Por Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
05/12/2022 05h01 Atualizado há 4 horas
Embora a piora na percepção do risco fiscal tenha trazido à tona discussões sobre um aperto adicional nos juros, o plano de voo do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central para a reunião desta semana, de manter a Selic inalterada em 13,75%, deve continuar o mesmo. É o que aponta a grande maioria das instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor. No entanto, a incerteza em torno das contas públicas já leva parte dos agentes financeiros a colocar em dúvida que um ciclo de afrouxamento monetário terá início no próximo ano, enquanto outra parcela do mercado já adota um viés de alta para a taxa básica de juros em 2023.
De 113 casas consultadas pelo Valor, apenas duas esperam uma mudança na Selic em dezembro – no caso, um aumento de 0,25 ponto percentual, para 14% ao ano. As outras 111, portanto, acreditam na manutenção do juro básico nos atuais 13,75%. Porém, a mediana das projeções para a taxa no fim de 2023 caminhou de 11% em outubro para 11,5% agora. Das 110 respostas coletadas, apenas seis indicam manutenção da Selic em 13,75% até dezembro do ano que vem, mas há quem espere um juro ainda mais alto.
Assim, embora a ampla maioria do mercado considere a manutenção da Selic como o cenário mais provável para esta reunião, a escalada do risco fiscal tende a tornar a decisão mais “animada”, com os agentes à espera da comunicação do Copom sobre os próximos passos na condução da política monetária. Cabe apontar que, nas falas dos diretores do BC desde a reunião de outubro, a incerteza elevada sobre os gastos públicos foi um dos pontos mais abordados em eventos, num reflexo das discussões sobre a PEC da Transição.
No mercado de juros futuros, durante os momentos de estresse mais intenso, a taxa Selic embutida nos vencimentos chegou a ser precificada em 15% ao ano em meados de 2023. Desde então, o humor dos agentes mostrou alguma melhora, mas a possibilidade de uma retomada do ciclo de aperto se mantém no radar.
Na visão do economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, “um aumento dos gastos públicos acima de R$ 100 bilhões e a retirada do Auxílio Brasil do teto de gastos irão gerar uma piora do risco fiscal, alta da relação dívida/PIB, o que terá pressão sobre a taxa de câmbio e sobre a inflação”.
É com base nesse cenário que a Genial trabalha com uma retomada das elevações na Selic em 2023, com uma taxa que chega a 14,5% no próximo ano. “A desvalorização cambial deve gerar uma pressão sobre a inflação que, muito provavelmente, fará com que o BC tenha de voltar a aumentar a taxa de juros para evitar uma aceleração inflacionária”, diz Camargo.
Isso, na visão dele, está relacionado tanto ao aumento do risco fiscal decorrente da perspectiva de elevação nos gastos públicos quanto ao fato de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) deve continuar a aumentar os juros. Assim, o menor diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos deve forçar um câmbio mais desvalorizado.
Em relação à decisão desta semana, participantes do mercado lembram que o BC não costuma interferir nas questões de política fiscal e, como as negociações para a aprovação da PEC ainda estão em andamento, seria prematuro que a autarquia adotasse uma postura mais conservadora no momento.
“Há um grande nível de incerteza e o BC não se antecipa a esses movimentos. Ele está mapeando e monitorando as expectativas de inflação, que, até agora, não sofreram mudanças radicais no Focus [boletim que coleta projeções de mercado]. Além disso, as condições de mercado pioraram e isso vai um pouco na linha da política monetária contracionista que ele deseja, de mais aperto das condições financeiras”, diz o superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, Mauricio Oreng.
A novidade da reunião pode estar, para ele, em uma possível alteração no balanço de riscos. “Talvez o Copom possa deixar mais explícito que o balanço de risco está mais enviesado para cima. Não está claro atualmente, na análise do balanço de riscos, que existe um viés assimétrico. Seria interessante reforçar os discursos que foram feitos recentemente pelas autoridades e deixar mais claro o que poderia acontecer com a política monetária caso os riscos fiscais se materializem.”
