Por Adriana Cotias
20/06/2022 06h00 Atualizado há um dia
Praticar esportes foi um hábito que ajudou a talhar a personalidade profissional de Rogério Rodrigues Estevinha do Amaral Xavier, um dos gestores de recursos mais bem sucedidos do mercado brasileiro. O sócio da SPX Capital, que fundou a gestora em 2010 ao lado de Daniel Schneider e Bruno Pandolfi, os “S” e “P” da sigla que batizou a asset, usa as manhãs pré-expediente, entre 6h e 7h30, para se exercitar, principalmente quando está em Londres, a sua base desde 2016.
Aos seis anos ele aprendeu a jogar tênis, depois vôlei, o golfe foi paixão mais recente. Já correu maratona. E não parou mais de correr, na vida e na dupla função de gestor e empreendedor que se acostumou a olhar adiante, seja para definir cenários e estratégias de investimentos, seja para nortear o negócio. Após 21 anos no BBM (atual Bocom BBM), Xavier deixou a instituição e algum tempo depois se juntaria aos seus parceiros de equipe para replicar na gestão de recursos as transações de tesouraria que traziam lucro para os acionistas do banco. Leonardo Linhares viria dois anos depois, também do BBM, para liderar a mesa de ações.
“O esporte foi muito importante na minha vida, me ensinou a perder e a aguentar pressão nos momentos decisivos, a não ter medo, a ter confiança em mim e no time”, diz Xavier. “A minha melhor característica é que durmo como um santo, posso tomar 15 cafés, giro o botão e apago. Eu sei separar bem no meu estômago, no meu cérebro o risco, a pressão, domino isso dentro do meu corpo.” Há quem diga que, na seleção de profissionais, praticar esportes conta pontos para os candidatos.
Da porta para fora, Xavier, que coordena o comitê executivo e a mesa de juros, se tornou a figura mais conhecida da SPX, mas hoje a gestora reúne um grupo de 230 profissionais, com 50 sócios e cerca R$ 80 bilhões, entre recursos de brasileiros e de estrangeiros. Nos últimos anos, deixou de ser uma casa dedicada a multimercados e ações, diversificou as linhas de atuação e cruzou fronteiras.
Expansão internacional
Em private equity, selou em 2021 um acordo para assumir as operações e o time do Carlyle no Brasil. Para gestão de fundos imobiliáros, fechou parceria com a Cyrela Commercial Properties. Começa a estruturar uma vertical de energia. Com a expansão internacional, a SPX passou a ter presença, além de Rio e São Paulo, em Londres e Portugal, e fincou os pés em Nova York, que serviu de base para a estratégia de crédito global, liderada por Beny Parnes. O plano é avançar para a Ásia, com uma operação em Singapura.
O resultado é que o gestor se divide entre diferentes fusos e se acostumou a fazer longas viagens para estar próximo dos times, algo que considera relevante para imprimir a cultura SPX.
O mercado brasileiro ficou pequeno para esse executivo que aspira tornar a asset global e colocar os seus multimercados entre os principais “hedge funds” do mundo. Hoje, a casa reúne cerca de US$ 4 bilhões de estrangeiros. À medida que vai moldando o estilo de gestão fora, sem se limitar a classes de ativos ou regiões, o Brasil passa a ser apenas mais um na formulação das estratégias. E, do lado do passivo, não fica concentrada numa economia emergente, mais sujeita a solavancos, diz.
“O desafio é gigante, porque quando você está fora do seu país não conhece as leis, as práticas tributárias, a regulação, é só uma startup, e leva tempo para descobrir o que pode ou não fazer”, afirma o gestor. O time convive com 11 nacionalidades, é uma espécie de “Arca de Noé, cheia de pessoas diferentes, muito capazes e inteligentes”, mas não é trivial encaixar essa cultura e não se perder integração do modelo.
