Por Matheus Schuch, Guilherme Pimenta e Marcello Corrêa — De Brasília
05/04/2023 05h01 Atualizado há 3 horas
A despeito de diversos questionamentos de especialistas, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, argumenta que a viabilidade do novo arcabouço fiscal do governo não depende do aumento da arrecadação de receitas. Em entrevista exclusiva ao Valor, Ceron afirmou que o ponto mais importante do marco regulatório apresentado na semana passada é garantir um horizonte de sustentabilidade das contas públicas.
O secretário destacou, no entanto, que as medidas de aumento de receita propostas pela equipe econômica farão com que esse ajuste ocorra mais rapidamente. Quando foi anunciado, o plano do governo foi criticado por parte dos especialistas, que criticou a dependência de um ajuste mais intenso ao incremento da arrecadação e um risco de um incentivo ao aumento da carga tributária.
Ceron detalhou os planos do governo para a regra que definirá a variação da receita acumulada a ser usada como referência para estabelecer o teto de crescimento das despesas no ano seguinte. Segundo ele, a tendência é que seja considerado o intervalo de junho a julho. De acordo com estimativas de mercado, esse referencial resultaria em um limite menor para o crescimento de gastos, chegando até ao mínimo de 0,6% para 2024. O secretário afirmou, no entanto, que a equipe técnica tem evitado se basear no “curtíssimo prazo” e encontrar uma solução que traga mais segurança e previsibilidade na previsão orçamentária. O martelo em relação a essa questão, no entanto, ainda não foi batido.
Diante da possibilidade de que o limite para despesas seja menor no próximo ano, Ceron afirmou que “não dá para sofrer com antecedência”, quando questionado sobre como acomodar gastos extras em 2024, como aumento de salário mínimo, gastos com servidores, aumento para saúde e educação e investimentos. A ideia, afirmou o secretário, é que o desenho seja sustentável “para aguentar não só este ciclo de governo, mas que seja permanente”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Pendências do arcabouço
Queremos deixar o texto o mais pronto possível nesta semana, para que seja submetido ao Congresso na semana que vem. Faltam alguns ajustes de técnica legislativa. Ainda há uma discussão menos de mérito e mais jurídica do que fica, por exemplo, na lei complementar ou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Referência para receita
Recebemos preocupação de haver mais de uma data de referência. Inicialmente, pensamos que você poderia colocar um parâmetro na LDO e depois ficaria opção de atualizar na lei orçamentária, mas houve reação de que isso ficaria confuso e você poderia usar melhores índices. Então estamos discutindo para cravar apenas uma data. Não serão dois pontos de referência. A tendência é ficar de julho a junho.
Efeitos na LDO
Sempre se tem um trade-off [conflito] porque, com parâmetro de junho, você faz uma LDO sem parâmetro e somente na LOA [Lei Orçamentária Anual] você vai definir de fato. Por outro lado, pode trazer mais segurança. Mas acho o prazo irrelevante porque às vezes a discussão recai sobre um exercício e não o que ocorre no horizonte. Junho é melhor? Tem vantagens e desvantagens.
Horizonte do arcabouço
O horizonte do arcabouço não é 2024, se ele for bem-sucedido irá virar uma nova LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal], ou seja, um conjunto de regras que a sociedade vai blindando e não permite que ele seja alterado. A LRF ficou 15 anos sem alteração porque a sociedade validou. Nosso cuidado é montar um arcabouço que permaneça no tempo e crie bom caminho e se ajuste a ciclos econômicos diferentes.
Receptividade
Aquele discurso de que poderia haver gastança descontrolada acabou. Está aqui o desenho, tem limite de despesas e é de fácil compreensão para as famílias de que a sua despesa não pode crescer mais do que a sua receita. Fazendo isso, você garante, igual a LRF, que a trajetória será fiscalmente saudável. O arcabouço assegura que os ciclos serão mais suaves.
Intensidade da regra
A direção do movimento foi bem compreendida por todos os agentes, sociedade e mercado. Agora, tem alguns que acham que deveria ser mais ou menos intenso, é essa a discussão legítima.
