Por Brooke Masters e Patrick Temple-West — Financial Times
06/12/2023 05h04 · Atualizado há 5 horas
Em 2020, o executivo-chefe da BlackRock, Larry Fink, posicionou a maior gestora do mundo a favor da causa dos investimentos orientados por propósitos. “A mudança climática é diferente” de outros desafios financeiros, escreveu em sua carta anual a executivos-chefes das empresas nas quais investe, que costuma ser observada de perto.
Fink prometeu “uma reformulação fundamental das finanças” que colocaria a “sustentabilidade no cerne” de sua “abordagem de investimentos”. O mundo empresarial americano e os investidores rapidamente seguiram a mesma trilha. Acotovelaram-se para aderir a planos de neutralidade de carbono e lançar fundos que levavam em conta fatores ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) em suas decisões de investimento.
Passados três anos, a BlackRock ainda aposta alto na transição para uma economia com emissões de carbono mais baixas, mas a ênfase da gestora de recursos de US$ 9,1 trilhões no que se refere à sustentabilidade e questões sociais não é mais a mesma.
Em novembro, ao investir US$ 550 milhões em um dos maiores projetos de captura de carbono do mundo no Texas, Fink destacou o potencial de lucro, em vez de sua contribuição para o bem-estar do planeta. Descreveu-o como “oportunidade de investimento incrível”, mas também ressaltou a decisão de continuar trabalhando com grandes empresas de energia.
A mudança se dá depois de um intervalo de dois anos no qual políticos republicanos nos Estados Unidos criticaram incansavelmente grandes bancos e gestores de investimentos por serem “demasiado ‘wokes’” [o movimento pelo “despertar” da consciência racial e social] ou por serem hostis aos combustíveis fósseis. Secretários das finanças de Estados republicanos colocaram grandes firmas financeiras, como BlackRock, Goldman Sachs, State Street e Wells Fargo, em suas listas de exclusão de investimento. Algumas assembleias estaduais, como as da Flórida, Kansas e Idaho, aprovaram leis que proíbem ou limitam considerações ESG.
A reação anti-ESG chamou a atenção pública e criou uma divisão transatlântica. Enquanto investidores da União Europeia se gabam de seus esforços para atingir a neutralidade nas emissões de gases causadores do efeito estufa o mais rápido possível, muitos de seus pares nos EUA fogem do assunto ou dizem que são obrigados a ceder aos desejos dos clientes.
O impacto no mundo real é difícil de avaliar. Por um lado, os fundos de investimento em infraestrutura verde e transição continuam a atrair dinheiro. Leis anti-ESG foram derrotadas em várias assembleias de Estados republicanos, e relativamente pouco dinheiro foi retirado das instituições colocadas nas listas de exclusão.
A grande maioria dos investidores e gestores de fundos incorpora fatores de risco climático e social em suas decisões, embora não os chamem de ESG.
“Mais dos maiores investidores institucionais do mundo estão mais interessados no que temos a dizer hoje do que estavam há três anos”, diz David Blood, que fundou a Generation Investment Management, especializada em investimentos sustentáveis, há quase 20 anos com o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore.
Por outro lado, também há sinais claros de ceticismo em relação à forma como o investimento sustentável tem sido propagandeado e conduzido. O apoio dos investidores a propostas acionárias ambientais e sociais diminuiu muito; o fluxo de dinheiro dos EUA aplicado em fundos rotulados como ESG desacelerou, depois de terem apresentando fraco desempenho; firmas financeiras de destaque, como Allianz, Lloyd’s of London e Vanguard, se retiraram de alianças em prol da neutralidade de carbono; e o J.P. Morgan Chase redefiniu seus objetivos climáticos, afastando-se desse referencial.
Mesmo os defensores do investimento sustentável alertam para o uso de “maquiagem verde” – prática conhecida como “greenwashing” -, na qual gestores de fundos exageram o impacto ambiental de seus investimentos. A reação contrária levanta a dúvida de por quanto tempo os fundos autodenominados ESG estarão disponíveis para os investidores. Em junho, o próprio Fink disse que não usava mais o termo, pois ele havia se “transformado em arma”.