Xavier é casado há mais de 30 anos e teve três filhos, duas meninas. Levar a família para o exterior foi um capítulo à parte nesse projeto transfronteira. O filho mais novo que acompanhou o casal, então com 14 anos, teve muita dificuldade de se adaptar. “Londres é uma cidade fria, os britânicos não são tão abertos aos estrangeiros que chegam aqui. Para mim, fez pouca diferença porque fico de 12 a 14 horas no escritório, nada mudou.”
A ‘descoberta’ do mercado financeiro
A rotina de horas extensas de trabalho, ele encarou já no início da carreira, no emblemático Banco Garantia, do trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Teles e Beto Sicupira, na década de 1980.
Foi ao ler uma reportagem sobre um bem-sucedido operador de moedas na Ásia, do Bankers Trust, que Xavier se encantou pelo mercado financeiro e a remuneração atrelada à performance. “Eu me identifiquei muito com aquilo, achei um negócio superinteressante e desafiador, e além de tudo, ganhava muito dinheiro.”
Era ainda um adolescente que se preparava para o vestibular de engenharia química quando mudou o rumo e brigou por uma vaga na PUC do Rio. Queria economia, mas como não havia turma à noite e precisava ajudar nas despesas da casa foi fazer administração. Aquele curso só seria concluído aos trancos e barrancos porque conseguiu o começo que planejava.
Mal tinha passado no vestibular, Xavier entregou o seu currículo nos bancos de investimento que tinha como referência na época, o Multiplic e o Garantia, com nada além de nome, telefone e endereço. Conseguiu chamar a atenção do segundo com aquele papel que mais parecia um cartão de visita e foi convidado para uma conversa na Rua Almirante Barroso, 52, no centro do Rio. Gostaram da ousadia e da ambição do rapaz, mas era cedo e ficou combinado que após o primeiro ano de curso, ele teria a sua oportunidade.
Ramiro Lopes de Oliveira, um dos sócios do Garantia, cumpriu a promessa, ligou e perguntou se ele ainda queria a vaga um ano depois. “Desliguei o telefone feliz da vida. Minha mãe perguntou o que eu ia fazer e respondi: ‘não tenho a menor ideia’. Quanto vai ganhar? ‘Não perguntei, eu quero entrar lá, se me pagarem, vai ser lucro”, lembra Xavier. “Ela disse: você é maluco e eu, ‘mãe, isso faz parte dos meus sonhos, do planejamento, os meus objetivos e estão traçados’. Eu tinha que entrar na faculdade, tinha que estar no melhor banco de investimentos, ‘esse é o meu objetivo, eu não posso desviar’, e ela: ‘Se é seu sonho, vá em frente’.”
Perfil ‘low profile’
Xavier é o mais novo de três irmãos. Filho de imigrantes portugueses, a mãe estava grávida dele quando a família desembarcou em São Paulo, onde nasceu em setembro de 1966. Foi criado no Rio, quando o pai teve uma oportunidade trabalhando para o Círculo do Livro.
“Nas famílias europeias não tem mimo, cada um tem que se virar do seu jeito, ninguém tem nada a ver com você. Uma vantagem de ser o caçula é que eu era muito observador, prestava muita atenção nas coisas, nos exemplos dos meus irmãos. Quando você está numa fase de crescimento e é muito jovem, se não tiver cabeça boa, se perde muito rápido pelo deslumbramento”, conta Xavier. “Vi acontecer com meus irmãos e isso me fez não cair no mesmo erro. Sempre estar ‘low profile’, focado, determinado, não achar a vida fácil e que sempre tem o dia seguinte e tem que estar lutando.”
O tal trabalho no Garantia era dar suporte para a área de liquidação, que consistia em ser uma espécie de “office boy” e correr de um canto para outro para levar, por exemplo, a documentação das operações de mercado aberto para o Banco Central (BC) numa época em que tudo era analógico. Os investidores recebiam títulos físicos das suas aplicações de renda fixa, com cupons de juros destacáveis para fazer jus à remuneração. Os leilões de títulos públicos eram presenciais, os lances de cada instituição chegavam pelas mãos de jovens esbaforidos como Xavier.
