Depois da forte redução no prêmio pago pelos emissores de debêntures aos investidores em fevereiro, o movimento começou a perder fôlego em março e abril, segundo gestores de recursos. O prêmio, ou “spread”, é a diferença entre as taxas pagas pelos papéis corporativos e os rendimentos equivalentes das NTN-Bs ou do CDI. Os gestores afirmam que há uma espécie de “queda de braço” com os bancos coordenadores das operações para não referendar as captações que saem com custo equivalente ao da NTN-B.
“Esse posicionamento é importante e aponta para um mercado mais maduro e que indica preservar, no momento atual, uma relação equilibrada de risco e retorno”, diz Fayga Czerniakowski Delbem, superintendente de crédito da Itaú Asset.
Ana Luísa Rodela, responsável pela área de crédito privado da Bradesco Asset Management, descreve a mesma reação: “Não estamos vendo demanda dos fundos para novas emissões que não estão pagando prêmio acima da NTN-B.” Segundo ela, seu estoque estava em 40 pontos-base acima da NTN-B e agora a asset vem comprando a algo em torno de 30 pontos. A executiva diz que o movimento evita um problema oposto ao do ano passado, quando, no pós-Americanas e Light, os fundos tiveram cota negativa na marcação a mercado, levando a uma onda de saques. Os resgates obrigaram os gestores a se desfazerem dos papéis que tinham em carteira a qualquer preço, derrubando ainda mais os valores de compra e venda, e elevando os spreads, num círculo vicioso.
Sem essa demanda, os bancos coordenadores têm assimilado uma parcela maior das operações. Em janeiro e fevereiro, por exemplo, 65% e 74% dos papéis foram distribuídos a mercado, respectivamente, enquanto em março a fatia caiu a 57%, segundo relatório da área de pesquisa do banco ABC Brasil. No mês, as emissões atingiram R$ 60,5 bilhões, segunda melhor marca da série histórica da instituição. Em abril, as previsões são de que essa fatia continue encolhendo. Rodela explica que os bancos muitas vezes fazem a operação por outros interesses, como relacionamento com o emissor ou cobrança de “fee”. “Eles estão conscientemente optando por ficar com grande parte dessas operações com taxa muito baixa, enquanto as assets optam por não comprar.”
No mercado secundário, o quadro é parecido. Em fevereiro, o recuo ficou entre 0,3 e 0,8 ponto percentual. No auge da crise, conforme o relatório do ABC Brasil, em março de 2023, os spreads médios chegaram a 2,75% acima do CDI e 1,39% a mais que a NTN-B. Agora, no ponto mais baixo de fevereiro deste ano, foram a 2,5% e 0,6% respectivamente. Em março, essa média simples foi a 2,20%, voltando aos níveis de janeiro, o que significa uma perda de ritmo em relação ao mês anterior. No mercado de títulos indexados ao IPCA, porém, os spreads médios continuaram caindo, de 0,85% para 0,63% acima da NTN-B, retornando a patamares anteriores a outubro de 2022.
De acordo com ela, a alta dos preços dos papéis e o “fechamento” dos spreads têm um primeiro efeito benéfico de elevar a cota dos fundos, mas em algum momento a conta deixa de ser favorável e o rendimento fica muito pequeno. “Temos conversado muito com os investidores, explicando que os fundos vão rodar mais perto de seu objetivo daqui para a frente.”
Tanto Delbem quanto Rodela afirmam ter perspectivas positivas para os fundos de crédito. A gestora da Bradesco Asset explica que, no caso das debêntures incentivadas, um spread de 40 pontos-base sobre o IPCA corresponde, quando se faz a conta de compensação do Imposto de Renda (IR) não cobrado, a CDI mais 2% ao ano. “Parece que o retorno está muito amassado, mas o spread de debêntures incentivadas está perto da média histórica.”
Já a superintendente de crédito da Itaú Asset diz que as emissões exclusivas vêm garantindo taxas melhores à asset, mesmo recurso usado pela Bradesco Asset. “Enquanto na média de mercado, as debêntures incentivadas negociam com spread de 0,50% sobre a NTN-B, nas quatro operações em que temos trabalhado em originações exclusivas ou em ancoragens, o menor spread que temos é 1,50% sobre a NTN-B”, conclui ela.
A Itaú é a maior em crédito privado do país, com R$ 330 bilhões sob gestão no segmento, sendo R$ 15 bilhões em debêntures incentivadas. O ritmo de captação está superior a R$ 1,5 bilhão em fundos de infraestrutura por mês. Em fundos exclusivos de incentivadas, cuja demanda cresceu fortemente com a taxação dos fundos fechados, são R$ 3 bilhões e mais de 20 novos veículos a serem lançados em breve, com patrimônio líquido superior a R$ 800 milhões.
Outra estratégia para driblar a escassez de papéis é a ampliação do escopo de atuação para empresas com avaliação mais baixa, “AA” e até mesmo “A”. “Atualmente, vemos boas oportunidades em créditos ‘AA’ e ‘A’ para os próximos meses de 2024, após observarmos maior valorização dos créditos ‘AAA’, de menor risco. A seletividade e profundidade de análise são fundamentais aqui para navegar nesse contexto de mercado”, diz Delbem.
Na Bradesco Asset, a escolha foi manter o perfil de papéis no mais alto nível de nota de crédito, também por meio de emissões exclusivas. “Estamos amarrados nisso. Temos conseguido fazer operações mais específicas de volume grande com taxas boas.”
Ricardo Espíndola, gestor de crédito da Porto Asset, aponta ainda outra resposta à redução dos spreads causada pelo rali visto no mercado de crédito a partir das medidas do Conselho Monetário Nacional (CMN), que restringiram as emissões de certificados e letras de crédito imobiliário e do agronegócio. Segundo ele, há gestores fechando os fundos para captação, diante da conscientização de que as taxas já chegaram a níveis historicamente baixos.
Foi a medida adotada no maior fundo de crédito da casa, o Porto Seguro RF Referenciado DI Crédito Privado, que atingiu patrimônio líquido de R$ 6 bilhões em março e parou de aceitar novos investidores em uma das plataformas em que era vendido, onde o volume estava forte demais. A ideia agora é garantir um ritmo saudável de captação. “Estamos vendo um pipeline intenso, muitas operações novas que podem ter exageros na precificação dos ativos. Tiramos um pouco o pé”, comenta. “Quando o retorno não atinge o mínimo que exigimos, ficamos de fora e alocamos em letras financeiras, por exemplo.”
Ele cita o exemplo das operações da Sabesp, a CDI mais 1,1% e vencimento em sete anos em fevereiro, e da Isa Cteep, em março, a 0,8% mais CDI, no mesmo prazo de vencimento, com um fechamento muito expressivo em pouco tempo. “Ficamos de fora. Não queremos alocar de qualquer forma.”
A gestora Sparta adotou a medida ainda em fevereiro, logo no início do rali, e fechou o Sparta Debêntures Incentivadas para novas aplicações quando atingiu R$ 1 bilhão e 22 mil cotistas. No fim de março, a gestora viu forte demanda pela oferta de seu fundo Sparta Infra CDI (CDII11), listado na B3. Inicialmente prevista em R$ 200 milhões, a operação acessou o lote adicional e fechou em R$ 250 milhões mas, segundo o CEO Ulisses Nehmi, os pedidos de investidores chegaram a R$ 800 milhões.
Fonte: Valor Econômico
