Por Alex Ribeiro — De São Paulo
13/04/2023 05h00 Atualizado há 5 horas
A proposta de arcabouço fiscal apresentada pelo governo Lula poderá abrir o caminho para aumentar a meta de inflação adotada pelo Brasil, dependendo da sua tramitação no Congresso e de uma maior aceitação junto ao mercado financeiro e aos demais agentes econômicos.
Essa é a visão do professor Aloisio Araújo, da Escola de Pós-Graduação em Economia Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE) e do Instituto de Matemática Aplicada (Impa). Há algumas semanas, ele apresentou pela primeira vez no Brasil um trabalho acadêmico, elaborado com outros pesquisadores, que sugere que a redução gradual da meta de inflação a partir de 2017, de 4,5% para 3%, foi equivocada.
Dependendo de como andar o arcabouço fiscal no Congresso, argumenta, seria possível corrigir os rumos. “Em 2003, o governo mudou a meta de inflação, e a experiência foi bem-sucedida”, disse Araújo ao Valor. “Mas tudo foi feito em um ambiente de credibilidade, incluindo uma agenda de reformas e um ajuste fiscal que levou à redução da dívida pública.”
Ele lembra que, na implantação do regime de metas de inflação, o Conselho Monetário Nacional (CMN) adotou metas decrescentes, começando em 8% para 1999, 6% para 2000, 4% para 2001, 3,5% para 2002 e 3,25% para 2003. Mas, em 2002, a inflação saiu de controle e chegou a 12,5%. Em 21 de janeiro de 2003, início do primeiro governo Lula, o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, publicou uma carta aberta adotando metas ajustadas de 8% para 2003 e de 5,5% para 2004. A mudança, argumenta, ajudou a reconquistar a credibilidade no sistema porque veio acompanhada de uma ação na política fiscal
Naquele período, Araújo foi um crítico das metas muito ambiciosas. Sua intuição era de que o problema fiscal não tinha desaparecido e iria criar dificuldades como as do regime anterior, de câmbio fixo. Ao longo dos anos, ele apurou essa intuição em artigo acadêmico elaborado com Vitor Costa (Impa), Rafael Santos (University of Rochester), Paulo Lins e Serge Valk, os dois últimos da FGV EPGE.
Ao longo dos anos, esse estudo vinha sendo apresentado de forma mais teórica. Desta vez, os autores fizeram estimativas mais práticas que verificam, basicamente, qual seria a meta ótima para o Brasil.
A conclusão é que, se a dívida bruta estiver mais baixa, em 60% do Produto Interno Bruto (PIB), a meta de inflação ótima seria de 2%. Com dívida em 70% do PIB, a meta ótima seria de 4%. Se o endividamento chegar a 80% do PIB, então a meta ótima é de 5,5%. Pelo dado mais recente divulgado pelo BC, de fevereiro, a dívida bruta se encontrava em 73% do PIB.
O ponto central de seu argumento é que a meta ótima de inflação deve ser mais alta porque o Brasil é mais suscetível a choques que empurram a economia a uma zona de fragilidade fiscal.
No fim das contas, a inflação é uma forma de solucionar o problema fiscal, por isso é importante conhecer a sua interação com a política monetária. As equações do trabalho acadêmico mostram que, diferentemente do senso comum, quando as metas são muito baixas, o desvio da inflação em relação ao objetivo é maior. No fim, o custo é maior, incluindo taxas de juros mais altas.
O argumento de Araújo é na essência ortodoxo, e diametralmente oposto à da heterodoxia da Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês), que diz que virtualmente não há limites para os governos acumularem dívida em sua moeda. No governo Lula, várias autoridades sinalizaram a intenção de mudar a meta, inclusive o próprio presidente. A proposta foi apresentada como um suposto atalho para permitir que o BC baixe mais cedo a taxa básica de juros.
A discussão proposta por Araújo é diferente, porque ele não prega uma redução oportunística da meta, mas sim encontrar a meta ótima para o Brasil, ou seja, aquela que impõe menos custos para a economia.
Um dos debatedores na apresentação do trabalho acadêmico, o economista Sergio Werlang, assessor da presidência da FGV e sócio da Sarpen Quant Investments, argumentou que o Brasil deve levar em conta, numa eventual decisão de elevar a meta, o risco de aumento da inércia inflacionária. “Eu seria muito cuidadoso ao escolher metas que fossem acima de 4,5% em nosso país”, disse Werlang.
Ele também é um crítico de longa data da redução da meta de inflação para 3%, que vale a partir de 2024, porque os gastos públicos no Brasil são muito rígidos. Mas prega cautela para fazer essa mudança no contexto atual. “Não devemos subir [a meta] agora”, argumenta. “A razão é muito simples: o fiscal está em desordem no curto prazo.” Mas ele também concorda que a âncora fiscal poderá abrir o caminho para a uma mudança. “Se feito apropriadamente, com a introdução de um critério fiscal crível de longo prazo, o resultado pode ser parecido com o que aconteceu em 2003”, afirmou.
Fonte: Valor Econômico

