Quaisquer que sejam suas outras falhas, a geração dos millenials contribuiu para a civilização com a palavra “cope” em forma de substantivo. Em tradução livre, “cope” (racionalizar) é uma tentativa de fazer uma situação parecer menos desesperadora do que realmente é – e exemplos não faltam nestes tempos sombrios. “Pelo menos Donald Trump será bom para os negócios”. Isso é um “cope”. “Se há uma coisa que Donald Trump sempre leva a sério é o mercado de ações.” Isso é um “cope” de primeira linha. Citar a piora dos dados econômicos e a queda na taxa de aprovação do presidente com a premissa de que “Donald Trump não pode ignorar esses números”, é o “cope” do mês.
É claro que ele pode ignorá-los. O fato central sobre o segundo mandato de Trump é que ele não poderá disputar um terceiro. Ele agora está emancipado da opinião pública, que fez um trabalho útil em mantê-lo sob controle da primeira vez. Se suas tarifas produzirem uma recessão, ou suas políticas externas uma crise mundial, levando seu índice de aprovação a profundezas infernais, o que exatamente ele perde? Na pior das hipóteses, os republicanos – com quem ele pouco se importa – fracassarão nas eleições legislativas de 2026, depois das quais um presidente em segundo mandato se transforma em um pato manco de qualquer maneira.
Como venho insistindo sobre isso desde novembro, posso antecipar duas respostas. Uma é que Trump quer lançar JD Vance, ou talvez um parente de sangue, como candidato republicano em 2028 e, por isso, não pode prejudicar suas chances com um cenário de caos econômico e político. Por favor! Até mesmo líderes convencionais como Angela Merkel, Tony Blair e Joe Biden foram negligentes no planejamento sucessório. Vamos realmente acreditar que um ególatra do calibre de Trump agiria com cautela por preocupação estratégica com o futuro político de outra pessoa daqui a três anos? (Aliás, um político parece melhor, e não pior, se seu sucessor fracassar nas urnas.)
A outra resposta é que Trump simplesmente anulará a 22ª emenda e concorrerá novamente, ou mesmo cancelará a próxima eleição presidencial. Seria precipitado descartar isso de imediato. E estamos falando do colapso de uma grande Constituição aqui – um evento extremo. O cenário-base ainda é que Trump terá que deixar o cargo no prazo, aos 82 anos, e ele sabe disso. Sendo assim, a possibilidade de recessão e impopularidade nos próximos anos pode não atormentá-lo tanto quanto os analistas racionais tendem a imaginar.
Na verdade, é pior do que isso. Das três ações mais danosas de Trump – restringir a ajuda à Ucrânia, corroer as instituições internas e impor tarifas -, uma recessão pode levá-lo a dobrar a aposta nas duas primeiras. Quanto pior a economia, melhor será o pretexto para reter os escassos recursos dos EUA em vez de destiná-los à defesa da Europa. Quanto piores os números fiscais, mais justificativa para desmantelar o governo federal e outras entidades públicas. A recessão poderá ser um fator de radicalização, não de moderação.
Basicamente, Trump é agora uma figura quase pós-política, capaz de agir por si só, sem necessariamente calcular os efeitos eleitorais de suas decisões. No primeiro mandato, ele jamais teria admitido voluntariamente que as tarifas causam “perturbação”, pois isso seria autossabotagem política. O primeiro mandato se preocupava com os eleitores indecisos; este, busca uma conexão direta com a base Maga (acrônimo em inglês para fazer os EUA grandes novamente). A equipe econômica anterior era composta por figuras empresariais burocráticas e tranquilizadoras, no estilo ExxonMobil; esta, contém visionários milenaristas de riqueza praticamente intocável. O primeiro governo seguia um populismo convencional; este, tem traços de algo mais próximo do niilismo.
No segundo mandato, Trump se vê livre da obrigação de conquistar eleitores
Há apenas um “cope” sobre Trump que contém um fundo de verdade: ele ainda reage a concessões de partes adversárias, seja na forma de lisonja pessoal ou de vantagens materiais. Como prova dessa disposição para negociar, basta observar o vaivém das tarifas contra o Canadá ou o compartilhamento de inteligência com a Ucrânia, que parecem depender do grau de submissão desses países a Trump em uma determinada semana. Mas e o eleitorado? A necessidade de conquistar os votos dos indecisos? Ele se livrou dessa obrigação em novembro.
Por impor tão poucos limites escritos ao Executivo, a Constituição do Reino Unido é considerada, no fundo, uma grande aposta na boa-fé dos políticos. Um aspecto do sistema dos EUA não é muito diferente, e esse é o segundo mandato de uma presidência, em especial os últimos dois anos. Nesse ponto, o comandante-em-chefe sabe sua data de partida, mas continua sendo o homem mais poderoso do planeta. Embora a Suprema Corte e outras restrições ainda se apliquem, muita coisa depende da consciência desse indivíduo para mantê-lo no caminho certo (assim como seu medo de se tornar uma persona non grata na aposentadoria). O caso Irã-Contras, a maior parte do encobrimento de Watergate: é revelador como muitos escândalos no pós-guerra tenham ocorrido no segundo mandato.
Agora, imagine alguém nessa situação que não tem nem um senso de custódia sobre a república nem, ao entrar em sua nona década, a necessidade de preencher séculos de tempo de aposentadoria. As circunstâncias não poderiam ser mais propícias para Trump sair com estardalhaço, ou algo que seja o inverso da glória.
Desde novembro, tem sido difícil evitar o pensamento de que muita gente, acreditando ter exagerado em seu pânico sobre Trump no primeiro mandato, agora esteja subestimando o perigo. Dá para ver isso no grande desinteresse que transparece na mensagem do Partido Democrata no momento. Eu vejo isso, acima de tudo, entre os líderes empresariais, com sua sempre comovente crença de que todos, no fim das contas, compartilham de seu pragmatismo. A aposta deles parece ser de que Trump, com o medo que os políticos têm da recessão e da repulsa pública que ela traz, reconsiderará suas piores ideias à medida que seus efeitos econômicos se tornarem claros. Para mim, isso parece uma análise fria e penetrante do homem de oito anos atrás.
Fonte: Valor Econômico

