Na contramão de boa parte da Faria Lima, Anderson Brito, presidente da área de banco de investimento do UBS BB, vê interesse de investidores estrangeiros pelo Brasil, em setores de longo prazo e em ativos considerados resilientes. A operação de venda das ações da Vale pela Cosan é um dos exemplos que ilustram que há ativos no país que podem atrair investidores de fora.
“De uma maneira geral, existe uma visão negativa de Brasil e muito ‘hype’ [entusiasmo] sobre Argentina, por exemplo. Mas a gente tem de dar um passo para trás e olhar a diferença entre mercados endereçáveis”, disse o executivo, que esteve na semana passada em Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial (WEF, em inglês). A entrevista foi concedida em Zurique na sexta-feira, poucas horas antes de Brito embarcar para o Brasil.
Segundo ele, a bolsa de valores Argentina, mesmo com a correção positiva do ano passado, movimenta por dia US$ 100 milhões, enquanto a brasileira gira entre US$ 4,5 bilhões e US$ 5 bilhões por dia. O mesmo ocorre em interesse de ativos – Brito observa que o país vizinho cresceu três vezes em fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), para cerca de US$ 3 bilhões em operações, mas no Brasil o volume fica entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões.
“No macro pode ter algum ruído de Brasil, mas tem tantos setores que vão bem, que estão subpenetrados, que no final do dia a gente tem vantagem competitiva. E tem interesse internacional para esses segmentos. Quando se olha o micro, para vários setores, existe uma demanda relevante, seja pelo tamanho de mercado endereçável do país, seja pelo tamanho da população.”
Brito também vê o mercado americano bem posicionado na segunda gestão do presidente americano Donald Trump, apesar dos ruídos e incerteza que sua administração já tem provocado.
“A gente espera um ‘approach’ [abordagem] mais positivo de mercado. De alguma forma, vamos ver os Estados Unidos positivos, com volume de transações maior”, disse, lembrando que os resultados de bancos americanos como J.P. Morgan, Citi, Goldman Sachs e Bank of America vieram fortes em 2024.
“Temos de tirar o ruído. A primeira notícia pode ser negativa e a turma fica um pouquinho mais negativa, mas se você avalia [a gestão anterior de Trump], foi a favor de mercado.”
Para Brito, o mercado de dívida deve continuar positivo, depois do recorde no volume de emissões no ano passado. O executivo prevê que haverá um crescimento de 5% a 10% nas transações de renda fixa local. Já o mercado de “equities” (ações) deverá ver movimentos concentrados em ofertas subsequentes, os chamados “follow-ons”, e muita oferta de venda de ações em bloco.
Neste início de ano, a Cosan colocou à venda seus papéis da Vale e teve forte interesse de investidores, sobretudo estrangeiros. A operação foi da ordem de R$ 9 bilhões.
“Para alguns ativos, o Brasil continua bem interessante”, afirmou, embora reconheça que outros países estejam na frente entre as prioridades do capital internacional. “Obviamente, quando você tem uma correção de mercado, quando o país não está tão ‘hypado’, diferente, por exemplo, a Índia em Davos, com dez casas de cada Estado diferente [se apresentando a investidores].”
O cenário de reestruturação de empresas deverá seguir movimentado, na visão do executivo, com grupos buscando refinanciamento de dívidas. Brito, entretanto, não vê um cenário de “quebradeira”.
De acordo com ele, as discussões em relação à renegociação de prazo de pagamento de dívidas continuam, em um ambiente de custo de crédito mais caro e empresas pedindo para alongar os débitos. Para o executivo, os principais bancos no país se mantêm dispostos a prosseguir com essas renegociações.
“A gente tem que ver onde vai bater essa taxa de juros. Mas a economia brasileira tem sido resiliente. Surpreendendo do ponto de vista de crescimento. O humor da Faria Lima está negativo. Mas quando você vai lá conversar com o ‘founder’ [empresário], há mais otimismo.”
Mesmo quando se trata do posicionamento de Trump em relação à transição energética, o executivo faz uma ponderação. Brito disse não ver pragmatismo do americano sobre o tema interferindo na meta em relação a emissões de gases nem em energias renováveis.
“O Brasil tem uma vantagem competitiva e é uma matriz verde. Não é agora, porque Trump está um pouco mais pragmático em relação ao mercado, que isso vai atrapalhar”, disse. Por conta disso, avalia, é preciso um pouco mais de pés no chão. “O Brasil é tão grande que a gente tem de olhar micro por setor.”
Fonte: Valor Econômico