Parte do problema é que os fundos ESG muitas vezes tentam abordar diversos fatores de uma vez, segundo Brad Lander, que administra os fundos de pensão de US$ 248 bilhões da cidade de Nova York. Isso leva a “perda de clareza e de atenção estratégica sobre o que qualquer um desses [fatores] significa”. “Eu compreendo que, quando se é um investidor menor, é legal a ideia de um fundo no qual você se sente bem em ter seu dinheiro”, acrescenta Lander, que se comprometeu publicamente com a sustentabilidade a longo prazo.
O ressentimento dos Estados republicanos em relação aos investimentos verdes foi se intensificando nos EUA ao longo de vários anos e, enfim, transbordou no fim de 2021. A gota d’água veio em maio de 2021, quando um fundo hedge, a startup Engine No 1, conquistou três assentos no conselho de administração da ExxonMobil argumentando que a gigante precisava fazer mais para se diversificar e se afastar do petróleo e do gás.
A BlackRock, que detém quase 7% das ações da Exxon por meio de suas gigantescas operações de fundos atrelados a índices, apoiou a campanha e sustentou que a petrolífera não vinha fazendo o suficiente para proteger seus acionistas do “impacto do risco climático”.
Políticos de Estados republicanos, detectaram uma oportunidade para mobilizar eleitores temerosos com a perda de empregos nos EUA e concentraram sua ira em Fink, em razão do apoio anterior dele ao chamado “capitalismo das partes interessadas”, no qual os executivos-chefes procuram ajudar a sociedade, os funcionários e o meio ambiente, além de ganhar dinheiro. Em setembro de 2021, o ex-executivo da área de biotecnologia – e futuro candidato presidencial – Vivek Ramaswamy citou Fink especificamente durante uma palestra para a influente rede conservadora Federalist Society.
A votação na Exxon também encorajou os esforços dos políticos republicanos no Texas e em outros Estados produtores de petróleo e carvão, que já estavam se mexendo para punir bancos e firmas de investimento por terem aderido a compromissos de neutralidade de carbono.
Em janeiro de 2022, o secretário estadual das Finanças da Virgínia Ocidental, Riley Moore, responsável por gerir o dinheiro e as transações financeiras do Estado, tornou-se o primeiro funcionário de um Estado republicano a retirar dinheiro que estava sob administração da BlackRock.
Naquele verão americano, o Texas elaborou a primeira lista de boicote, direcionando o alvo a firmas financeiras que considerava hostis aos combustíveis fósseis, e realizou audiências legislativas ridicularizando tanto a State Street quanto a BlackRock. Por volta do fim de 2022, Estados republicanos já haviam anunciado planos de retirar mais de US$ 3 bilhões dos fundos da BlackRock.
“Larry Fink não fez nada no último ano a não ser tentar desviar a atenção das pessoas para algo que não fosse ele sendo pego politizando o dinheiro das aposentadorias”, diz Dale Folwell, secretário estadual das Finanças da Carolina do Norte, que pediu a demissão do executivo-chefe – mas se recusou a retirar o dinheiro de seu Estado da BlackRock por considerar que as baixas taxas de administração da gestora eram atrativas.
O movimento anti-ESG teve grande impacto na arena das votações por procuração. Nos últimos dois anos, os gestores de ativos passaram a ser muito mais cautelosos em apoiar propostas de acionistas ativistas para tomar medidas específicas em questões ambientais e sociais, como fazer auditorias sobre a diversidade ou evitar investimentos em combustíveis fósseis.
O apoio médio a propostas liberais nessas áreas caiu de 33% em 2021 para 22% neste ano, sendo que a maior queda esteve relacionada a questões ligadas ao clima, de acordo com a organização sem fins lucrativos Sustainable Investments Institute.
A mudança foi particularmente visível na BlackRock. Embora as cartas anteriores de Fink tenham conclamado os executivos-chefes a se concentrar nos propósitos, não apenas nos lucros, a BlackRock agora se mostra mais cautelosa em relação aos esforços dos acionistas nas votações para obrigar as empresas a fazer mais em relação ao clima e à diversidade. A gestora de recursos apoiou apenas 7% das propostas ambientais e sociais nas assembleias anuais das empresas na temporada de votações por procuração de 2023, 47% a menos do que há dois anos.
