Depois de um começo de ano marcado por forte volatilidade, as ações de empresas americanas caminham para registrar o terceiro ano consecutivo de ganhos em dois dígitos, um feito raro desde a crise financeira global de 2008. Olhando para 2026, a principal dúvida do mercado é se esse rali se aproxima de uma bolha ou se ainda há espaço para novas altas.

Segundo o banco JP Morgan, o mercado acionário americano está, sim, em níveis elevados de preço, mas há fundamentos que ajudam a sustentar esse patamar. Entre eles, destaque para o forte crescimento dos lucros, que soma quatro trimestres seguidos de avanços em dois dígitos.
Além disso, a contribuição dos resultados das empresas para o retorno total das ações foi maior nos Estados Unidos do que nos demais mercados globais.
O banco chama atenção para o fato de que esse desempenho positivo aconteceu mesmo em um ambiente desafiador, com juros acima de 4% nos últimos três anos, consumo mais fraco, redução de estímulos fiscais e poucos vetores cíclicos positivos.
Outro fator estrutural que ajuda a explicar os preços mais altos é a mudança na composição dos índices, cada vez mais concentrados em empresas de crescimento, especialmente do setor de tecnologia.
Lucros seguem fortes, mas grau de incerteza aumenta
De acordo com o JP Morgan, as estimativas de crescimento dos resultados continuam positivas. Os lucros das empresas do S&P 500, por exemplo, devem subir 11% em 2025 e mais 13% em 2026.
Já o grupo das chamadas “Sete Magníficas”, formado pelas principais empresas de tecnologia dos EUA (Apple, Amazon, Alphabet, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla), deve apresentar expansão próxima de 20%, enquanto as demais companhias do índice devem crescer 11%, respondendo por 64% do avanço total dos lucros.
Na prática, porém, esse crescimento mais distribuído ainda não se confirmou. O banco destaca que, desde o início do ano, as projeções de lucro para 2026 das gigantes de tecnologia foram revisadas para cima em 3,4%, enquanto as demais companhias tiveram revisões negativas de 1,2%.
Além disso, parte do mercado aposta em uma aceleração dos resultados no segundo semestre de 2026, sem que haja hoje um gatilho claro para isso.
Conforme explica o JP Morgan, medidas fiscais que incentivam investimentos e gastos com pesquisa e desenvolvimento podem reforçar a geração de caixa de empresas mais intensivas em capital, como as dos setores de tecnologia, indústria e energia. Esse efeito positivo, porém, pode ser reduzido se as próprias companhias resolverem acelerar seus investimentos.
Os setores ligados ao consumo, por sua vez, tendem a sentir algum alívio com estímulos fiscais, mas esse impulso pode ser parcialmente anulado pelo avanço das tarifas e pela pressão sobre os lucros das empresas.
Inteligência artificial: bolha ou transformação estrutural?
No centro do debate está a inteligência artificial (IA). Segundo o JP Morgan, diferentemente de episódios de excesso especulativo do passado, como a bolha da internet nos anos 2000, o atual ciclo da IA vem sendo financiado por empresas altamente lucrativas, com caixa robusto e forte geração de recursos. Exemplo disso é que a margem de geração de caixa do setor de tecnologia, próxima de 20%, é mais que o dobro da observada no fim da década de 1990.
Além disso, os investimentos em IA estão sendo convertidos em demanda real por chips, serviços em nuvem e software, o que sustenta a expansão do setor. Para o banco, ao contrário das bolhas tradicionais, que acabam em colapsos abruptos, o movimento atual vem deixando infraestrutura concreta como legado para a economia.
Ainda assim, o JP Morgan alerta que a velocidade do avanço tecnológico torna o mercado mais sensível a frustrações. Os setores de tecnologia representam 36% dos lucros do S&P 500 e 56% do crescimento dos investimentos em capital nos últimos 12 meses, o que aumenta a vulnerabilidade a eventuais desacelerações na adoção da IA, limitações de energia ou obsolescência rápida dos equipamentos.
Nesse contexto, o banco avalia que o movimento atual se parece menos com uma bolha clássica e mais com os primeiros estágios de uma transformação estrutural, ainda marcada por alta volatilidade.
Seletividade ganha peso nas decisões em 2026
Mesmo com o mercado mantendo a trajetória positiva, o JP Morgan recomenda que os investidores reforcem a seletividade e o equilíbrio nas carteiras em 2026. Dentro das ações de crescimento, o setor de tecnologia segue atrativo pelo nível de lucros. Por outro lado, o segmento de consumo discricionário tem ficado para trás, pressionado por tarifas, consumo mais fraco e desempenho inferior de algumas grandes empresas do setor.
No universo da inteligência artificial, os ganhos tendem a se espalhar dos inovadores (tecnologia) para os viabilizadores (indústria, energia e utilidades) e para os adotantes da tecnologia, como os setores financeiro e de saúde.
Os segmentos tradicionais de geração de valor, como energia e consumo básico, continuam pressionados por preços baixos do petróleo e por um consumidor de menor renda fragilizado. Em contrapartida, o setor financeiro aparece como um dos destaques, com lucros resilientes e catalisadores próprios, como a possível desregulamentação e a queda de juros.
Apesar do bom momento, o JP Morgan reforça que até mesmo mercados sustentados por fundamentos sólidos passam por correções ao longo do caminho. Por isso, a recomendação é que o investidor esteja preparado tanto para aproveitar novas oportunidades quanto para atravessar períodos de correções.
Fonte: Valor Investe