Por Victor Rezende e Matheus Prado — De São Paulo
17/08/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
Os temores renovados de uma desaceleração aguda da economia global pesaram nos preços das commodities no pregão de ontem e impulsionaram o dólar, que voltou a subir contra o real. Após ter se aproximado da marca simbólica de R$ 5,00, a moeda americana se fortaleceu, em um momento no qual os participantes do mercado começam a direcionar suas atenções também para o cenário político, com a proximidade da eleição presidencial. A janela de oportunidade aberta pelo Banco Central com o sinal de fim do ciclo de elevação da Selic, porém, continua a ser aproveitada pelo Tesouro Nacional, que ontem fez o maior leilão de NTN-Bs (títulos atrelados à inflação) do ano, o que deixou os juros de longo prazo em leve alta.
O Tesouro emitiu ontem R$ 11,2 bilhões em NTN-Bs, ao vender o lote integral de 2,75 milhões de papéis divididos em três vencimentos. Apesar da colocação significativa de risco no mercado, a curva de juros absorveu bem o leilão e não exibiu estresse, ao terminar o dia com leve alta nos juros longos. A taxa do DI para janeiro de 2029 subiu de 11,56% para 11,60%.
O processo de descompressão de prêmio de risco na curva de juros tem sido expressivo, na medida em que investidores estrangeiros têm demonstrado apetite pela dívida local. Além disso, com a sinalização do BC de que o ciclo de aperto monetário pode ter sido encerrado com a Selic em 13,75%, grandes bancos, como Citi, Bank of America e J.P. Morgan, têm recomendado posições aplicadas (que ganham com a queda das taxas) em juros intermediários e longos.
“O fim do ciclo de aperto monetário torna a perspectiva de investir em renda fixa no Brasil mais atraente e o mercado já começou a refletir isso há algumas semanas. Movimentos ainda mais expressivos, no entanto, só serão vistos quando as expectativas de inflação de longo prazo começarem a cair”, avalia Thierry Wizman, estrategista de juros e de moedas globais do Macquarie.
O executivo observa que “os traders ainda não estão convencidos de que a inflação de longo prazo irá cair e grande parte da incerteza gira em torno de quais serão as políticas do próximo governo”. No Boletim Focus divulgado na última segunda-feira, a expectativa mediana dos economistas de mercado para o IPCA de 2024 se distanciou ainda mais do centro da meta (3%), ao subir de 3,30% para 3,41%. Já no mercado de inflação “implícita”, houve um alívio expressivo, mas o mercado ainda precifica uma inflação bastante alta no longo prazo. Ontem, a NTN-B para agosto de 2050 precificava uma inflação de 5,56%.
“Até agora, não há agendas políticas concretas que apontem para uma inflação mais baixa e continuamos céticos sobre a capacidade do Brasil de ter um ajuste fiscal significativo que reduzirá o risco soberano”, afirma Wizman. Assim, o estrategista do Macquarie acredita que, com a eleição batendo à porta, o mercado deve voltar a se preocupar mais com o ambiente econômico pós-eleitoral. “Acredito que deve haver alguma pressão no câmbio, à medida que nos aproximamos das eleições e vejo o dólar subindo para R$ 5,60 novamente”, afirma.
Ontem, no primeiro dia oficial da campanha eleitoral, o câmbio esteve bastante atrelado ao humor global, na medida em que os receios de uma recessão global ganham espaço entre os agentes, especialmente diante de sinais preocupantes que têm sido emitidos pelo mercado imobiliário nos Estados Unidos. O dólar, assim, encerrou o pregão de ontem negociado a R$ 5,14, em alta de 0,95%.
O estrategista-chefe de mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli, lembra que as moedas de mercados emergentes costumam atuar como “proxy” dos riscos de recessão. “Embora as ‘valuations’ atuais já reflitam uma desaceleração substancial, um desempenho ainda pior da economia global pode causar uma depreciação substancial do câmbio nos mercados emergentes”, diz.
Giacomelli, assim, espera que as moedas emergentes e, em particular, as divisas dos países da América Latina, sejam negociadas em linha com a percepção dos riscos de cauda de uma recessão global. Para o fim do ano, o Deutsche Bank trabalha com o dólar a R$ 5,20 em seu cenário-base. Vale destacar que a volatilidade implícita de um mês – medida do risco de variação de um ativo em determinado período à frente – tem ficado em torno de 20% para o real, sem apresentar oscilações expressivas.
Se o dia foi negativo no câmbio, na renda variável se mostrou mais positivo e o Ibovespa fechou em alta de 0,43%, aos 113.512 pontos. Em Wall Street, o índice Dow Jones subiu 0,71% e o S&P 500 avançou 0,19%, enquanto o índice eletrônico Nasdaq recuou 0,19%.
“O mercado apresentou certo compasso de espera por conta da ata do Fed e do simpósio de Jackson Hole. Estamos menos negativos com a economia americana, mas seguimos preocupados. Entendemos que, lá fora, o mercado pode ter se animado mais do que devia em relação aos riscos que ainda se fazem presentes, então vemos os ativos americanos com assimetria negativa”, afirma Priscila Araujo, gestora de renda variável da Macro Capital. (Colaboraram Gabriel Roca, Igor Sodré e André Mizutani)
Fonte: Valor Econômico