Em seu relatório anual sobre as votações de acionistas, destacou que várias das propostas deste ano eram prescritivas demais ou sem sentido, e citou uma mudança na política da Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) que permitiu a inclusão de mais propostas ESG nas cédulas de votação por procuração.
Isso não significa que a BlackRock e seus pares tenham se tornado conservadores – propostas que se opõem a esforços de diversidade e inclusão ou que buscam proibir empresas de arcar com o custo de abortos de funcionários tiveram resultados bem piores, recebendo, em média, o apoio de menos de 3% de todos os acionistas. Na verdade, isso reflete uma tendência entre os grandes gestores de fundos de índice dos EUA: antes buscavam pressionar as empresas a agir, agora, quando podem, estão se distanciando de ter que se posicionar sobre essas questões. BlackRock, Vanguard e State Street têm sido particularmente criticadas porque seus fundos, somados, controlam cerca de 20% das maiores empresas dos EUA. As três lançaram programas para permitir que seus clientes determinem como serão os votos relativos às participações.
Os gestores agora permitem que os investidores escolham entre abordagens que vão desde “votar com o comando executivo” até priorizar valores católicos ou ESG.
Na semana passada, a State Street tornou seu programa disponível para detentores de US$ 1,7 trilhão em ativos, enquanto clientes institucionais da BlackRock controlando mais de US$ 585 bilhões assumiram o controle de seus próprios votos. Fink disse que a mudança “transformará a relação entre os donos dos ativos e as empresas”.
Os gestores de recursos nos EUA também recuaram bastante no que se refere a propagandear e discutir questões ESG, em particular depois de o Texas e outros Estados republicanos terem considerado que ser membro da Net Zero Asset Managers, uma iniciativa lançada em dezembro de 2020 para apoiar as metas climáticas mundiais de limitar o aquecimento a 1,5°C até 2050, é uma evidência de hostilidade aos combustíveis fósseis.
Alguns removeram referências à neutralidade de carbono de seus sites e 30% dos gestores de recursos nos EUA disseram em uma recente pesquisa da Cerulli que seriam mais reservados ao compartilhar suas atividades relacionadas a fatores ESG em materiais de marketing, prospectos e outros documentos formais de investimento.
Cerca de 57% dos assessores financeiros de varejo disseram não estar discutindo fatores ESG com os clientes, 44% a mais do que em 2022. Quando pressionados sobre o assunto, os gestores de ativos nos EUA agora enfatizam que são prestadores de serviços. Os clientes, dizem os gestores, deveriam ser livres para escolher entre investimentos que vão desde fundos de impacto empenhados explicitamente em melhorar a diversidade ou reduzir as emissões de carbono até fundos setoriais cujo foco são as empresas tradicionais de fontes de energia.
Embora Fink tenha avisado em 2020 que a administradora de ativos iria “continuar a ter exposição à economia de hidrocarbonetos”, nos últimos anos ele rebateu explicitamente críticos tanto da direita quanto da esquerda que queriam ver a firma tomar uma posição sobre questões climáticas. “Há muitas pessoas com opiniões sobre como devemos gerenciar o dinheiro de nossos clientes”, escreveu na carta anual deste ano. “Mas o dinheiro não pertence a essas pessoas. Tampouco é nosso. Pertence a nossos clientes, e nossa responsabilidade e dever é com eles.”
Fora da esfera do furor público, o impacto direto da reação contra o ESG tem se mostrado mais limitado. Em termos gerais, os US$ 3 bilhões retirados pelos Estados republicanos dos fundos da BlackRock são bem pequenos perto do total líquido de dinheiro novo que continuou entrando: quase US$ 500 bilhões desde o início de 2022.
A administradora de recursos “anti-woke” Strive Asset Management viu seus ativos sob gestão crescerem rapidamente, mas, com US$ 1 bilhão, ainda é peixe pequeno em um mar de baleias de trilhões de dólares.
