Por Fábio Couto, Kariny Leal, Liane Thedim e Felipe Laurence — Do Rio e de São Paulo
24/10/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
A Petrobras anunciou ontem três propostas de mudanças no estatuto social da companhia que tiveram reflexos negativos imediatos em suas ações – as quedas dos papéis na bolsa alcançaram os 6%. As iniciativas, que foram aprovadas pelo conselho de administração e serão levadas a uma assembleia de acionistas, foram: a exclusão de vedações a indicações de administradores; a revisão da política de indicação de membros da alta administração e do conselho fiscal; e a criação de uma reserva de remuneração de capital, que, segundo a companhia, não altera a política de remuneração.
Analistas de mercado e fontes próximas à estatal enxergam menos dividendos distribuídos aos acionistas e impactos sobre a governança, ao analisar as duas das principais propostas aprovadas pelo conselho. O texto prevê a retirada de trechos que constam na Lei das Estatais (13.303/2016).
Devido ao anúncio, as ações ordinárias (ON) da estatal fecharam o pregão da B3 em queda de 6,03%, a R$ 38,35, enquanto as preferenciais (PN) encerraram o dia com queda de 6,61%, a R$ 35,35. Com isso, a Petrobras perdeu R$ 32,3 bilhões em valor de mercado ontem. O recuo ofuscou uma marca registrada há pouco, no último dia 10, quando a companhia atingiu o maior valor de mercado dos últimos dez anos, segundo o Valor Data.
Enrico Cozzolino, sócio e chefe de análise da Levante Investimentos, afirma que o preço da estatal na bolsa já tem um desconto histórico frente a seus pares por causa da ingerência política. Para Yallon Mazuti de Carvalho, da Box Asset Management, grandes investidores não aprovaram a decisão, o que puxou o recuo do preço que, segundo ele, “já estava esticado” devido à alta do petróleo no mercado internacional nos últimos meses.
Fontes próximas à empresa afirmaram que a decisão do conselho não alterou a política de dividendos recém-aprovada, que prevê o pagamento de 45% do fluxo de caixa livre (diferença entre o fluxo de caixa operacional e os investimentos). O que pode ser afetado é a distribuição de dividendos extraordinários, acima do montante previsto pela política da companhia. O limite de retenção para a formação da reserva de remuneração não pode superar o capital social da Petrobras, hoje de R$ 250 bilhões.
O texto ainda depende de aprovação em Assembleia Geral Extraordinária (AGE), que deve ser convocada nos próximos dias. Em caso de aprovação, o recurso retido fica no caixa da companhia e pode ser usado, por exemplo, para investimentos. A proposta foi aprovada pelo conselho pouco mais de um mês antes da divulgação da nova versão do Plano Estratégico 2024-2028 da Petrobras, diante dos sinais que o governo já vinha emitindo de que pretendia reduzir dividendos para aumentar os investimentos.
“Foi um desastre”, disse uma das fontes. A União é a principal acionista da companhia e maior beneficiada com os altos dividendos pagos nos últimos anos. Na prática, avalia outra fonte, a destinação dos recursos será definida em função do caixa do governo. “O resultado do ano de 2023 está dado.”
Quanto à governança, uma terceira fonte próxima à companhia afirmou que a empresa não deixou de cumprir a Lei das Estatais, mas apenas adequou a redação, deixando de reproduzir “ipsis litteris” a lei. “Não há redução na governança”, defende a fonte.
A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) vê com preocupação e aguarda mais detalhes sobre as mudanças: “É difícil dissociar o anúncio feito hoje [ontem] pela Petrobras do contexto de percepção do mercado de que a comunicação feita pela empresa vem sendo ruim e pouco detalhada”, disse Fábio Coelho, presidente da Amec, ao Valor. Coelho disse que a flexibilização na política de indicações para conselhos e diretoria continua a tendência de intervenção cada vez maior na Petrobras, reforçando a tese de enfraquecimento na governança corporativa da companhia.
O advogado Otavio Yazbek, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários, diz que a alteração no estatuto causa incômodo porque, para ele, a Lei das Estatais é uma conquista que ajuda a manter as empresas com controle estatal num patamar de gestão mais técnico. “Indicações políticas são uma prática que já se mostrou insatisfatória, porque piora a qualidade da gestão da companhia em um ambiente em que cada vez mais se discute governança corporativa.” Além disso, frisa Yazbek, a mudança cria insegurança jurídica porque foi feita em cima de uma liminar monocrática do ministro do STF Ricardo Lewandowski. “E se o processo correr e se decidir que essa decisão não fica em pé… O que vai ser fazer com aqueles que foram indicados para a Petrobras?”
