interesse em encontrar novas fontes de arrecadação para o orçamento, em meio à queda na receita das exportações de fontes de energia e ao aumento vertiginoso dos gastos militares, que elevaram o déficit orçamentário para US$ 42 bilhões no acumulado de 2023.
De acordo com os critérios atuais, anunciados pela primeira vez em dezembro, as empresas ocidentais são obrigadas a dar aos compradores russos um desconto de pelo menos 50% do valor dos ativos e fazer uma contribuição “voluntária” entre 5% e 10% do preço da venda para o orçamento.
A presidente do banco central, Elvira Nabiullina, está entre os que mais pressionam para limitar as saídas de empresas ocidentais e advertir as empresas com a ameaça de nacionalização, segundo as fontes. O banco central teme que um êxodo de capital estrangeiro possa enfraquecer o rublo e limitar as opções para os investidores russos.
Por sua vez, o ministro das Finanças, Anton Siluanov, tem defendido as saídas como forma de obter uma maior arrecadação para o orçamento, segundo as fontes.
O banco central não respondeu de imediato quando perguntado sobre o assunto. O Ministério das Finanças informou que os procedimentos de saída das empresas estão “funcionando normalmente”, mas destacou que “são possíveis mudanças adicionais em transações individuais”, sem dar mais detalhes.
As regras, de acordo com o decreto de Putin, também exigem que os novos proprietários vendam 20% dos ativos no mercado de ações da Rússia, uma medida que Nabiullina disse ser necessária para dar aos investidores de varejo do país mais opções nas quais colocar seu dinheiro.
“Em termos gerais, o Estado não quer que os investidores saiam. Ao contrário, eles querem tornar a partida menos interessante” para os investidores, segundo um importante empresário ocidental em Moscou. “Mas o que eles querem é encorajar o bom comportamento.”
Fonte: Valor Econômico