Por Arthur Cagliari — De São Paulo
28/07/2022 05h02 Atualizado há 2 horas
O Federal Reserve (Fed), o banco central americano, terá que ver o núcleo da inflação cair nos próximos dois meses para que seja convencido a reduzir o ritmo de alta de juros de 0,75 para 0,50 ponto percentual. Essa foi a avaliação feita pelo economista-chefe do TS Lombard, Steven Blitz, em entrevista ao Valor.
Blitz afirmou ainda que toda vez que as bolsas registram altas fortes, como na sessão de ontem, quando o Nasdaq fechou com ganhos superiores a 4%, o Fed aumenta sua margem para seguir seu aperto monetário. Na avaliação do economista, a economia americana ainda não se encontra em recessão, mas ele projeta tal cenário para o último trimestre deste ano. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Valor: Powell disse que vai avaliar as condições para decidir se mantém ou não o ritmo de alta de 0,75 ponto em setembro. Quais são as condições necessárias para reduzir a alta para 0,5 ponto?
Steven Blitz: Até setembro serão publicados dois dados de emprego e dois de inflação [CPI, na sigla em inglês]. Se os dois números de geração de vagas vierem negativos ou perto de zero e o indicador do núcleo da inflação, na sua relação mensal, desacelerar, acredito que é mais provável eles descerem a alta de juros para o ritmo de 0,5 ponto percentual. Na minha avaliação, os dados de emprego vão esfriar, não veremos uma geração de 300 mil vagas em julho e em agosto. Mas supondo que fiquemos em uma margem de 150 mil a 200 mil e ao mesmo tempo e a inflação se mantiver alta, sem desacelerar, ficando estável, não vejo uma chance [de uma redução de ritmo]. O [presidente do Fed, Jerome] Powell disse de forma clara que eles precisam ter uma confiança total de que a inflação está caindo. Em geral é preciso de pelo menos três meses de dados para se fazer uma avaliação mais completa do cenário econômico. Mas eles não terão três. Então, se a inflação continuar estável, com altas de 8% ou 9%, não vai ser suficiente para eles [tomadores de decisão do Fed]. E esse tipo de movimento de ganhos, esses ralis [que ocorreram ontem nos índices acionários] são ótimos para eles, porque dão espaço para eles apertarem a economia. No fim das contas, eles não querem que a economia imploda.
Valor: E o senhor acredita ser possível uma desaceleração desses números tão cedo?
Blitz: É mais provável ver uma desaceleração nos números de emprego e alguma desaceleração no índice cheio do CPI. Não tenho certeza que veremos uma desaceleração no núcleo da inflação. O problema é que, se observarmos o núcleo e a inflação cheia, percebemos que o problema dos preços altos se espalhou, não é só mais um problema de commodities. Quando eles mudaram o discurso sobre uma inflação transitória para uma inflação não transitória foi porque a elevação de preços se espalhou para o segmento de serviços.
Valor: Powell disse não ver cenário de recessão. Como o senhor avalia a perspectiva da economia?
Blitz: Ela não está [em recessão]. Antes de tudo, vamos falar de como os números estavam e como ficaram negativos. A retração no primeiro trimestre ocorreu porque tivemos uma implosão nas exportações e uma queda nas importações e ainda uma contração nos gastos do governo. Isso não é uma recessão. [Porque] no mesmo momento nós tivemos 2,7 milhões de novos empregos no primeiro semestre do ano. Isso não é uma recessão. Acredito que o [PIB do] segundo trimestre fique positivo. Temos números que sugerem que a balança comercial vai ficar positiva. Não acredito que os gastos do governo vão cair novamente. Acho que vamos ver queda nos gastos nos investimentos e acredito que o consumo real vai ficar estável ou com uma leve alta. Então, provavelmente, veremos um pequeno número positivo. E mesmo que venha negativo, não é uma recessão.
Valor: Mais para o final do ano o senhor enxerga uma recessão?
Blitz: Sim, acredito que a economia estará em uma recessão no fim deste ano. A questão é até quando o Fed deve manter as taxas de juros altas o suficiente para que o crescimento fique abaixo da média também no próximo ano.
Valor: Há chance de o Federal Reserve interromper seu processo de alta de juros?
Blitz: Acho que eles devem continuar a fazer o aumento das taxas até o fim deste ano e chegar em 4%. Acho que o mercado está muito otimista em quão rápido a inflação vai desacelerar e acredito que o mercado está muito confiante de que o Fed pode reverter seu processo uma vez que a taxa de desemprego começar a crescer. Powell está além do ponto de que [a inflação alta] é algo transitório. Ele tem falado que [precisa ver] uma tendência de queda.
Fonte: Valor Econômico