Visão semelhante é defendida pelo economista-chefe da Apex Capital, Alexandre Bassoli, para quem o Copom pode voltar a classificar o balanço de riscos como assimétrico. Ele, porém, diz não ter grande convicção sobre essa mudança.
“A comunicação dos membros do Copom nas últimas semanas tem reiterado a preocupação com a incerteza a respeito do arcabouço fiscal. Não sei se vão caracterizar como um balanço de riscos assimétrico, mas existe a possibilidade. O ponto central é que o Copom ainda tem indicado que, em um horizonte de curto prazo, a probabilidade maior é de voltar a elevar os juros do que de cortar. Está implícita uma certa assimetria na direção de voltar a subir juros caso isso se mostre necessário”, afirma.
O economista da Apex diz que o nível de incerteza em relação à política monetária “aumentou muito, porque ela depende crucialmente de informações” sobre a política fiscal que ainda não há. Por mais que o cenário central da gestora não seja o de elevação adicional da Selic, a probabilidade de que novas altas aconteçam cresceu. “E isso depende das definições acerca do arcabouço fiscal que virá a ser adotado”, diz Bassoli, que elevou a projeção para a Selic no fim de 2023 de 11,5% para 12,5%.
Da mesma forma, o diretor de investimentos da Vivest, Jorge Simino, acredita que é cedo para alterações mais fortes no tom do comunicado. “Não vejo, neste momento, espaço para isso”, diz o profissional, para quem o movimento expressivo no mercado de juros foi devido a uma reversão das expectativas no front fiscal e a um ajuste técnico do mercado. “Muita gente acreditava que o BC já cortaria juros no primeiro semestre, mas, diante das notícias recentes, foi necessário reverter a posição. Nesses momentos, o mercado tende a rodar 180 graus e sai de uma ponta para a outra. Um pedaço do ajuste foi puramente técnico.”
Para Simino, falar em aumentos de juros no início de 2023 é prematuro. “O BC não vai ter informações suficientes para colocar em dúvida de forma severa o centro da meta de inflação de 2024, a menos que haja um fator extremamente negativo. Isso não está no radar hoje, não a ponto de o BC ter de adotar um comportamento desse tipo.”
Ao observar a piora recente dos preços dos ativos brasileiros, como juros, câmbio e inflação implícita, o diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, aponta que, ao serem incorporados nos modelos do BC, esses fatores podem se refletir nas projeções da autoridade monetária. “Parece um mau começo das discussões, mas nada está decidido. Não vale a pena entrar em pânico por causa disso. O mercado já precificou esse risco e, ao rodar o modelo com essas variáveis de mercado, esses fatores já acabam sendo levados em conta.”
Para ele, “o BC pode acabar adicionando um pouquinho mais de viés de inflação para cima devido ao maior risco fiscal de médio e longo prazo, mas é bem mais provável que isso seja mais elaborado na ata”. O Goldman Sachs vê a Selic em 10,75% em 2023, mas, segundo Ramos, “a trajetória de riscos seria na direção de um pouco mais de inflação e menos cortes de juros”.
É o que indica, também, a economista-chefe da A.C. Pastore & Associados, Paula Magalhães, cujas projeções para o IPCA e para a Selic têm viés altista. “Esperamos algum alerta em relação ao aumento de gastos no ano que vem. Parece que isso já se reflete um pouco na inflação esperada para 2023 e nas expectativas para a Selic. Achamos que deve haver um novo alerta antes de uma possível nova desancoragem, até porque o BC já havia indicado isso em reuniões passadas.”
Magalhães, assim, acredita que um alerta sobre o risco fiscal no comunicado pode indicar que o Copom “está de olho”, o que fortalece a ideia de juros altos por muito tempo. “O juro, que já ficaria elevado por mais tempo, pode ficar parado por um período ainda mais prolongado e uma nova alta não pode ser descartada”, diz.
Fonte: Valor Econômico
