Por Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
18/11/2022 05h02 Atualizado
O estresse observado no mercado de juros, provocado pelo aumento da incerteza com a sustentabilidade da dívida pública, trouxe à tona a discussão sobre a possibilidade de uma retomada do ciclo de elevação da Selic, que hoje está em 13,75%. Embora o sarrafo para aumentos adicionais na taxa básica esteja bastante elevado, o mercado futuro de juros passou a embutir nos preços a chance de uma alta já no começo de 2023, diante da forte aversão a risco provocada no mercado.
Ontem, a taxa do DI para janeiro de 2024 chegou a subir a 14,54% na máxima do dia. No fechamento dos negócios, porém, declarações do ex-ministro Aloizio Mercadante sobre redução de despesas foram vistas positivamente pelos investidores e geraram uma leve acomodação nos juros futuros. Assim, a taxa do DI para janeiro de 2024 caiu de 14,11% para 14,03%, mas manteve nos preços chances de aumentos nos juros no próximo ano.
Embora ressalte que ainda é cedo para fazer afirmações taxativas sobre os próximos passos da política monetária, já que ainda não se sabe o tamanho do impulso fiscal a ser gerado pela PEC da Transição, o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, alerta que “é preciso ficar com a mente aberta”. “A discussão pode alterar significativamente o cenário de juros no país.” Rocha lembra que, antes da apresentação da PEC, o cenário-base do mercado incluía Selic a 11,25% no fim de 2023, com início do ciclo de cortes em junho e um “waiver” (perdão) de aproximadamente R$ 80 bilhões além do teto para gastos. “Agora está vindo uma PEC que aumenta o gasto em R$ 200 bilhões. Essa diferença é de aproximadamente 1,2% do PIB de uma política mais expansionista.”
Nos cálculos de Rocha, os impactos do impulso fiscal e uma provável piora das expectativas inflacionárias levariam a inflação de um ano à frente a ficar 0,5 ponto percentual mais alta, o que geraria um custo aproximado de 1,5 ponto de Selic a mais. “Isso quer dizer que, se o mercado esperava um corte de 2,5 pontos no ano que vem, os juros devem cair apenas 1 ponto. É bem decepcionante.”
As discussões sobre os rumos da política fiscal, assim, afetam diretamente o balanço de riscos do BC para a inflação, nota a economista-chefe do Credit Suisse Brasil, Solange Srour. “É muito difícil dizer se os juros vão subir ou quando vão subir. O que nós conseguimos dizer, neste momento, é que o balanço de riscos mudou. Ainda que a PEC não seja aprovada do jeito que está, se tivermos um cenário que continue trazendo incerteza fiscal, vai ficar claro que não tem espaço para queda de juros e, inclusive, que eles poderiam voltar a subir.”
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem destacado, em suas últimas apresentações, as incertezas fiscais e enfatizado a sensibilidade dos mercados com o exemplo da disparada dos juros no Reino Unido. “Precisamos passar aos investidores a mensagem clara de que vamos cumprir o nosso mandato de um jeito ou de outro”, alertou Campos em evento do Bradesco BBI na terça-feira.
Ontem, no momento de estresse mais agudo no mercado de juros, logo na abertura da sessão, o mercado chegou a colocar no preço uma Selic que ficaria acima de 14,5% em meados de 2023. O alívio visto no fim do dia ajudou a amenizar a precificação de alta de juros no próximo ano, mas o mercado ainda mantém na curva de juros a chance de uma taxa acima de 14%.
Para Srour, do Credit Suisse, mesmo que o BC já tenha cumprido o seu papel do ponto de vista da política monetária, um cenário de descontrole de gastos pode levar a autoridade a ser “atropelada” pelas questões fiscais. “Caso ele se veja obrigado a reagir, pela perda da âncora fiscal, suas ações acabam sendo ineficazes. A expectativa de dívida fica ainda maior e a política monetária acaba colocando mais peso na piora da dívida. Os agentes começam a pensar que a inflação é a solução para o problema fiscal, pelo aumento das receitas ou pela melhora do denominador dívida/PIB. É uma situação muito ruim. O BC, nesse caso, age, não colhe frutos e acaba colocando ainda mais fogo em um problema que não foi ele que causou”, afirma.
Na visão da economista, o que o BC tem feito é “colocar os alarmes para tocar”. “Os recados já estavam presentes na ata, quando o Copom reforçou o episódio do Reino Unido e manteve a sinalização de que, se precisasse, voltaria a subir juros. O Roberto Campos Neto também alertou que 2023 pode ser um teste para a autonomia da instituição. O BC está tentando, através da comunicação, alertar para o perigo e dizer que está atento, que é autônomo e que vai agir”, avalia Srour.
Visão semelhante é defendia pelo economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico. “Entramos em uma zona em que, sim, podemos discutir eventualmente subir os juros em um cenário mais extremo”, diz o profissional, embora ressalte que esse não é seu cenário básico.
“Você primeiro comunica que a questão fiscal está tendo um preço maior e que vai ter que postergar as quedas nos juros. E, depois, se necessário, indica que terá de subir a Selic de fato. O BC não vai jogar gasolina na discussão, mas ele precisa reagir e constatar que o cenário fiscal e os preços dos ativos estão deteriorando”, enfatiza Velecico.
O economista observa, porém, que a Genoa trabalha, ainda, com um cenário em que alguma racionalidade em relação ao tamanho do “waiver” volte a imperar. “Ainda temos um incentivo para isso. Um waiver de R$ 200 bilhões ou acima disso geraria uma dinâmica de dívida muito explosiva e, para que ela não se mantenha nesse caminho, seria necessário fazer uma agenda muito negativa nos próximos três anos e que estaria mais associada a menos crescimento e mais desemprego”, nota.
“No frigir dos ovos, esperamos alguma racionalidade, embora os sinais que estamos vendo não estejam indo nessa direção”, diz Velecico. A Genoa, assim, não trabalha com uma retomada do ciclo de aperto em 2023, “mas postergar queda de juros, com certeza”.
Nesse sentido, o economista-chefe do Original, Marco Antonio Caruso, avalia que o nível da piora fiscal para que a Selic volte a subir é alto. “O tamanho da deterioração da expectativa de inflação teria que ser muito grande, principalmente para 2024. Claro que isso vai depender de como o jogo vai ser jogado a partir daqui, mas acho que a gente ainda não chegou no resultado em que o BC deveria subir juro iminentemente”, afirma.
O agravante, para ele, é a postura de flexibilização fiscal ser adotada já no primeiro ano de mandato. “Você faz isso no ano em que, teoricamente, se faz arrocho, e não o contrário. O mercado se pergunta: ‘o que será de 2024, então?’”, aponta o economista.
No calor das discussões relacionadas à PEC, o mercado desfez praticamente toda a precificação de cortes na Selic em 2023 e ainda passou a colocar aumento nos juros. Rocha, da JGP, lembra que sempre que há zeragem de posições nos juros, “o preço vai para um patamar que, talvez, não seja o de equilíbrio”, mas no qual o preço novo será mais alto que o anterior.
Os estrategistas do Citi preferem ficar “de lado” no Brasil neste momento. “Enquanto estamos precificando novas altas nas taxas na ponta curta da curva de juros, que provavelmente não se concretizarão, o anúncio do ministro da Fazenda ainda é uma questão em aberto e com incerteza elevada”, destacam. (Colaborou Anaïs Fernandes)
Fonte: Valor Econômico

