Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
18/07/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
No momento em que a piora na percepção de risco fiscal tem aumentado e pressionado os ativos brasileiros, o debate em torno de um aumento na taxa de juros “neutra” – aquela que não estimula nem contrai a economia – ganhou peso entre os participantes do mercado. Em 2021, os riscos fiscais em alta já haviam levantado a discussão sobre um aumento no juro de equilíbrio. Agora, a cautela dos agentes com o cenário fiscal de médio prazo se soma, ainda, à pressão altista dos juros globais, o que pode indicar uma taxa de equilíbrio ainda mais elevada.
O Santander foi uma das primeiras casas a elevar sua estimativa de juro real de equilíbrio para 4% ainda no início de 2021 e, desde então, tem trabalhado com sua projeção nesses níveis. Na visão do superintendente de pesquisa econômica do banco, Mauricio Oreng, a dinâmica de alta dos juros globais e os riscos fiscais domésticos ajudam a explicar o movimento.
“Naturalmente, existe a questão fiscal, que é um fator que está por trás de um aumento do juro neutro e que permanece no cenário, dado que estamos vendo novos estímulos. Mas, além disso, também vemos um segundo fator, que é o juro internacional. Pode ser que estejamos diante de um quadro de aumento no nível estrutural dos juros lá fora também. É um fator adicional”, afirma Oreng.
Ele ressalta, ainda, que não é possível descartar a possibilidade de que o juro de equilíbrio continue a subir em função desses fatores. “Claro que há uma incerteza bastante elevada, mas tentamos conciliar o que está nos preços no mercado e extrair o prêmio de risco. Nossas medidas baseadas na curva de juros mostram que chegamos nesses 4%, mas há um certo viés de alta baseado nos preços de mercado”, observa o profissional.
Nos últimos dias, a pressão exercida pelos juros globais e a escalada nos riscos domésticos levou os juros reais, extraídos das NTN-Bs, títulos públicos atrelados ao IPCA, a subirem acima de 6% em prazos intermediários e longos.
No Relatório de Inflação (RI) apresentado em junho, o Banco Central divulgou que passou a trabalhar com uma estimativa de juro neutro de 4% em termos reais. Durante a entrevista coletiva concedida em 23 de junho, o diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, apontou para as incertezas em torno da estimativa de juro neutro, mas não detalhou o motivo para a alta da taxa.
Com base nos modelos divulgados pelo BC no RI de dezembro de 2021, o superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, Fernando Gonçalves, aponta que alguns fatores, como a piora do risco medido pelos contratos de cinco anos de CDS e o excesso de capacidade da economia mundial ajudam a explicar o aumento do juro de equilíbrio pela autoridade monetária. “Talvez a questão fiscal do governo e o hiato do produto mundial em fechamento possam explicar o motivo de o BC ter revisado a estimativa para cima”, afirma.
O Itaú, porém, tem trabalhado com uma estimativa de juro neutro em 3,5% em termos reais. “Como é uma variável não observável, há dificuldades em estimar. Por enquanto, não fizemos mudanças em nossas estimativas em relação a esse valor”, diz Fernando Gonçalves. “Há um exercício contínuo sobre se esse nível faz sentido nas variáveis da economia. Os modelos são revisados, mas continuamos a trabalhar com um juro real neutro de 3,5%”, afirma o economista do Itaú.
O economista-chefe do Sicredi, Pedro Lutz Ramos, afirma que há algumas evidências de que a taxa de equilíbrio possa ser ainda maior do que a atualmente estimada pelo BC. A resiliência do mercado de trabalho e dos indicadores de atividade econômica tem surpreendido, mesmo após o aperto monetário expressivo promovido pelo BC. Além disso, a desaceleração do crédito também tem sido bem menor do que a projetada para uma Selic nos níveis atuais.
Para o economista do Sicredi, o patamar elevado de rentabilidade das empresas brasileiras, que se beneficiam do preço alto das commodities e do câmbio mais depreciado, é um fator a ser observado. “O retorno sobre o patrimônio (ROE) das empresas em um patamar elevado sinaliza que elas têm condições de investir, mesmo em um cenário de juro maior. Mais rentáveis, as empresas têm condições de viabilizar investimentos mesmo tomando juros mais caros”, afirma.
Nesse cenário em que as pessoas têm mais disposição a gastar e em que as empresas tendem a investir mais, mesmo com juros mais altos, Ramos acredita que a taxa neutra esteja por volta de 4,5% em termos reais.
O economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho, por sua vez, lembra que o juro neutro sofreu queda forte nos últimos anos diante de um arcabouço fiscal mais sólido e mudanças no mercado de crédito, com a substituição da TJLP pela TLP. “O arcabouço fiscal está ruindo. Há uma deterioração da questão fiscal no Brasil em relação à trajetória. Vai ser muito difícil olhar à frente e não ficar preocupado e isso pressiona o juro neutro para cima. Já o segundo fator, que foi o fim das distorções no mercado de crédito, continua. É algo que indica que um pedaço da queda do juro neutro que tivemos não foi perdida”, diz Carvalho.
Apesar do aumento da taxa de equilíbrio, o economista da Truxt diz acreditar que os níveis vistos anteriormente não devem voltar a ser vistos. “Talvez o juro neutro esteja mais alto, em torno de 4,5%, mas isso não é sinal de que a política monetária não está restritiva. Antigamente o juro neutro estava em 6%, 6,5%. Não parece que estejamos nesses níveis agora”, afirma.
Fonte: Valor Econômico