A escola do Garantia
Ele passou na prova de resistência e foi trabalhar na mesa de operações, no controle, área que cuidava da montagem do lastro das operações de overnight, nos tempos das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). “Eu chegava às 7h e saía às 3h da manhã, era um negócio louco. Era incompatível com a universidade, não tinha computador, era tudo na mão, demorava mesmo, dado o volume de negociações que o banco tinha”, afirma.
A sua grande escola foi o Garantia e é de lá que ainda mantém velhos amigos, uma turma com quem almoça em Londres, como Bruno Rocha (Dynamo), Bruno Licht, José Antonio Mourão (ex-Modal) ou Marcos Pinheiro (ex-Pactual). “Não há livro nenhum que vá ensinar o que eu aprendi no Garantia. Aquilo era um conceito de negócio e, na minha opinião, único, nunca vi nada parecido. Aquela quantidade de gente inteligente do seu lado, as pessoas não falavam besteira, era sempre uma coisa interessante, que levava você a fazer uma grande reflexão.”
Daquela vivência diz também ter aprendido a não cometer erros que viu no Garantia — e com os seus também. Cita a extrema confiança como um deles, que é preciso saber que as pessoas têm limites, o mercado também. “Você não pode nunca achar que é o super-homem, que é mais esperto que todo mundo, que sempre vai ganhar, que os outros são idiotas, e que pode fazer [posição] de qualquer tamanho”, afirma. “Tem que ser confiante, mas ‘low profile’, no sentido de ‘calma, não vai com tudo, nem todo dinheiro é para você ganhar, tem algum dinheiro que você deixa para os outros ganharem.”
Os multimercados Nimitz e Raptor, estratégias que têm um patrimônio de mais de R$ 37 bilhões no master, são dois dos fundos mais cobiçados por investidores e alocadores, mas fechados para captação. Acumulavam até maio de 2022, respectivamente, retornos de 331% e de 743% desde dezembro de 2010, ante 162% do CDI. Só neste ano, as cotas têm valorização de 24,44% e 35,79%.
Fim da aposta em juros
A grande contribuição de 2021 e da primeira metade de 2022 veio das estratégias ligadas a juros, especialidade de Xavier. Ele diz que, se muitas vezes parece ir contra o mercado, é porque falta bom senso. Ganhou com a escalada inflacionária que se viu após injeções trilionárias de recursos de bancos centrais e governos durante a pandemia. Foi um crítico de primeira hora da política do Banco Central brasileiro de jogar a Selic para 2% ao ano. “O Brasil não pode trabalhar com juro real tão baixo, mesmo tão negativo como a gente trabalhou. Na minha avaliação, naquela época, era óbvio que a gente já estava provocando os deuses da inflação.”
Posições que previam a alta de juros nos Estados Unidos para além do que estava embutido nos preços dos ativos renderam bons frutos, mas para ele, esse jogo acabou, não vale o risco porque se a recessão bater, o Federal Reserve (Fed, o BC americano) pode revisar o seu plano. A decisão foi ficar mais leve em risco.
“Tudo o que a gente fez um ano e meio atrás e colheu agora pode ter uma do mesmo tamanho nos próximos 12, 18 meses. Então é muito importante saber para onde está indo, estar com posição pequena ou mesmo zero. Você limpa e começa tudo de novo. Se você estiver o tempo inteiro [no mercado], você não enxerga a oportunidade porque está lá. E é tudo uma continuidade.”
Para Xavier, a aposta pró-alta de juros nos EUA ficou desbalanceada porque ainda tem o tal do “quantitative tightening” (o aperto da liquidez), que ninguém nem o Fed sabem que impacto vai ter na economia. “A minha suspeita é que, uma vez que irrigou muito no passado e isso gerou esse crescimento acelerado não só nos Estados Unidos, mas em outros países mundo afora, se é verdade que vai reverter o que fez demais, é esperado que algum efeito tenha. Então, quanto que esse enxugamento do balanço vai se transformar em taxa de juros equivalente de ‘fed funds’ (reservas que as instituições financeiras mantêm no banco central americano), eu não tenho a menor ideia.”
