24 Apr 2023 ADRIANA FERNANDES MURILO RODRIGUES ALVES
“Falava-se muito de caixa-preta do BNDES, mas ela não existia. A maior caixa-preta do Orçamento é o gasto tributário. Falava-se em orçamento secreto. Esse é o mais secreto de todos”
“Estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos abrindo mão de R$ 600 bilhões”
Na entrevista, realizada no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo, o ministro Fernando Haddad falou sobre o mal-estar no mercado com a entrega do texto final ao Congresso sem a responsabilização do presidente, caso não cumpra as metas. Ele diz que o PT – mesmo com críticas à nova regra – vai votar a favor do texto após o comando de Lula. “Ali, todo mundo é adulto”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. responde à crítica de que a versão do arcabouço enviada ao Congresso perdeu força?
Nós passamos do tempo de criminalizar uma regra fiscal. Não tem precedente em outros países. O enforcement (a ideia de fazer cumprir) que precisa é aquele que estamos propondo na regra: ir limitando a capacidade do Estado se os resultados não forem correspondendo às expectativas estabelecidas pelo próprio governo. Funciona muito parecido com o que é o BC, que é a autoridade monetária.
O sr. fala do cumprimento das metas de inflação?
Não se criminaliza o presidente do BC porque ele não cumpriu a meta de inflação. De certa maneira, passa a ver o problema de uma forma mais moderna, que é reconhecer que não existem duas políticas econômicas. Eu creio que as atas do Copom têm deixado claro que a Fazenda está perseguindo a meta de equilibrar as contas de uma maneira nova.
Que maneira é essa?
A novidade dessa gestão é que o equilíbrio das contas vem com o fim das regalias a quem não precisa, e não com o corte de saúde, educação, salário mínimo – como vem acontecendo de sete anos para cá.
O sr. está falando de medidas para aumentar a arrecadação…
No sentido de recompor a base. Eu insisto que é uma recomposição da base fiscal. Não estamos levando em conta receitas extraordinárias. Agora, vamos rever um quarto dos R$ 600 bilhões de renúncia fiscal.
E por que o sr. acredita que agora será diferente?
Pretendo que isso esteja escancarado aos olhos de todo mundo. Estamos dialogando com a AGU (Advocacia Geral da União), que temos de explicitar os benefícios fiscais CNPJ por CNPJ. A Receita nunca fez isso por alegar questões jurídicas.
Nós queremos enfrentar. Os liberais brasileiros deveriam ser os primeiros a defender a transparência. Estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos abrindo mão de R$ 600 bilhões. Vamos supor que o legítimo desses R$ 600 bilhões – Santas Casas, entidades beneficentes, Prouni (programa de financiamento estudantil) – isso tudo chega a quanto? A R$ 200 bilhões, R$ 300 bilhões. Ainda é o dobro do que nós precisamos para fechar as contas.
O sr. acredita que o site com os nomes do CNPJ pode ajudar nessa revisão?
Eu acredito. Se a gente explicitar qual é o gasto tributário e para o que ele está sendo feito, qual é a justificativa, eu creio que muitas dessas coisas saem. Falava-se muito de caixa-preta do BNDES, mas ela não existia. A maior caixa-preta do Orçamento é o gasto tributário. Falava-se em orçamento secreto. Esse orçamento é o mais secreto de todos.
Boa parte desses gastos tributários foi criado no governo do PT. Como o sr. responde?
Não estou mexendo com os que foram criados pelo PT. Não estou mexendo com o Simples (sistema tributário simplificado para empresas de pequeno porte) e não estou mexendo com desoneração da folha (redução dos encargos cobrados sobre os salários dos funcionários). Nós não vamos reonerar a folha.
O sr. depende do Congresso, que não é “amigo” dessa pauta.
Tenho me surpreendido positivamente com o Congresso. Eles estão muito sensíveis. O estrago foi muito grande. Por incrível que parece, o teto de gastos (regra que atrela desde 2017 o crescimento das despesas à inflação) aumentou o gasto tributário.
Há uma ação ideológica do PT contra o arcabouço?
Claro que tem. O Lula teve de inventar prévias dentro do PT, entendeu? Não vai ter unanimidade no PT, o que quer que seja.
Mas o PT vai votar a favor?
Ah, vai. Não existe isso. O governo é governo. Tem sua base e vai dar o comando para a base. Ali, todo mundo é adulto.
Mas o partido pode mudar o projeto?
Não tem clima para mudar. Foram negociados esses parâmetros, foi muito conversado. Eu ouvi muita gente.
Fonte: O Estado de S. Paulo

