Lorice Scalise, paulista de Borborema, é a primeira brasileira a assumir comando da divisão farmacêutica da companhia no Brasil em 92 anos
Por Ivo Ribeiro — De São Paulo
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Lorice Scalise: “Sonho poder sentar numa mesa com diferentes representantes da Saúde para um grande diálogo e pensar um sistema que dê acesso a todos” — Foto: Leonardo Rodrigues/Valor
A subsidiária brasileira do grupo suíço Roche, com 92 anos de existência, tem desde abril a primeira mulher nomeada presidente executiva – Lorice Scalise. A executiva está na companhia desde 2000, onde construiu grande parte de sua carreira. Começou como representante de vendas na área de negócio Diabetes Care.
“Os presidentes sempre eram estrangeiros. Sou a primeira brasileira e a primeira sul-americana”, afirmou a executiva ao Valor. Ela recebeu a reportagem acomodada em uma grande bola azul, usada na prática de Pilates (método de exercícios terapêuticos).
Farmacêutica formada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), na cidade de Araraquara, a executiva passou os últimos seis anos na Argentina, onde comandou a divisão Diagnóticos – um dos braços de negócios da Roche – durante quatro anos e a divisão farmacêutica a partir de 2021.
Foi o passo para ser “importada” para o Brasil, onde assumiu o cargo no primeiro dia de abril.
Scalise disse que um dos seus objetivos à frente da subsidiária brasileira é que a empresa continue ampliando os investimentos em pesquisas clínicas, considerado um fator-chave para o desenvolvimento e tratamento de diversas doenças. No ano passado, foram aplicados R$ 440 milhões, 30% a mais do que em 2021. “A meta é crescer no mesmo ritmo este ano”, afirmou a executiva.
Ela informa que foram implementados mais de 130 estudos, em parceria com 523 centros de pesquisas, envolvendo mais de 1,1 mil pacientes. Ao todo, 11 áreas terapêuticas foram investigadas, entre elas câncer, doenças raras e respiratórias e oftalmologia.
A maioria dos estudos ainda ocorre no sistema privado de saúde, informa Scalise. Mas ela almeja mudar isso. “Vamos fazer um esforço para ir além do Sudeste e para centros públicos. Queremos maior participação da área pública. “O ideal é que seja 50% a 50%”.
A Roche, uma gigante da indústria farmacêutica no mundo, decidiu sair da fabricação de medicamentos no Brasil, e em outros países, vendendo seus ativos. “O foco da companhia é a inovação, desenvolvendo medicamentos e tratamentos para doenças raras e de alta complexidade. A Roche evolui com a inovação”, afirma.
A Roche evolui com a inovação, tem três centros de produção focados no mundo”
— Lorice Scalise
Segundo a executiva, o grupo tem centros de produção específicos nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão, além de parcerias e alianças. E no caminho da inovação, diz, não participa do mercado de remédios vendidos em farmácias, os chamados OTC (sigla em inglês). A atuação é feita diretamente com hospitais e clínicas particulares e o sistema púbico. Vendas a governos respondem por 30% da receita local da empresa.
Scalise ressalta que o foco da Roche Farma são doenças raras, como hemofilia e artrofia muscular, e oncologia, neurociência, entre outras. Agora tem uma área nova de tratamento, dentro da oftalmologia, na qual já investiu R$ 33 milhões desde 2018.
O Brasil é o sexto mercado do grupo suíço no mundo, numa lista de oito afiliadas – Alemanha, Brasil, Canadá, China, Espanha, França, Inglaterra e Itália. EUA, onde atua como Genentech, fica fora.
Para este ano, a previsão da Roche Farma Brasil, informa Scalise, é crescer ao menos 10% sobre a receita líquida R$ 3,7 bilhões obtida em 2022, que foi 5% acima da de 2021. A empresa aposta no tratamento de pacientes com hemofilia A (na rede pública) e, no mercado privado em câncer de pulmão, esclerose múltipla e um medicamento subcutâneo inovador para tratar o câncer de mama metastático. As vendas nesse mercado respondem por 70% do total.
Scalise trouxe uma boa impressão da Argentina, onde, diz, 90% das pessoas têm acesso gratuito ao sistema de saúde. “Tive um ótimo relacionamento com os governos locais para discutir a regulamentação para o tratamento do câncer de mama visando garantir equidade no acesso à saúde”.
Esse é um caminho que gostaria de desenvolver com autoridades da Saúde o Brasil. O país, afirma a executiva, é muito atraente e tem uma enorme diversidade populacional, de raça. “Sonho poder sentar numa mesa com os mais diferentes representante da Saúde para um grande diálogo, onde se possa pensar um sistema de saúde que dê acesso a todos, discutindo questões como infraestrutura, educação, o transporte, saneamento básico.”
A posição que acabou de assumir é fruto também da grande transformação que ocorreu no grupo Roche em 2020, relata Scalise. “Me candidatei a ela”. Como primeira sul-americana, embora o Brasil tenha seu peso particular, diz que pode, na mesa de discussões, advogar pelo país e outros da região nos lançamentos de produtos, inovações e investimentos. “É importante que o Brasil se reconheça como latino-americano.”
A executiva vê muitos desafios em sua gestão à frente da Roche Farma Brasil. Vão desde o envolvimento com as questões de saúde no país, e como contribuir, até os internos, na empresa. Ela destaca três pontos: diversidade (não garante inclusão, que é dar voz), inclusão e equidade (“a maioria das empresas tem uma política pré-definida, mas cada pessoa precisa de seu próprio desenvolvimento”).
De Borborema, interior paulista, mas nascida em Itápolis porque não havia hospital na cidade, Scalise ingressou na divisão Diagnósticos em 2002, passando por vários cargos, até líder de negócios internacionais. “Era apaixonante.” E chegou até a Suíça.
A propósito, Lorice relata que seu nome é sírio – homenagem da avó a uma amiga. “Minha descendência é português, índio e negro, de uma lado, e italiano, de outro.”
Com 127 anos de atuação global e presente em mais de 100 países, no ano passado o grupo Roche alcançou receita de 63,28 bilhões de francos suíços (CHF) – 45,55 bilhões de francos suíços da divisão farmacêutica e 17,77 bilhões de francos suíços da área de diagnósticos. No Brasil, emprega 1.306 funcionários, somando as três divisões de negócios: Farma (350), Diagnóstica e Diabetes.
Fonte: Valor Econômico