A base mais fundamentalista ele começou a construir no Banco da Bahia, que depois viria a ser o BBM. Lá, aprendeu a trabalhar ao lado da área de pesquisa e a ser muito questionado. No Garantia não tinha departamento econômico, “research”, nem computador. “No BBM já tinha a noção da importância de trabalhar o macro mais profundamente, no detalhe.” O banco foi pioneiro em mandar pessoas ao supermercado para fazer coleta de preços e ter a temperatura da inflação.
Essa disciplina foi levada para a SPX, que não costuma marcar presença frequente no mercado. Trabalha com grandes temas e os explora, monta as posições, e no dia a dia faz o ajuste fino. É tudo baseado em fundamentos, seja em ações, commodities, macro ou crédito, diz o gestor.
O seu tempo de leitura tem sido dedicado a revisitar textos acadêmicos sobre o período inflacionário da década de 1970 nos EUA e à atuação de Paul Volcker à frente do Fed, responsável por um choque de juros que levou a taxa de referência para a casa dos 20% no começo dos anos 80. Nos seus estudos, busca identificar se a história pode se repetir, mas diz não ver grandes paralelos com as pressões atuais, com as suas próprias idiossincrasias.
Instinto de poupador
Viver com as finanças apertadas na infância e juventude e ter ajudado no orçamento doméstico fizeram de Xavier um poupador por instinto. Quando começou a ser bem remunerado, virou sócio do BBM e o que ganhava gastava para comprar ações. “O banco levava todo o meu dinheiro”, conta. “Eu nunca tive dinheiro na mão. Recentemente é que eu virei vendedor de ações para os sócios que vão entrar na SPX, começou a entrar alguma liquidez. Não sou uma pessoa de gastar, sou mais de poupar, investir nos fundos da SPX, guardar para fazer novos investimentos. Há uma agenda de crescimento, de fundos que precisam de aporte dos sócios.”
A transformação da SPX num grupo multiestratégia cumpre o papel de tornar o negócio perene. “A gente sabe que não é razoável esperar que tenha resultados sempre muito expressivos e positivos todo ano, algum dia infelizmente vai errar. E diversificando as atividades, não precisa fazer grandes movimentos na empresa. Se num ano o multimercado for mal, não, necessariamente as outras verticais irão mal e isso pode contrabalançar as outras áreas, subsidiar a equipe naquele ano, sem precisar demitir ninguém, pode seguir em frente, vai pulverizando os riscos.”
Aquele adolescente que sonhava com um lugar no mercado financeiro conquistou o que queria, mas o adulto ainda quer dar oportunidade a um outro adolescente, diz Xavier, deixar um legado. “A gente sente essa vontade de oferecer ao jovem que está buscando uma oportunidade no mercado de trabalho, um lugar incrível, com abertura para questionamentos, para crescimento, sem frescura.”
Ele diz que gestora está sempre trazendo gente e treinando, porque algumas pessoas escolhem outros caminhos e não pode depender de uma ou outra. “Tem que estar sempre trabalhando o plano B, o plano C, o plano D, o plano E, isso não termina nunca. É que nem a performance, a que eu dei ontem já foi. Eu tenho que pensar na que vou dar amanhã, depois de amanhã”, diz. “Mas é por isso que é tão emocionante, desafiante, porque você está sempre no limite, querendo dar o seu melhor, seja para o investidor, em primeiro lugar, seja para sua própria empresa.”
Entre as baixas da equipe, uma das mais comentadas no setor foi saída, no início de 2019, de Sebastian Lewit e de Marcio Albuquerque, das áreas de juros e moedas — e que fundaram a Capstone. Eram dois dos sócios do time de gestão que estavam desde o início e que vieram do BBM. Um alocador disse na ocasião que a espinha dorsal da SPX estaria preservada, já que no fim, Xavier é quem “acende e apaga a luz da gestora”.
Fonte: Valor Econômico

