Por Marta Watanabe — De São Paulo
21/12/2023 05h01 · Atualizado há 5 horas
A reforma tributária pode surpreender e promete melhorar a produtividade e contribuir para um maior crescimento econômico. Mas uma emenda constitucional tão extensa, que acrescenta mais de 70 páginas à Constituição Federal, pode suscitar muitas disputas judiciais e trazer riscos fiscais à União. A partir de 2024, a reforma requer ainda acompanhamento das leis que criarão os parâmetros do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Essas foram parte das ideias debatidas em evento sobre reforma tributária promovido ontem pela Casa Lide em São Paulo.
“É muito importante para o país uma reforma desse tamanho”, diz Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda e diretor de estratégia econômica e relações com mercados do Banco Safra. “Acho que das 74 páginas do texto da reforma provavelmente umas 65 ou 70 são para dar conta de todos os detalhes e interesses legítimos da federação de um país grande, complexo e variado”, declara. Na essência, diz, a reforma seria muito simples e teria cerca de três páginas se não tivesse que atender essas preocupações.
Mesmo assim, diz, a reforma deve propiciar alocação mais eficiente dos recursos e redução de custo às empresas. Uma das grandes mudanças, destaca, será a mudança do cálculo “infernal” de créditos do atual ICMS. “Basicamente se permitirá [com o IVA] que todos as despesas da empresa, com algumas exceções, gerem crédito, no chamado crédito financeiro, com destaque na nota fiscal. Isso tem um segundo efeito de eficiência extraordinária”, avalia Levy. Além de reduzir a litigiosidade, diz, será possível automatizar o processo.
“Inclusive a divisão [de recursos] entre os diferentes níveis de governo, no chamado split. Quando se paga um boleto, cada pedacinho daquele dinheiro vai numa direção e se compensa. Quando tiver agora o crédito financeiro, isso poderá ser feito automaticamente. Empresas e Tesouro vão poder receber o dinheiro mais rápido. Vamos ter uma espécie de pix do lado fiscal”, compara Levy. “Obviamente vai ter resistência, mas será um salto extraordinário.”
“O Brasil precisa crescer 2,5% a 3% ao ano. Caso contrário o problema fiscal não tem solução”, afirma Levy. Esse nível de crescimento, diz, demanda ganho de produtividade e melhora da alocação do capital, com a melhora do custo de conformidade tributária e do processo de recebimento dos créditos do imposto sobre consumo, de forma automatizada. “Essa é a promessa da reforma.”
Para Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-secretário de Fazenda de São Paulo, haverá ganho de produtividade com a simplificação e maior uniformidade de alíquotas. Com o atual ICMS, diz, cada Estado tem uma alíquota e há várias alíquotas dentro do mesmo Estado, o que é um “pesadelo”. A reforma, diz, deve equacionar isso, e foi um grande avanço, mas uma oportunidade foi perdida com os tratamentos diferenciados pela tributação zero ou alíquota reduzida. Quanto maior o nível de exceções, lembra, maior alta a alíquota do imposto. “O projeto aprovado no Senado, nesse aspecto, estava pior. Isso melhorou bastante na Câmara, mas ainda assim teremos uma taxa entre 26% e 27%. Antes seria 28%, agora em torno de 27%, mas ainda assim é uma das taxas mais altas do mundo.”
A promulgação da reforma é um avanço histórico, mas entre os riscos embutidos há a possibilidade de a alíquota do IVA ficar mais alta que o necessário porque “há um buraco nas contas que precisa ser financiado”, avalia Caio Megale, economista-chefe da XP. Há também, diz, risco de pressão fiscal para a União ao longo do tempo. “O custo ficou salgado para compensação a Estados e fundos”.
“Estamos em meio a um turbilhão tributário”, diz Megale, lembrando que além da reforma da tributação do consumo, espera-se também a reforma do Imposto de Renda. Ao mesmo tempo há as medidas tributárias do governo para o ajuste fiscal.
A economista Zeina Latif lembra um ponto de atenção em 2024, quando começará a discussão das leis complementares à reforma do IVA. As eleições municipais, diz, podem limitar a agenda do Congresso. Mais à frente, diz, “talvez a gente se surpreenda com o resultado da reforma”. Ela compara com as reformas trabalhistas no governo de Michel Temer, “tanto a terceirização quanto a flexibilização da CLT. “Quando foram aprovadas havia muito ceticismo e hoje a gente se surpreende com o impacto, tema dos economistas ao olhar a resiliência do mercado de trabalho.”
Com 74 páginas, a emenda da reforma leva muitos detalhes para a Constituição, ressalta Jorge Rachid, ex-secretário da Receita. Ele vê, à frente, grande risco de instabilidade e lembra que o “jogo” com o novo IVA começa em 2026 e acaba em 2032. “Até lá vamos conviver com os tributos atuais e os problemas já diagnosticados e também com as questões futuras, o que é preocupante.”
Para o professor titular de direito financeiro da Universidade de São Paulo (USP) Heleno Torres, a reforma é necessária e é um marco indiscutível, mas “é inaceitável que numa democracia, por desconfianças federativas e dos atores que fazem parte do processo político, tenhamos que inserir tantas páginas na Constituição para chegarmos ao resultado da reforma tributária”. Ele lembra que nenhuma Constituição no mundo contempla tamanha extensão de texto e agora isso se amplia mais ainda. “Uma palavra na Constituição leva a processos intermináveis no STF de discussões semânticas.”
A quantidade enorme de texto, avalia, levará a discussões sobre a compatibilidade não só entre o texto constitucional e o das leis complementares, mas também sobre a compatibilidade entre a regulamentação, as leis complementares e a Constituição. “Isso dará enorme espaço para judicialização não só por tributaristas, mas por procuradores de Estados e municípios que estarão ávidos para ampliar sua competência e o poder de atração de recursos para o destino ou para fundos correspondentes.”
Fonte: Valor Econômico