Dezoito Estados adotaram algum tipo de lei anti-ESG. Algumas das leis proíbem a “discriminação” contra empresas que vendem combustíveis fósseis e armas, outras ordenam que fundos de pensão estaduais não considerem fatores ambientais e sociais ao investir. Em outros 19 Estados, entretanto, tais leis foram propostas, mas não foram aprovadas. Quatro adotaram leis pró-ESG, segundo a banca de advocacia K&L Gates.
No Estado do Nebraska, no Meio-Oeste, bancos comunitários que se opuseram a ter as mãos amarradas ao fazer negócios ajudaram a derrubar a proposta de lei. Em alguns casos, quando leis anti-ESG e de boicote foram aprovadas, os agentes fiduciários dos fundos de pensão públicos se recusaram a ser forçados a mexer com o dinheiro, argumentando que isso violaria seu dever fiduciário de priorizar os investidores.
Em novembro, o Calpers, o maior fundo de pensão público dos EUA, prometeu dobrar seus ativos de baixas emissões de carbono para US$ 100 bilhões.
“Acreditamos que, investindo nessa estratégia, podemos obter um desempenho superior”, diz Peter Cashion, diretor de investimentos sustentáveis do Calpers. “Acreditamos que até 2030 poderemos reduzir a intensidade de carbono da carteira de investimentos [do Calpers] em 50%.”
A relutância encontrada em algumas regiões dos EUA não é espelhada em outros mercados. Na UE, onde 9 em cada 10 pessoas apoiam metas ambiciosas de neutralidade de carbono e energia renovável, instituições financeiras como Axa e BNP Paribas prometeram publicamente evitar novos projetos de combustíveis fósseis.
“Se você é um assessor de gestão de riqueza nos EUA, sentado em um escritório regional em algum lugar, provavelmente a última pergunta que quer fazer a alguém é: ‘O que você pensa sobre sustentabilidade?’, porque essa é uma área muito delicada”, diz Peter Harrison, executivo-chefe do Schroders, um grande gestor de ativos do Reino Unido que tem uma unidade grande nos EUA. “Essa questão é bastante diferente em outros lugares do mundo. Na verdade, no Reino Unido, temos a obrigação de perguntar às pessoas quais são suas opiniões.”
Os maiores problemas para o investimento ESG podem não ser políticos, mas sim o recente fraco desempenho e a redução da demanda. Em termos históricos, tais fundos estiveram superexpostos a empresas de tecnologia, por sua pegada de carbono relativamente baixa. Também se beneficiaram do entusiasmo pela transição energética em um momento em que os preços do petróleo e gás estavam baixos. No entanto, a elevação dos juros derrubou os valores das empresas de crescimento, enquanto a invasão da Ucrânia pela Rússia e as turbulências no Oriente Médio impulsionaram os lucros das empresas de combustíveis fósseis, normalmente são evitadas por esses fundos.
Nos últimos 12 meses, os investidores tiraram mais de US$ 14 bilhões, em termos líquidos, de fundos sustentáveis americanos, incluindo US$ 2,7 bilhões no trimestre encerrado no fim de setembro, segundo a Morningstar. Um único fundo da BlackRock representou US$ 2,1 bilhões da saída no terceiro trimestre. Os fundos sustentáveis encolheram 0,85% no terceiro trimestre, enquanto o setor como um todo mostrou estagnação.
A história é similar nos escritórios de gestão de patrimônio familiar, que atendem aos investidores mais ricos dos EUA: em pesquisa do Morgan Stanley, apenas 45% deles disseram que os fatores ESG tiveram alguma influência em sua estratégia de investimento, abaixo dos 56% de dois anos atrás.
A provável consequência, dizem líderes do setor, é que os fundos terão que ser muito mais explícitos sobre o que querem dizer quando afirmam oferecer investimentos ESG. Para alguns, isso significa ser mais quantitativo sobre a relação entre medidas de sustentabilidade e retornos financeiros mais altos. Para outros, significa abandonar completamente o termo. Na semana passada, um fundo de pensão estadual de Massachusetts, com US$ 95,2 bilhões sob administração, votou para mudar o nome de seu Comitê ESG para Comitê de Administração e Sustentabilidade.
