Em um momento em que parte dos agentes financeiros tem repensado as alocações em ativos nos Estados Unidos, os mercados da América Latina e, mais especificamente, o Brasil, podem ser os grandes vencedores. A visão é defendida por Pramol Dhawan, diretor de mercados emergentes da Pimco, gigante que reúne US$ 2,03 trilhões sob gestão. Apesar dos desafios domésticos e do potencial de maior volatilidade devido a questões políticas à frente, Dhawan avalia que os ativos brasileiros ainda estão descontados e que a valorização vista na primeira metade deste ano foi apenas uma prévia do que está por vir.
As declarações foram dadas em entrevista ao Valor na sede da Pimco, em Nova York, na última sexta-feira. Dhawan observa que os mercados na América Latina já têm se beneficiado do fluxo de saída de ativos dos Estados Unidos e se destacam no universo dos emergentes. Como exemplo, ele nota que o Ibovespa atingiu níveis recordes neste ano em algumas sessões.
A Pimco espera, ainda, que o dólar continue a se desvalorizar, o que deve beneficiar a América Latina. “Pela primeira vez em quase uma década e meia, os fluxos de capital estão voltando para os mercados emergentes”, afirma Dhawan. “E esse movimento está apenas começando. Acreditamos que esses fluxos de capital podem ser fortes e consistentes, mas, mais do que isso, duradouros, já que são impulsionados por mudanças estruturais, e não apenas cíclicas ou temporárias. Na nossa visão, isso é extremamente positivo para os mercados emergentes.”
Até o momento, o Ibovespa acumula alta de 13% no ano, praticamente o dobro dos principais índices das bolsas americanas, e o dólar tem queda de 10% frente ao real, que se destaca como um dos melhores desempenhos no ano. Mesmo assim, para Dhawan, ainda há muito espaço para que esse rali continue. “No caso do Brasil, achamos que ainda há um desconto de cerca de 50% em relação ao seu valor justo. Sim, os preços subiram bastante, mas a partir de níveis extremamente baratos”, enfatiza.
Na última década, lembra Dhawan, os bancos centrais de países emergentes enfrentaram um cenário de dólar forte, o que, na prática, pesa sobre a balança comercial. Mas, se esse ambiente estiver mudando – e a Pimco acredita que sim -, o executivo avalia que o efeito oposto vai começar a acontecer. Para ele, o cenário de dólar mais fraco deve aliviar as pressões inflacionárias sobre emergentes e favorecer cortes nas taxas de juros, o que deve permitir aos bancos centrais desses países focar mais no crescimento econômico, e não somente no combate à inflação.
Nos EUA, desde o “Dia da Libertação”, em 2 de abril, quando o presidente Donald Trump anunciou as tarifas “recíprocas”, houve recuperação de boa parte dos mercados após um momento inicial de venda generalizada de ativos americanos. Os índices S&P 500 e Nasdaq chegaram a renovar máximas históricas na semana passada, por exemplo. No entanto, isso não se refletiu nos mercados de câmbio e de renda fixa, com o dólar cerca de 10% abaixo do que era negociado antes de Trump assumir o posto, neste ano. “Tudo relacionado a preocupações fiscais nos EUA continua sendo precificado com um prêmio de risco elevado”, diz Dhawan, mesmo com o setor privado voltando a apresentar bom desempenho. “Acreditamos que esse continuará sendo o roteiro daqui em diante.”
“Vamos começar a ver cada vez mais crescimento vindo dessas economias emergentes e tudo isso vai impulsionar os mercados. Terá um impacto muito positivo”, projeta o executivo. Ele acrescenta, ainda, que, dentro do complexo dos mercados emergentes, a América Latina será a maior beneficiária desse movimento. A única condição, na sua visão, é que nenhuma instabilidade política entre no caminho.
Quanto ao Brasil, o executivo avalia que o alto déficit primário tem atrapalhado a condução da política monetária pelo Banco Central e adiado o início de um ciclo mais intenso de cortes de juros. Em sua visão, a economia teria um desempenho melhor com um maior controle das contas públicas. No entanto, Dhawan minimiza, em parte, o impacto da conjuntura doméstica. “Há uma tendência de dizer que esses problemas são mais exagerados no Brasil, mas isso está acontecendo em todos os lugares neste momento. Essas situações acontecem em todos os mercados emergentes, e também em mercados desenvolvidos”, ressalta.
Posição em juros brasileiros é, atualmente, uma das nossas preferidas; juros estão altos demais”
Dhawan, que diz ter uma abordagem de investimentos mais voltada para o longo prazo, afirma que os problemas internos no Brasil são “relativamente fáceis de resolver” e não abalam o otimismo com sua tese. “Acabamos nos ancorando nos fundamentos, que são muito bons, e estamos tranquilos em manter as posições, mesmo com a volatilidade”, afirma. Ele acrescenta, ainda, que pode haver espaço para que a Pimco aumente sua exposição a ativos brasileiros.
“No Brasil, houve muito impulso fiscal na economia e a política monetária ficou bastante apertada, o que piorou a base da dívida”, nota. Mas, ao mesmo tempo, Dhawan destaca o Brasil como um país que realizou diversas reformas estruturais nos últimos anos, o que foi positivo na avaliação dos mercados e que diferenciou o país de outros casos.
O executivo reconhece que as eleições presidenciais do próximo ano estarão no centro das atenções do mercado e serão um motivo de forte volatilidade no comportamento dos ativos, mas afirma que isso será temporário. Para Dhawan, a tendência é que, independentemente do resultado, a perspectiva para o Brasil seguirá positiva e os ativos devem se valorizar. “Só é necessária uma vontade política de conter os gastos públicos. E, se isso acontecer, o Brasil como um todo se beneficiará: o governo não precisará pagar tanto em juros da dívida, o que significa que sobrará mais dinheiro para ser reinvestido na economia; a economia crescerá, e assim por diante”, defende o gestor da Pimco.
“Quanto à volatilidade, acho que o Brasil está muito bem posicionado, por causa dos níveis atuais de juros nominais e dos altos juros reais. O Banco Central tem capacidade de iniciar um ciclo de cortes de juros bastante relevante, o que é algo semelhante ao que vemos em outros países da América Latina, mas nenhum outro tem o mesmo nível de partida que o Brasil”, afirma o gestor. “Esses altos níveis de juros reais são, justamente, algo que ajuda a ancorar e estabilizar a moeda, impulsionando o real para níveis cada vez mais fortes.”
“A posição em juros brasileiros é atualmente uma das nossas preferidas como empresa. Os níveis atuais de juros nominais estão altos demais e provavelmente não serão sustentáveis daqui a alguns anos”, afirma. Na visão do executivo, há um “caminho muito claro” para que o Banco Central reduza a Selic para algo entre 7% e 8%, o que representaria mais ou menos metade do nível atual da taxa básica de juros, que está em 15% ao ano.
Dhawan avalia que esse cenário favoreceria mais os títulos nominais, mesmo que os papéis atrelados à inflação (NTN-Bs) também tendam a ter um desempenho positivo. “É preciso aguentar a volatilidade, mas é um momento de oportunidade rara para os ativos brasileiros.”
Fonte: Valor Econômico

