Por Joe Leahy, Xinning Liu, Thomas Hale e Chan Ho-him, Financial Times — Financial Times, de Pequim, Xangai e Hong Kong
29/05/2023 14h04 Atualizado há 20 horas
Este foi o pior ano para Anna Li obter um emprego na China de que ela consegue se lembrar — mais difícil ainda do que foi durante a pandemia de covid.
“Estou me candidatando um emprego há seis meses. Estou muito cansada e ainda não recebi nenhuma proposta”, diz a bacharel de 25 anos, que vive na rica Província de Shandong, no leste da China, acrescentando que, mesmo que tivesse conseguido algum cargo, os salários para empregos em escritórios muitas vezes são inviáveis.
Cinco anos atrás, a economia da China crescia o suficiente para que muitas pessoas com formação superior conseguissem bons empregos. Agora, as perspectivas são mais incertas, uma vez que a recuperação econômica do país não está conseguindo ganhar força seis meses depois que as autoridades começaram a reverter o rígido plano do presidente Xi Jinping para combater a pandemia.
A produção industrial e os lucros, as vendas no setor imobiliário e o crescimento do crédito ficaram aquém das projeções dos analistas em abril e no começo de maio, segundo dados recentes, minando a confiança nas perspectivas de crescimento para a segunda maior economia do mundo.
A perda do ímpeto já afeta os mercados, com os preços de commodities como cobre e minério de ferro caindo, ações em baixa e a moeda perdendo força, com a cotação chegando a sete yuans por dólar. Os gastos do consumidor, que inicialmente deram um salto depois que os controles de combate à covid foram suspensos, também mostram uma perspectiva econômica desanimadora.
“O grande problema é a confiança”, diz Hui Shan, economista-chefe do Goldman Sachs para a China. “Para os consumidores, há preocupações com o futuro — as pessoas realmente não querem gastar. Os investimentos privados também estão fracos. Você conversa com empresários e percebe que há uma relutância.”
Os temores aumentaram poucos meses após as autoridades chinesas adotarem tom conciliador na esperança de aumentar a confiança nos negócios, para reiniciar o motor econômico depois que o país emergiu de três anos de restrições impostas pela pandemia que sufocaram a atividade econômica.
Autoridades também anunciaram previsão de crescimento cautelosa após o desempenho decepcionante ano passado, quando a economia cresceu apenas 3%, o menor número em décadas, devido aos “lockdowns” esporádicos, um colapso do mercado imobiliário e as restrições a viagens. Este ano começou com uma base mais sólida, com o PIB crescendo 4,5% no primeiro trimestre e as exportações e vendas no varejo aquecidas.
Mas, nas últimas semanas, as perspectivas perderam força, com o mercado imobiliário em particular dando sinais de fragilidade. Em abril, as vendas caíram para 63% dos níveis de 2019, número que em março foi de 95%, segundo a firma de pesquisas Gavekal.
Os problemas no setor imobiliário se espalharam para a produção industrial, que caiu em abril em relação aos números sazonalmente ajustados de 2019, com a demanda por cimento, vidro e outros produtos encolhendo. O consumo das famílias, um dos principais motores da recuperação, também caiu.
Desemprego entre jovens
A dinâmica fraca também levou a um aumento do desemprego entre os jovens, que atingiu o recorde de 20,4% no mês passado. Mas embora o desemprego entre os jovens tenha se tornado um indicativo dos problemas econômicos da China, o cenário no mercado de trabalho mais amplo é mais variado, dizem economistas.
A taxa de desemprego na verdade caiu para 5,2% em abril, com o nível de emprego entre os trabalhadores migrantes nas fábricas chinesas crescendo 3,1% em relação aos níveis pré-covid no primeiro trimestre, segundo o Citigroup.
Com o mercado de trabalho amplo mais forte, ainda há esperança de que o consumo e o setor imobiliário acertem o passo nos próximos meses, segundo acreditam alguns analistas. “O motor da recuperação do consumo permanece intacto: um aperto do mercado de trabalho acabará por elevar a renda e levar a um maior consumo das famílias nos próximos trimestre”, disse a Gavekal.
Para as autoridades chinesas, a questão é se a fraqueza recente é um “soluço”, ou se Pequim terá de intervir com um maior apoio, afirma Robin Xing, economista-chefe do Morgan Stanley para a China.
De olho na atividade industrial
Xing diz que as autoridades vão esperar para monitorar a atividade industrial nos próximos dois meses, antes de tomar uma decisão. Medidas de estímulo poderão assumir a forma de subsídios direcionados para a compra de automóveis, o relaxamento de restrições à compra de propriedades e financiamentos a projetos de infraestrutura.
Especialistas acreditam que a meta de crescimento anual de Pequim para 2023, de 5%, ainda pode ser alcançada, dada a base baixa do ano passado, quando as autoridades colocaram Xangai, a maior metrópole chinesa, e outras cidades em quarentena por meses intermináveis.
O governo não permitirá que o crescimento caia abaixo desse nível, o que aumentaria o desemprego no longo prazo e poderia causar problemas sociais, segundo Xing, do Morgan Stanley. “A estabilidade social é um fator crucial”, diz o economista.
Seja qual for a direção política, para os jovens chineses, o ano parece desolador. Mudanças nas prioridades do governo, como um avanço em direção à engenharia e produção de hardwares eletrônicos, com um afastamento das finanças e plataformas de internet, já alteraram o mercado de trabalho e deixaram muitos jovens com ensino superior sem perspectivas.
Cristina Liu, uma estudante de vinte e poucos anos da Província de Hunan, no sul da China, decidiu fazer um doutorado depois de não conseguir encontrar trabalho após fazer seu mestrado. Ela está estudando em Hong Kong, mas diz que muitos de seus amigos estão tendo dificuldades para encontrar trabalho ou mudar de emprego.
“Alguns deles gostariam de pedir demissão, mas não ousam fazer isso sem ter um outro emprego já definido”, afirma ela.
Fonte: FT / Valor Econômico

