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Questionamentos em torno da manutenção do chamado “excepcionalismo americano” e dos efeitos da política comercial do presidente americano, Donald Trump, promoveram um ajuste profundo no quebra-cabeças dos investimentos ao redor do mundo. Depois de meses pouco alocados, gestores de fundos multimercados voltaram a aumentar – ainda que marginalmente, ou taticamente – as posições compradas (que se beneficiam da valorização) em bolsa no Brasil e a diminuir as alocações vendidas (que obtêm ganhos com a queda).
A perda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em pesquisas eleitorais e a chance de uma eventual alternância de poder também foram citadas por bancos estrangeiros para elevar o otimismo com as ações brasileiras nos últimos dias. É o caso de instituições como J.P. Morgan, Morgan Stanley e Bank of America (BofA).
Entre os gestores de multimercados macro, uma pesquisa da XP oferece um retrato recente das alterações. Segundo o levantamento, houve um aumento marginal no posicionamento comprado das gestoras em bolsa no Brasil, saindo de 33%, em janeiro, para 37%, em março. O estudo foi feito entre 7 e 14 de março com 30 gestoras.
Ao mesmo tempo, posições vendidas em bolsa no Brasil caíram de 20%, em janeiro, para 7%, neste mês. Além disso, mais da metade das casas agora está com um posicionamento neutro nessa classe de ativos nos portfólios, com o número crescendo de 47%, em janeiro, para 57%, agora.
Simultaneamente, o estudo da XP apontou que houve uma redução significativa no posicionamento direcional em bolsa americana das gestoras brasileiras, saindo de 60% para 43% agora.
O gestor de multimercado e renda fixa do Fator, Ricardo Farias, cita dois fatores que fizeram a casa se questionar recentemente sobre o excepcionalismo americano: o “DeepSeek Day” e o crescimento latente de uma preocupação com uma possível recessão nos EUA.
“Com o mercado caindo nos Estados Unidos, passamos a esperar um fluxo comprador de ‘rotation’ [rotação] para Brasil e de alocação de multimercados que estavam vendidos em bolsa local”, observa Farias. De olho nos movimentos, o executivo diz que tem aumentado a exposição a ações brasileiras por meio do índice, de forma tática.
“A partir deste momento, estamos mais confortáveis em manter uma alocação comprada em bolsa Brasil por mais tempo na carteira. Temos mais segurança de que o movimento global favorável ao Brasil vai durar mais tempo”, diz o gestor do Fator. Para Farias, há uma chance maior de que os EUA enfretem uma estagflação do que uma recessão propriamente, em meio a dados de atividade mais fracos, mas que ainda mostram robustez.
Segundo números da B3Cotação de B3, o saldo de recursos de investidores estrangeiros no segmento secundário da B3Cotação de B3 (ações já listadas) está positivo em R$ 5,6 bilhões, no acumulado deste mês até a última quarta-feira (19). Da mesma forma, a categoria registra um superávit de R$ 14,3 bilhões no ano.
Outra casa que fez mudanças recentemente foi a AZ Quest. O gestor de renda variável da gestora, Welliam Wang, explica que aumentou a posição comprada em bolsa no Brasil nos multimercados da casa, ao mesmo tempo em que reduziu a alocação vendida.
Do lado internacional, o executivo da AZ Quest avalia que a volatilidade e a forte incerteza sobre os efeitos da política comercial de Trump na economia americana devem continuar a atrair fluxo papara as ações locais.
Se o risco de recessão crescer, podemos ter uma mudança de rota”
Já do ponto de vista local, ele justifica que os fluxos podem se manter mais favoráveis para a bolsa local, em meio a uma “tendência consistente de piora” da popularidade do presidente Lula e de uma tramitação mais demorada da reforma do Imposto de Renda (IR), ao exigir uma negociação mais próxima com o Congresso.
Uma eventual troca de regime político também foi citada por bancos estrangeiros como um dos “gatilhos” que ajudaram a elevar o otimismo das instituições com a bolsa local, de forma mais tática.
Em relatório publicado em 10 de março, a equipe de estrategistas de ações para América Latina do J.P. Morgan, liderada por Emy Shayo Cherman, elevou sua recomendação para as ações brasileiras de “neutro” para “compra” (overweight), ao mesmo tempo em que rebaixou a avaliação sobre o mercado acionário mexicano de “compra” para “neutro”. A mudança, segundo a casa, tem viés mais “tático” e não “estrutural”.
Os profissionais do J.P. Morgan citaram os “valuations” atrativos, o posicionamento técnico “ruim”, a proximidade do fim do ciclo de aperto monetário no Brasil, além da narrativa em torno das eleições de 2026 como fatores que impulsionaram a reavaliação da casa.
“As eleições de 2026 estão distantes, mas trazem um elemento de atratividade, embora o risco daqui até lá esteja longe de ser insignificante”, afirmaram os profissionais do banco.
Já na semana passada, a equipe de estratégia para América Latina do Morgan Stanley destacou que há uma “oportunidade atraente” para adicionar risco Brasil. Em relatório, assinado por Nikolaj Lippmann, Juan Ayala e Julia Nogueira, os profissionais do banco apontaram que a baixa volatilidade atual e implícita do MSCI Brazil estaria criando um momento oportuno.
Na avaliação do Morgan Stanley, a aproximação do ciclo eleitoral poderia voltar a elevar as oscilações nos preços do MSCI Brazil. Nas simulações feitas pela casa, a volatilidade anualizada do índice poderia ir para cerca de 34%, contra os 20% atuais.
A equipe do Morgan Stanley não negou que é cedo para prever uma alternância de poder no país, mas destacou que é preciso manter as “opções em aberto”. Segundo os profissionais do banco, os sinais de uma mudança de regime político poderiam diminuir o risco de cauda e reduzir o prêmio de risco das ações brasileiras.
A equipe do Bank of America (BofA), liderada por David Beker, também afirmou, na semana passada, que manteve a posição “overweight” (acima da média de mercado) para as ações brasileiras. Em relatório, a casa ressaltou que a atividade brasileira mostrou sinais de desaceleração nos últimos três meses, o que poderia ajudar na reancoragem das expectativas de inflação e pavimentar o caminho para que o BC inicie um ciclo de corte de juros antes do que esperam os agentes financeiros.
Embora estejam um pouco mais otimista com a bolsa local, os profissionais do BofA avaliaram que é cedo para adicionar mais “beta” (ações que tendem a ser mais expostas às variações do mercado) à carteira e permaneceram com um portfólio mais defensivo, balanceando companhias que podem se beneficiar de uma Selic mais elevada com nomes de qualidade.
Para a equipe do J.P. Morgan, o cenário é favorável para as ações brasileiras, desde que os EUA não entrem em uma recessão.
Para Farias, do Fator, o risco de uma desaceleração mais prolongada existe, mas não é elevado, parafraseando a fala do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Jerome Powell, em entrevista na semana passada. O gestor do Fator defende que o fluxo deve seguir positivo para a bolsa brasileira, com a probabilidade de recessão que está na mesa hoje. “Mas, se esse risco aumentar, podemos ter uma convergência de mudança de rota para emergentes e para o Ibovespa”, pondera o executivo.
Fonte: Valor Econômico