Um importante gestor de fundo argumenta que “não faz sentido” tentar impor a todos os clientes um único modelo universal para fazer o bem, porque cada um deles possui valores diferentes. A previsão dele? “O ESG estará morto em cinco anos.”
Reação contra fatores ESG impacta discurso de gestoras
Fink prometeu “uma reformulação fundamental das finanças” que colocaria a “sustentabilidade no cerne” de sua “abordagem de investimentos”. O mundo empresarial americano e os investidores rapidamente seguiram a mesma trilha. Acotovelaram-se para aderir a planos de neutralidade de carbono e lançar fundos que levavam em conta fatores ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) em suas decisões de investimento.
Passados três anos, a BlackRock ainda aposta alto na transição para uma economia com emissões de carbono mais baixas, mas a ênfase da gestora de recursos de US$ 9,1 trilhões no que se refere à sustentabilidade e questões sociais não é mais a mesma.
Em novembro, ao investir US$ 550 milhões em um dos maiores projetos de captura de carbono do mundo no Texas, Fink destacou o potencial de lucro, em vez de sua contribuição para o bem-estar do planeta. Descreveu-o como “oportunidade de investimento incrível”, mas também ressaltou a decisão de continuar trabalhando com grandes empresas de energia.
A mudança se dá depois de um intervalo de dois anos no qual políticos republicanos nos Estados Unidos criticaram incansavelmente grandes bancos e gestores de investimentos por serem “demasiado ‘wokes’” [o movimento pelo “despertar” da consciência racial e social] ou por serem hostis aos combustíveis fósseis. Secretários das finanças de Estados republicanos colocaram grandes firmas financeiras, como BlackRock, Goldman Sachs, State Street e Wells Fargo, em suas listas de exclusão de investimento. Algumas assembleias estaduais, como as da Flórida, Kansas e Idaho, aprovaram leis que proíbem ou limitam considerações ESG.
A reação anti-ESG chamou a atenção pública e criou uma divisão transatlântica. Enquanto investidores da União Europeia se gabam de seus esforços para atingir a neutralidade nas emissões de gases causadores do efeito estufa o mais rápido possível, muitos de seus pares nos EUA fogem do assunto ou dizem que são obrigados a ceder aos desejos dos clientes.
O impacto no mundo real é difícil de avaliar. Por um lado, os fundos de investimento em infraestrutura verde e transição continuam a atrair dinheiro. Leis anti-ESG foram derrotadas em várias assembleias de Estados republicanos, e relativamente pouco dinheiro foi retirado das instituições colocadas nas listas de exclusão.
A grande maioria dos investidores e gestores de fundos incorpora fatores de risco climático e social em suas decisões, embora não os chamem de ESG.
“Mais dos maiores investidores institucionais do mundo estão mais interessados no que temos a dizer hoje do que estavam há três anos”, diz David Blood, que fundou a Generation Investment Management, especializada em investimentos sustentáveis, há quase 20 anos com o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore.
Por outro lado, também há sinais claros de ceticismo em relação à forma como o investimento sustentável tem sido propagandeado e conduzido. O apoio dos investidores a propostas acionárias ambientais e sociais diminuiu muito; o fluxo de dinheiro dos EUA aplicado em fundos rotulados como ESG desacelerou, depois de terem apresentando fraco desempenho; firmas financeiras de destaque, como Allianz, Lloyd’s of London e Vanguard, se retiraram de alianças em prol da neutralidade de carbono; e o J.P. Morgan Chase redefiniu seus objetivos climáticos, afastando-se desse referencial.
Mesmo os defensores do investimento sustentável alertam para o uso de “maquiagem verde” – prática conhecida como “greenwashing” -, na qual gestores de fundos exageram o impacto ambiental de seus investimentos. A reação contrária levanta a dúvida de por quanto tempo os fundos autodenominados ESG estarão disponíveis para os investidores. Em junho, o próprio Fink disse que não usava mais o termo, pois ele havia se “transformado em arma”.