Receita x arcabouço
É preciso ficar claro que medidas de incremento de receita não afetam a viabilidade do arcabouço, elas têm a ver com a intensidade do movimento. Se a sociedade quiser que o movimento seja mais intenso, preciso tomar medidas de combate a distorções em nosso sistema [fiscal e tributário]. O que afeta é mais o compromisso político de seguir uma trajetória de primário. Mas o arcabouço segue o seu curso. Ele vai seguir independentemente das metas de primário.
Referências de regra
Hoje o mundo todo olha muito mais indução de investimentos e regras compatíveis com ciclos econômicos que existem e não podemos negar. Então você precisa estar preparado para não se empolgar em movimentos de alta e não criar um caos em movimentos de baixa. 2,5% é a média de crescimento nos últimos 30 anos. No médio e longo prazos, a não ser que tenha uma quebra estrutural, o Estado ficará no mesmo tamanho que está.
Aumento da carga tributária
Há quem diga que, para o arcabouço ser viável, ele precisa do aumento da carga tributária. Errado. Conceitualmente errado. Para aquela intensidade de movimento se concretizar, preciso de aumento de receita. Se ele não acontecer, o ajuste vai ocorrer do mesmo jeito, com horizonte de tempo maior. O desenho continua em pé.
Medidas da arrecadação
A discussão que está posta não é sobre a despesa mais, e sim a discussão de caminhar com as políticas que o governo se comprometeu, chegando em 2026 com o fiscal arrumado e trajetória de dívida estável. Se corrigir três, quatro e cinco buracos do sistema tributário, a gente resolve. É um debate legítimo, vamos mostrar que tem distorções. Quem está sendo beneficiado hoje vai resistir e expor suas razões.
Recuperação da receita
Se estivéssemos com a mesma base fiscal do ano passado, a discussão estaria em outro patamar. O Estado brasileiro perdeu 1,5% do PIB em receitas renunciadas em 2022, com efeitos em 2023. E há as subvenções, com debate legítimo judicial. Uma coisa é a previsão para dar benefício fiscal à subvenção ao investimento, pois é capacidade produtiva e benefício para a sociedade. O problema é que, como foi redigido, empresas começaram a alargar e criar teses. Está alcançando R$ 130 bilhões de renúncia, sendo que R$ 30 bilhões são atrelados a investimento.
Gatilhos no arcabouço
Há ações mitigadoras se houver uma persistência, tanto pela receita quanto pela despesa. Vamos colocar diretrizes, mas que a medida específica seja indicada ou na LDO ou na LOA, permitindo que cada governo faça sua priorização de medidas, com a visão do que é considerado importante para cortar ou deixar de crescer, respeitando os mínimos constitucionais de saúde e educação.
Mínimos para saúde e educação
Está sendo feito um esforço muito grande de mudar o patamar de saúde e educação. Eles estavam dentro do teto, sem nenhum crescimento real. Há discussão se o indicador de hoje é o mais adequado porque a receita traz muita volatilidade. O que a gente gostaria de conversar é tentar encontrar indicadores mais estáveis, que garantam crescimento real, mas de forma mais estável e previsível. Seria um número fixo real ou outro indicador que tenha menos oscilação.
Previsões de crescimento baixas
Não dá para sofrer com antecedência. Para nós, neste momento, o importante é o desenho do arcabouço. Estou menos preocupado, nesta primeira discussão, com o que vai acontecer em 2024. Daqui a pouco a gente chega para a discussão das regras da PLOA [Proposta de Lei Orçamentária Anual] e de 2024, aí vai ser discutida.
Precatórios
Temos uma preocupação muito grande com esse problema. A gente precisa resolver ou pelo menos não deixar o problema crescer muito. É um problema contratado para 2027, mas a gente quer chegar até lá com ele resolvido. Talvez tenha alguma autorização de pagamento extraordinário, se a gente conseguir performar melhor.
Fonte: Valor Econômico
