Por Sergio Lamucci, Valor — De São Paulo
17/12/2023 08h21 Atualizado há um dia
A reforma tributária aprovada pelo Congresso vai na direção correta, reduzindo distorções e favorecendo uma organização mais eficiente da produção, embora as exceções reduzam os benefícios da mudança, avalia Armando Castelar, professor da FGV Direito Rio e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Para ele, as alterações devem estimular “as empresas a produzirem nos locais em que os custos são menores, eliminando os incentivos para verticalização da produção apenas para pagar menos imposto, combinando insumos de forma mais eficiente e decidindo em que setor investir tendo em conta custos e receitas, e não qual a carga tributária de cada um”.
Além disso, Castelar diz que a simplificação da burocracia também vai liberar recursos que podem ser mais bem aproveitados em outras atividades. “Tudo isso significa tornar mais produtivo o uso dos recursos humanos e de capital existentes na nossa economia: portanto, elevar a produtividade e, por aí, o potencial de crescimento”, afirma ele.
Nesse cenário, a reforma torna o Brasil mais atraente para o investidor estrangeiro pois “introduz um sistema mais neutro, menos burocrático e mais em linha com o existente em outras economias”, segundo Castelar. Para ele, a mudança no sistema de impostos “se alia a outras reformas importantes aprovadas em anos recentes, como a da Previdência, a trabalhista, a da regulação do setor de saneamento, a que instituiu a Taxa de Longo Prazo (TLP) nos empréstimos de bancos públicos, a da Lei das Estatais”.
O ponto negativo, de acordo com Castelar, é que ela também trouxe alguns pontos ruins, como mudanças em algumas regras que tendem a elevar a carga tributária, mexendo em tributos em nada relacionados com essa reforma, como o IPTU e o imposto sobre herança (o ITCMD, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações), por exemplo.
“O Brasil já tem uma carga tributária muito alta, e o governo quer aumentá-la ainda mais, o que acaba penalizando a produtividade e o potencial de crescimento, como o faz a elevada insegurança jurídica”, nota ele. “Assim, a reforma deve melhorar o ambiente de negócios no Brasil, mas há muito mais que ainda precisa ser feito para que possamos, de fato, aproveitar todo potencial de crescimento que o Brasil tem.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como ficou a versão da reforma tributária aprovada pela Câmara em relação ao que tinha passado no Senado?
Armando Castelar: A Câmara eliminou algumas exceções às regras tributárias mais gerais que a reforma busca trazer e, nesse sentido, me parece, foram na direção correta.
Valor: Qual é o significado para a economia brasileira da aprovação da reforma tributária, depois de décadas de discussão?
Castelar: É um grande momento, de fato. Foram algo como quatro décadas se tentando implementar uma reforma que simplificasse o nosso sistema tributário. E foi uma reforma na direção correta, no sentido de reduzir as inevitáveis distorções trazidas pelo sistema tributário. Salientaria que a tributação foca agora no valor adicionado, é mais uniforme entre setores e tem um menor custo em termos da burocracia exigida para cumprir as regras e pagar os tributos. A reforma também reduz o espaço para a guerra fiscal entre unidades da federação, outro avanço relevante.
Valor: A reforma tributária vai contribuir para aumentar a produtividade da economia brasileira e elevar o crescimento potencial? Por quais canais isso tende a ocorrer?
Castelar: Há vários canais. A lógica principal é que, quanto mais neutro o sistema tributário for em termos de não distorcer preços e incentivos na economia, menos ele impacta a produtividade. Isso é especialmente relevante no caso de tributos incidentes sobre bens e serviços. Assim, a tendência é que a reforma favoreça uma organização mais eficiente da produção, estimulando as empresas a produzirem nos locais em que os custos são menores, eliminando os incentivos para verticalização da produção apenas para pagar menos imposto, combinando insumos de forma mais eficiente e decidindo em que setor investir tendo em conta custos e receitas, e não qual a carga tributária de cada um. A simplificação da burocracia também vai liberar recursos que podem ser mais bem aproveitados em outras atividades. Tudo isso significa tornar mais produtivo o uso dos recursos humanos e de capital existentes na nossa economia: portanto, elevar a produtividade e, por aí, o potencial de crescimento.
Valor: O número de exceções ainda ficou grande demais? Dilui em que medida o impacto positivo?
Castelar: Sim. Quanto mais exceções, menores os benefícios trazidos pela reforma. A neutralidade do sistema tributário, que é o que traz os benefícios de maior produtividade e maior potencial de crescimento, é tão menor quanto mais exceções estão presentes. Assim, alíquotas diferentes em setores distintos seguem distorcendo a alocação de recursos, elevam mais as alíquotas nos setores não contemplados como exceções, levam a um esforço das empresas a se classificarem entre essas e exigem mais recursos para que se possa cumprir as formalidades, entre outros custos. Além disso, trazem um péssimo incentivo para o médio prazo, que é a busca permanente de todos setores de eles também se tornarem exceções no futuro. Foi isso que se viu na passagem da discussão da Câmara para o Senado. É importante ter em mente que o nosso sistema tributário não nasceu tão distorcido como se tornou. Isso foi acontecendo ao longo dos anos, conforme exceções foram sendo aprovadas para beneficiar essa ou aquela atividade, esse ou aquele local.
Valor: O período de transição é longo. Isso chega a diminuir a eficiência da reforma de modo relevante?
Castelar: É uma mudança significativa no sistema tributário e há um bom fundamento para se ter um período de transição. É importante ter em mente que os agentes econômicos reagem a incentivos e que, inclusive por isso, é difícil prever exatamente como a economia vai se adaptar ao novo sistema, qual vai ser a arrecadação. Esse período vai permitir às empresas e aos governos se adaptarem, ajustarem seus sistemas, treinarem seus funcionários. Mas, sem dúvida, por outro lado o período de transição adia um pouco a mudança do sistema, e também os benefícios que disso se espera, e cria um custo burocrático adicional, já que nessa fase se terá de respeitar simultaneamente dois sistemas diferentes.
Valor: A simplificação do sistema de impostos a ser propiciada pela reforma tende a atrair mais capital de empresas estrangeiras para investir no Brasil? Ou incertezas fiscais e a insegurança jurídica ofuscarão o efeito da reforma tributária?
Castelar: A reforma é positiva em termos de tornar o Brasil mais atraente para o investidor estrangeiro, na medida em que introduz um sistema mais neutro, menos burocrático e mais em linha com o existente em outras economias. Nesse sentido, ela se alia a outras reformas importantes aprovadas em anos recentes, como a da Previdência, a trabalhista, a da regulação do setor de saneamento, a que instituiu a Taxa de Longo Prazo (TLP) nos empréstimos de bancos públicos, a da Lei das Estatais. Agora, ela também trouxe alguns pontos ruins, como mudanças em algumas regras que tendem a elevar a carga tributária, mexendo em tributos em nada relacionados com essa reforma, como o IPTU e o imposto de transmissão [ITCMD, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações], por exemplo. O Brasil já tem uma carga tributária muito alta, e o governo quer aumentá-la ainda mais, o que acaba penalizando a produtividade e o potencial de crescimento, como o faz a elevada insegurança jurídica. Assim, a reforma deve melhorar o ambiente de negócios no Brasil, mas há muito mais que ainda precisa ser feito para que possamos, de fato, aproveitar todo potencial de crescimento que o Brasil tem.
Fonte: Valor Econômico