Parte do problema é que os fundos ESG muitas vezes tentam abordar diversos fatores de uma vez, segundo Brad Lander, que administra os fundos de pensão de US$ 248 bilhões da cidade de Nova York. Isso leva a “perda de clareza e de atenção estratégica sobre o que qualquer um desses [fatores] significa”. “Eu compreendo que, quando se é um investidor menor, é legal a ideia de um fundo no qual você se sente bem em ter seu dinheiro”, acrescenta Lander, que se comprometeu publicamente com a sustentabilidade a longo prazo.
O ressentimento dos Estados republicanos em relação aos investimentos verdes foi se intensificando nos EUA ao longo de vários anos e, enfim, transbordou no fim de 2021. A gota d’água veio em maio de 2021, quando um fundo hedge, a startup Engine No 1, conquistou três assentos no conselho de administração da ExxonMobil argumentando que a gigante precisava fazer mais para se diversificar e se afastar do petróleo e do gás.
A BlackRock, que detém quase 7% das ações da Exxon por meio de suas gigantescas operações de fundos atrelados a índices, apoiou a campanha e sustentou que a petrolífera não vinha fazendo o suficiente para proteger seus acionistas do “impacto do risco climático”.
Políticos de Estados republicanos, detectaram uma oportunidade para mobilizar eleitores temerosos com a perda de empregos nos EUA e concentraram sua ira em Fink, em razão do apoio anterior dele ao chamado “capitalismo das partes interessadas”, no qual os executivos-chefes procuram ajudar a sociedade, os funcionários e o meio ambiente, além de ganhar dinheiro. Em setembro de 2021, o ex-executivo da área de biotecnologia – e futuro candidato presidencial – Vivek Ramaswamy citou Fink especificamente durante uma palestra para a influente rede conservadora Federalist Society.
A votação na Exxon também encorajou os esforços dos políticos republicanos no Texas e em outros Estados produtores de petróleo e carvão, que já estavam se mexendo para punir bancos e firmas de investimento por terem aderido a compromissos de neutralidade de carbono.
Em janeiro de 2022, o secretário estadual das Finanças da Virgínia Ocidental, Riley Moore, responsável por gerir o dinheiro e as transações financeiras do Estado, tornou-se o primeiro funcionário de um Estado republicano a retirar dinheiro que estava sob administração da BlackRock.
Naquele verão americano, o Texas elaborou a primeira lista de boicote, direcionando o alvo a firmas financeiras que considerava hostis aos combustíveis fósseis, e realizou audiências legislativas ridicularizando tanto a State Street quanto a BlackRock. Por volta do fim de 2022, Estados republicanos já haviam anunciado planos de retirar mais de US$ 3 bilhões dos fundos da BlackRock.
“Larry Fink não fez nada no último ano a não ser tentar desviar a atenção das pessoas para algo que não fosse ele sendo pego politizando o dinheiro das aposentadorias”, diz Dale Folwell, secretário estadual das Finanças da Carolina do Norte, que pediu a demissão do executivo-chefe – mas se recusou a retirar o dinheiro de seu Estado da BlackRock por considerar que as baixas taxas de administração da gestora eram atrativas.
O movimento anti-ESG teve grande impacto na arena das votações por procuração. Nos últimos dois anos, os gestores de ativos passaram a ser muito mais cautelosos em apoiar propostas de acionistas ativistas para tomar medidas específicas em questões ambientais e sociais, como fazer auditorias sobre a diversidade ou evitar investimentos em combustíveis fósseis.
O apoio médio a propostas liberais nessas áreas caiu de 33% em 2021 para 22% neste ano, sendo que a maior queda esteve relacionada a questões ligadas ao clima, de acordo com a organização sem fins lucrativos Sustainable Investments Institute.
A mudança foi particularmente visível na BlackRock. Embora as cartas anteriores de Fink tenham conclamado os executivos-chefes a se concentrar nos propósitos, não apenas nos lucros, a BlackRock agora se mostra mais cautelosa em relação aos esforços dos acionistas nas votações para obrigar as empresas a fazer mais em relação ao clima e à diversidade. A gestora de recursos apoiou apenas 7% das propostas ambientais e sociais nas assembleias anuais das empresas na temporada de votações por procuração de 2023, 47% a menos do que há dois anos.
