Rede pode ‘travar’ gasto administrativo com ganhos após investimento
Por Adriana Mattos — De São Paulo
08/03/2023 05h02 Atualizado há 6 horas
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Zagottis: Farmácias já sentem a crise do varejo, mas RD não prevê aquisições — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Maior rede de farmácias do país, a Raia Drogasil (RD) apresentou forte desempenho no fim do ano passado, com base em melhora da alavancagem operacional, e esse cenário deve acelerar a diluição de gastos da companhia no curto prazo, disse em entrevista ao Valor o vice presidente de planejamento corporativo, Eugênio De Zagottis.
Em seu balanço do quarto trimestre de 2022, publicado na noite de ontem, a varejista destaca que os ganhos operacionais recentes – especialmente com a digitalização do negócio após 2019 – abriram espaço para uma maior diluição de despesas administrativas. Essa era uma questão frequentemente levantada por analistas em trimestres passados, por conta do aumento de investimentos que pressionavam certos custos.
Desde 2019, os investimentos em tecnologia e estrutura elevaram o peso da despesa geral e administrativa na RD de 2,4% da receita para 3,5%, com efeito sobre a rentabilidade no período.
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A intenção é que, daqui para frente, a relação entre as despesas administrativas e a receita comece a cair – essa participação quase ficou estável no fim do ano passado sobre o terceiro trimestre. Com o passar dos anos, as outras despesas até foram diluindo mais rápido, mas essa ainda resistia.
Isso pode abrir espaço para a RD expandir mais margens operacionais nos próximos anos, diz a rede, sem detalhar índices.
Pelos números de outubro a dezembro, a receita líquida da RD avançou 20,5%, acima do ritmo das despesas totais, e mesmo com a maior pressão pelo lado financeiro (pela escalada na taxas de juros do país), a rede apurou lucro líquido de R$ 278 milhões, avanço de 48,5% sobre o ano anterior. No acumulado de 2022, a receita subiu cerca de 20% e o lucro líquido, 26%.
A margem bruta do trimestre foi de 28%, queda de 0,5 ponto, e no ano, atingiu 28,5%, alta de 0,4 ponto. Já a margem Ebitda, índice do lucro medido depois das despesas operacionais, cresceu 0,7 ponto, para 7,2%, e no ano, subiu 0,2 para 7,3%.
“Estamos ‘travando’ o crescimento dessas despesas administrativas, que vão começar a cair em 2023. E não estou falando em sair cortando gasto qualquer, porque a gente não precisa disso. Estamos dizendo que, pelos ganhos de produtividade do que já investimos, com a otimização gerada, isso irá parar de subir [na relação com receita]”, disse o executivo.
O gasto em tecnologia (incluindo investimentos e despesas) em 2022 foi seis vezes maior do que o apurado em 2018.
Zagottis entende que está na hora de o grupo explorar melhor os investimentos já feitos em vez de continuar ampliando a estrutura no mesmo ritmo recente. O assunto, inclusive, é citado no release de resultados do trimestre. Ele diz que essa não foi uma decisão tomada para gerar uma diluição temporária apenas, ou para dar uma resposta ao mercado.
“Se eu tiver cem projetos, eles não vão ter o mesmo retorno, e eles concorrem em estrutura [dentro da companhia]. Se eu travar custo, obviamente que faremos escolhas, mas não estarei segurando nada super-relevante”, afirma ele.
Para se ter uma ideia da RD criada em meia década, e seu efeito em termos de estrutura corporativa, o número de diretores passou de 29 para 42 em cinco anos – durante a fase de transformação digital. Onze startups foram adicionadas à operação, e R$ 200 milhões desembolsados, envolvendo um processo de integração ainda em andamento.
Há 34 “squads” (equipes multidisciplicares, formada por pessoas de várias áreas) que trabalham de forma menos hierárquica – isso inexistia em 2018. Um marketplace foi montado, em 2020, hoje com 170 mil itens à venda e 450 lojistas parceiros.
A companhia, que precisava criar um novo negócio quase do zero, tem 12% das vendas vindo do digital hoje – para uma receita bruta de R$ 31 bilhões em 2022 -, e em 2018, equivalia a 1%.
Dados do balanço do quatro trimestre ainda mostram leve alta no nível de endividamento – em 0,9 vezes a relação dívida e Ebitda, frente a 0,8 um ano antes – e o impacto da Selic no financeiro. Cerca de 92% da dívida da empresa é de longo prazo.
As despesas financeiras líquidas representaram 1,3% da receita bruta em 2022, um aumento de 0,7 pontos em relação a 2021 (0,2 pontos acima na comparação de quarto trimestre). A empresa ainda abriu dados sobre risco sacado em suas notas aplicativas, com R$ 6,5 milhões de exposição.
Daqui para frente, Zagottis diz que devem aparecer oportunidades no mercado, por conta do cenário difícil que o setor de farmácias tem enfrentado, mesmo mais resiliente que o setor em geral.
Mas a RD não pretende ganhar mercado por meio de aquisições – a companhia projeta 260 novas aberturas de lojas ao ano, até 2025, o mesmo número de 2022. A varejista ganhou fatia de mercado no fim de 2022, alcançando 15,1% de participação nacional, aumento de 1 ponto percentual.
Há redes em renegociação de dívida, por causa da alta alavancagem, e outras estudando recuperação judicial. A Poupafarma, do fundo Stratus, analisa essa possibilidade, informou o Valor ontem.
“Farmácia não vive tanto de alta de PIB, mas de envelhecimento da população. Mesmo assim, vemos negócios com problemas, mais endividados, que cresceram captando recursos com Selic a 2%, 3% mas hoje a dívida chega a 16%, 18% ao ano”, afirma ele, sem citar nomes. “Vejo negócios em boa situação, como a Drogaria Pacheco São Paulo, a Panvel, a Araújo, mas as menores sofrerão. Acredito que isso abre espaço para crescermos mais nessas regiões de redes com problemas. Por isso acredito que os investimentos que fizemos e esse espaço, que pode ser aberto no mercado, cria vantagem para nós”.
Fonte: Valor Econômico