Para José Guilherme Berman, sócio de infraestrutura, regulação e assuntos governamentais do BMA Advogados, fazer a mudança agora é uma decisão precária e precipitada. “O acionista controlador precisa ter segurança para indicar nomes que vão permanecer no cargo, sem questionamento futuro.” Já Carlos Martins Neto, sócio do escritório Moreira Menezes, Martins Advogados, diz que o ponto de vista da governança é um retrocesso. “Não é um cargo figurativo, são pessoas que têm expertise e que trabalham para direcionar a atuação da companhia. É preciso se dedicar a essa função.” De acordo com Yazbek, a reação do mercado, com a despencada das ações na bolsa foi muito clara. “Mostra que se preza uma governança independente, que não seja marcada por critérios políticos”, diz.
Em esclarecimento enviado ao mercado no fim do dia, a Petrobras afirmou que o objetivo da proposta de revisão do estatuto é manter a regra atualizada para “quaisquer que venham a ser as decisões judiciais sobre o tema”. “Não há qualquer redução nas exigências em relação à Lei das Estatais, pois o Estatuto Social continua a fixar o cumprimento total da Lei das Estatais nas indicações, conforme estabelecido em seu artigo 21.”
A proposta para excluir vedações acontece em meio à decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de iniciar processo sancionador contra a eleição de integrantes do conselho da Petrobras mesmo após parecer contrário de instâncias internas de governança da estatal.
O diretor de engenharia, tecnologia e inovação da Petrobras, Carlos Travassos, enxergou o recuo das ações de ontem como um “movimento normal de mercado”, e não como uma resposta negativa ao comunicado. Em resposta ao Valor, Travassos afirmou que, no geral, os investidores da companhia compreendem as decisões da atual gestão: “O resultado das ações de forma geral é muito positivo, como vemos o histórico desde o início do ano. O mercado tem entendido que nossas decisões [da atual gestão] olham para o longo curso da Petrobras”.
No fim de julho, a companhia anunciou mudança na política de dividendos. Até então, a regra previa o pagamento, ao acionista, de 60% do fluxo de caixa livre, patamar que hoje está em 45%.
O conselho de administração da Petrobras havia aprovado ainda a realização de programas de recompra de ações, operação que tira papéis de circulação a fim de aumentar a cotação e a liquidez dos ativos, uma iniciativa até então inédita na petroleira. Desde o início do governo Lula, a política de dividendos era alvo de mudanças. A redução dos montantes distribuídos aos acionistas era considerada como necessária para elevar os investimentos da Petrobras.
Analistas de mercado enxergaram aumento nas incertezas após o anúncio de ontem. Na visão de André Vidal e Helena Kelm, da XP, as propostas representam um retrocesso na governança corporativa da empresa e maior flexibilidade para não pagar dividendos extraordinários, mas não podem ser vistos como completamente inesperados. Os analistas dizem que a proposta de mudança no estatuto que permite a indicação de pessoas politicamente expostas à diretoria e aos conselhos parece ser uma resposta da Petrobras aos questionamentos envolvendo nomes para o colegiado. “Vemos a formalização dessa liminar como um retrocesso muito negativo.”
Para o analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman, o anúncio mostra que a Petrobras ainda não superou questões envolvendo riscos na sua governança corporativa. “A criação de uma reserva de capital mexe com a possibilidade de dividendos extraordinários. Não altera os obrigatórios, mas certamente reduz a capacidade da Petrobras de pagar além do necessário.”
Bruno Amorim, João Frizo e Guilherme Costa Martins, do Goldman Sachs, escrevem em relatório que a forma como a Petrobras formulou a proposta, permitindo a formação da reserva de capital somente após o pagamento de dividendos, assegura os pagamentos obrigatórios.
No início de outubro, a Petrobras anunciou a reestruturação da diretoria de governança. Mário Spinelli, diretor da pasta, afirmou na ocasião que a mudança é uma tentativa de fortalecer os processos da estatal. Segundo o executivo, a ideia de deixar a diretoria mais robusta surgiu quando assumiu a área, no fim de abril: “Comecei o processo quando assumi e verifiquei que era necessário aprimorar a estrutura. Desde abril, estávamos diagnosticando questões e olhando para dentro”. As novas gerências dentro da diretoria começam a entrar em operação oficialmente em novembro. Spinelli nega que a reorganização tenha sido uma resposta a situações individuais.
Fonte: Valor Econômico