Em seu relatório anual sobre as votações de acionistas, destacou que várias das propostas deste ano eram prescritivas demais ou sem sentido, e citou uma mudança na política da Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) que permitiu a inclusão de mais propostas ESG nas cédulas de votação por procuração.
Isso não significa que a BlackRock e seus pares tenham se tornado conservadores – propostas que se opõem a esforços de diversidade e inclusão ou que buscam proibir empresas de arcar com o custo de abortos de funcionários tiveram resultados bem piores, recebendo, em média, o apoio de menos de 3% de todos os acionistas. Na verdade, isso reflete uma tendência entre os grandes gestores de fundos de índice dos EUA: antes buscavam pressionar as empresas a agir, agora, quando podem, estão se distanciando de ter que se posicionar sobre essas questões. BlackRock, Vanguard e State Street têm sido particularmente criticadas porque seus fundos, somados, controlam cerca de 20% das maiores empresas dos EUA. As três lançaram programas para permitir que seus clientes determinem como serão os votos relativos às participações.
Os gestores agora permitem que os investidores escolham entre abordagens que vão desde “votar com o comando executivo” até priorizar valores católicos ou ESG.
Na semana passada, a State Street tornou seu programa disponível para detentores de US$ 1,7 trilhão em ativos, enquanto clientes institucionais da BlackRock controlando mais de US$ 585 bilhões assumiram o controle de seus próprios votos. Fink disse que a mudança “transformará a relação entre os donos dos ativos e as empresas”.
Os gestores de recursos nos EUA também recuaram bastante no que se refere a propagandear e discutir questões ESG, em particular depois de o Texas e outros Estados republicanos terem considerado que ser membro da Net Zero Asset Managers, uma iniciativa lançada em dezembro de 2020 para apoiar as metas climáticas mundiais de limitar o aquecimento a 1,5°C até 2050, é uma evidência de hostilidade aos combustíveis fósseis.
Alguns removeram referências à neutralidade de carbono de seus sites e 30% dos gestores de recursos nos EUA disseram em uma recente pesquisa da Cerulli que seriam mais reservados ao compartilhar suas atividades relacionadas a fatores ESG em materiais de marketing, prospectos e outros documentos formais de investimento.
Cerca de 57% dos assessores financeiros de varejo disseram não estar discutindo fatores ESG com os clientes, 44% a mais do que em 2022. Quando pressionados sobre o assunto, os gestores de ativos nos EUA agora enfatizam que são prestadores de serviços. Os clientes, dizem os gestores, deveriam ser livres para escolher entre investimentos que vão desde fundos de impacto empenhados explicitamente em melhorar a diversidade ou reduzir as emissões de carbono até fundos setoriais cujo foco são as empresas tradicionais de fontes de energia.
Embora Fink tenha avisado em 2020 que a administradora de ativos iria “continuar a ter exposição à economia de hidrocarbonetos”, nos últimos anos ele rebateu explicitamente críticos tanto da direita quanto da esquerda que queriam ver a firma tomar uma posição sobre questões climáticas. “Há muitas pessoas com opiniões sobre como devemos gerenciar o dinheiro de nossos clientes”, escreveu na carta anual deste ano. “Mas o dinheiro não pertence a essas pessoas. Tampouco é nosso. Pertence a nossos clientes, e nossa responsabilidade e dever é com eles.”
Fora da esfera do furor público, o impacto direto da reação contra o ESG tem se mostrado mais limitado. Em termos gerais, os US$ 3 bilhões retirados pelos Estados republicanos dos fundos da BlackRock são bem pequenos perto do total líquido de dinheiro novo que continuou entrando: quase US$ 500 bilhões desde o início de 2022.
A administradora de recursos “anti-woke” Strive Asset Management viu seus ativos sob gestão crescerem rapidamente, mas, com US$ 1 bilhão, ainda é peixe pequeno em um mar de baleias de trilhões de dólares.
Dezoito Estados adotaram algum tipo de lei anti-ESG. Algumas das leis proíbem a “discriminação” contra empresas que vendem combustíveis fósseis e armas, outras ordenam que fundos de pensão estaduais não considerem fatores ambientais e sociais ao investir. Em outros 19 Estados, entretanto, tais leis foram propostas, mas não foram aprovadas. Quatro adotaram leis pró-ESG, segundo a banca de advocacia K&L Gates.
