O choque de juros anunciado pelo Banco Central no fim do ano passado, que levou a Selic a 14,75%, contribuiu para a recuperação do real ante o dólar ao longo deste ano. A ancoragem da moeda brasileira, no entanto, não pode depender somente do nível elevado dos juros, até porque, em algum momento, as taxas devem ser cortadas, o que aponta para a necessidade de uma maior atenção aos riscos no cenário local, avalia Pablo Goldberg, chefe de pesquisa e gestor de renda fixa para emergentes da BlackRock.
“Mais importante será entrar em um processo em que você reduza o risco embutido nos ativos, o que lhe permitirá reduzir o carry [carrego do diferencial de juros] do real sem afastar os investidores do país”, afirma o gestor em entrevista ao Valor. “O que está realmente alto agora não é só o diferencial de juros, mas o risco que essas altas taxas precisam compensar [para manter a moeda ancorada].”
Ao avaliar o efeito do diferencial de juros no câmbio doméstico, Goldberg aponta que a ancoragem do real pelo nível mais alto dos juros se dá de forma gradual, no dia a dia, enquanto apenas uma notícia que provoque uma piora na percepção de risco é capaz de pressionar a moeda de uma só vez, em uma única sessão. “Existe até aquela famosa frase que diz que a apreciação da moeda se dá como uma subida de escada, degrau por degrau, enquanto a depreciação ocorre por elevador, de uma vez só. O ‘carry’ sozinho cria um propósito para a moeda, mas os juros elevados não valem apenas por si.”
“Geralmente pensamos no ‘carry to risk’ [diferencial de juros ajustado pelo risco]. Quanto maior o risco, maior o ‘carry’. Hoje o real oferece um bom carry para seus riscos envolvidos”, avalia o gestor da BlackRock, que se mostra construtivo com a moeda brasileira no curto prazo.
Pelas características próprias do real, Goldberg diz não ver impeditivos para que a divisa continue a apreciar em um futuro próximo. “Além do carry, a questão do ‘valuation’ é benéfica [para o real]. O câmbio brasileiro não está supervalorizado, então serão as questões fiscais, as eleições e o ciclo da política monetária que deverão determinar o tamanho do Brasil nas carteiras dos portfólios globais”, explica.
Sobre o ciclo eleitoral, o gestor afirma que, com a atenção voltada para a questão fiscal, qualquer candidato que, ao longo da campanha, indicar fazer algo para aliviar a trajetória da dívida pública se tornará automaticamente o preferido do mercado. “Não vou dizer nomes, mas acho que se sairão bem aqueles que dão ao mercado a confiança de que esse aspecto particular da política será bem cuidado.”
Já em relação ao ciclo da política monetária brasileira, o gestor da BlackRock segue a leitura do consenso do mercado e diz ver pouco espaço para as taxas de juros subirem ainda mais daqui em diante, com a dúvida pairando agora sobre quando o BC iniciará os cortes da Selic. “O nível de restrição [da taxa] atual é significativo. Mas a economia ainda não está respondendo da maneira que se poderia esperar para esse nível de restrição. Talvez isso se deva ao lado fiscal”, diz.
“Ainda que as expectativas de inflação estejam caindo, elas ainda estão significativamente acima da meta do BC, então não acho que veremos um corte forte na política monetária em breve, a menos que a economia desacelere muito rapidamente, o que também não é muito provável”, afirma Goldberg, acrescentando que os primeiros cortes na Selic devem vir ou no fim deste ano ou somente em 2026.
O fato de não saber quando exatamente o BC vai cortar os juros não significa que o investidor não deva investir no mercado de juros, na leitura de Goldberg. “Não se trata apenas de quando haverá esse início de redução de juros, mas de qual preço de mercado na curva do DI [Depósito Interfinanceiro]”, afirma. “Quem está fazendo posição está fazendo porque acha que a taxa não vai subir mais, e está recebendo rendimento por isso. Vai ser mais um ‘carry’ do que uma valorização de capital por enquanto.”
A BlackRock não detalha suas alocações, mas o gestor diz gostar de posições no Brasil tanto em títulos públicos quanto em títulos corporativos e também na moeda. Para Goldberg, o Brasil, assim como outros mercados emergentes, pode vir a se beneficiar da maior diversificação de ativos a ser feita pelos investidores globais em meio a uma sequência de fatores que os levam a diminuir a exposição a ativos dos Estados Unidos. “Não estou dizendo que os ativos globais sejam mais interessantes que os ativos dos EUA, mas, em comparação com antes, houve uma pequena queda na relação entre os ativos do resto do mundo e os EUA”, observa.
As razões para isso, explica Goldberg, passam pelas incertezas em torno dos efeitos das medidas tarifárias de Donald Trump na economia americana (seja inflação alta ou desaceleração econômica); pela posição difícil que o Federal Reserve (Fed) deverá ficar com o efeito dessas medidas; pela percepção de que o tema de inteligência artificial e tecnologia não é exclusivo dos americanos; e pela questão fiscal nos EUA, que pode levar o investidor global a buscar outros ativos de segurança, em vez dos títulos públicos americanos.
“Tudo isso traz oportunidades em outros mercados, em outras geografias, o que significa o enfraquecimento global da moeda americana”, afirma o gestor.
Fonte: Valor Econômico