No Estado do Nebraska, no Meio-Oeste, bancos comunitários que se opuseram a ter as mãos amarradas ao fazer negócios ajudaram a derrubar a proposta de lei. Em alguns casos, quando leis anti-ESG e de boicote foram aprovadas, os agentes fiduciários dos fundos de pensão públicos se recusaram a ser forçados a mexer com o dinheiro, argumentando que isso violaria seu dever fiduciário de priorizar os investidores.
Em novembro, o Calpers, o maior fundo de pensão público dos EUA, prometeu dobrar seus ativos de baixas emissões de carbono para US$ 100 bilhões.
“Acreditamos que, investindo nessa estratégia, podemos obter um desempenho superior”, diz Peter Cashion, diretor de investimentos sustentáveis do Calpers. “Acreditamos que até 2030 poderemos reduzir a intensidade de carbono da carteira de investimentos [do Calpers] em 50%.”
A relutância encontrada em algumas regiões dos EUA não é espelhada em outros mercados. Na UE, onde 9 em cada 10 pessoas apoiam metas ambiciosas de neutralidade de carbono e energia renovável, instituições financeiras como Axa e BNP Paribas prometeram publicamente evitar novos projetos de combustíveis fósseis.
“Se você é um assessor de gestão de riqueza nos EUA, sentado em um escritório regional em algum lugar, provavelmente a última pergunta que quer fazer a alguém é: ‘O que você pensa sobre sustentabilidade?’, porque essa é uma área muito delicada”, diz Peter Harrison, executivo-chefe do Schroders, um grande gestor de ativos do Reino Unido que tem uma unidade grande nos EUA. “Essa questão é bastante diferente em outros lugares do mundo. Na verdade, no Reino Unido, temos a obrigação de perguntar às pessoas quais são suas opiniões.”
Os maiores problemas para o investimento ESG podem não ser políticos, mas sim o recente fraco desempenho e a redução da demanda. Em termos históricos, tais fundos estiveram superexpostos a empresas de tecnologia, por sua pegada de carbono relativamente baixa. Também se beneficiaram do entusiasmo pela transição energética em um momento em que os preços do petróleo e gás estavam baixos. No entanto, a elevação dos juros derrubou os valores das empresas de crescimento, enquanto a invasão da Ucrânia pela Rússia e as turbulências no Oriente Médio impulsionaram os lucros das empresas de combustíveis fósseis, normalmente são evitadas por esses fundos.
Nos últimos 12 meses, os investidores tiraram mais de US$ 14 bilhões, em termos líquidos, de fundos sustentáveis americanos, incluindo US$ 2,7 bilhões no trimestre encerrado no fim de setembro, segundo a Morningstar. Um único fundo da BlackRock representou US$ 2,1 bilhões da saída no terceiro trimestre. Os fundos sustentáveis encolheram 0,85% no terceiro trimestre, enquanto o setor como um todo mostrou estagnação.
A história é similar nos escritórios de gestão de patrimônio familiar, que atendem aos investidores mais ricos dos EUA: em pesquisa do Morgan Stanley, apenas 45% deles disseram que os fatores ESG tiveram alguma influência em sua estratégia de investimento, abaixo dos 56% de dois anos atrás.
A provável consequência, dizem líderes do setor, é que os fundos terão que ser muito mais explícitos sobre o que querem dizer quando afirmam oferecer investimentos ESG. Para alguns, isso significa ser mais quantitativo sobre a relação entre medidas de sustentabilidade e retornos financeiros mais altos. Para outros, significa abandonar completamente o termo. Na semana passada, um fundo de pensão estadual de Massachusetts, com US$ 95,2 bilhões sob administração, votou para mudar o nome de seu Comitê ESG para Comitê de Administração e Sustentabilidade.
Um importante gestor de fundo argumenta que “não faz sentido” tentar impor a todos os clientes um único modelo universal para fazer o bem, porque cada um deles possui valores diferentes. A previsão dele? “O ESG estará morto em cinco anos.”
Fonte: Valor Econômico

