18 Dec 2023 KATHERINE RIVAS
O ano de 2023 foi desafiador para as empresas brasileiras em relação à remuneração dos acionistas. Puxados por Petrobras (com os códigos PETR3 e PETR4 no índice da Bolsa de Valores) e Vale (VALE3), os proventos pagos apresentaram uma redução de 31% de janeiro até o dia 5 de dezembro em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo levantamento da plataforma Meu Dividendo.
Contribuiu para isso o cenário macroeconômico adverso, com juros ainda muito elevados, o que tem levado muitas empresas a segurar o dinheiro em caixa por mais tempo. O prazo entre o anúncio de proventos e o efetivo pagamento aos acionistas aumentou. A média neste ano chega a 86 dias. Já nos anos anteriores, o prazo médio de pagamento foi de 63 dias, em 2022, e 77 dias em 2021.
Os analistas destacam que as taxas de juros elevadas contribuíram também para o aumento do endividamento e do custo de capital, deixando as empresas mais cautelosas.
Vale e Petrobras, no entanto, tiveram forte peso no dado geral de redução dos dividendos, já que, juntas, representaram 41% do volume total de proventos pagos na Bolsa. Com a tendência de juros menores ao longo dos próximos meses (na quarta-feira passada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central anunciou mais um corte de 0,5 ponto porcentual para a Selic, para 11,75%, e indicou novas reduções nas próximas reuniões), os analistas estão mais otimistas em relação à distribuição de dividendos em 2024.
O E-Investidor consultou casas de análise e corretoras para saber quais as ações mais recomendadas pelos analistas para quem quer receber dividendos em 2024. Na liderança, aparecem Vale e BB Seguridade (BBSE3), com três recomendações cada.
Sergio Biz, analista focado em dividendos e sócio do GuiaInvest, diz que a Vale começou a entregar resultados mais fortes a partir deste terceiro trimestre com aumentos de produção, que devem se traduzir em maiores vendas no fim do ano. “Caso o preço do minério de ferro se mantenha em um patamar elevado, deveremos ver uma forte geração de caixa e dividendos expressivos em 2024”, afirma o analista.
Segundo Biz, a Vale também tem apresentado uma dinâmica de custos mais controlados no terceiro trimestre, e isso deve persistir nos próximos meses. O analista projeta um “dividend yield” (rendimento de dividendos) de 8,5% para VALE3 em 2024, e recomenda a compra dos papéis até o preço de R$ 75.
Para João Abdouni, analista da Levante, no patamar atual do preço do minério, próximo de US$ 130 por tonelada, a Vale consegue gerar muita caixa e entregar entre 8% e 10% de “dividend yield”, o que a posicionaria entre as líderes da Bolsa em 2024.
Na BB Seguridade, as estimativas para dividendos em 2024 chegam a 10,60%. Gabriel Duarte, analista da Ticker Research, diz que a seguradora é muito ligada ao setor de agronegócio, que teve um desempenho forte em 2023 – e tudo indica que deve continuar assim em 2024. O analista destaca também que o principal balcão de vendas da BB Seguridade é o Banco do Brasil, que tem ampla capilaridade.
LINHAS MAIS ESTÁVEIS. Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos, comenta que a BB Seguridade atua em linhas de seguros que tendem a ser mais estáveis mesmo em cenários desafiadores. Ele sinaliza dois diferenciais que separam a companhia dos seus pares de mercado: o retorno sobre patrimônio líquido (ROE) muito elevado, em função dos ganhos de sinergia que a empresa tem por distribuir seus produtos pelos canais do BB; e sua taxa de dividendos, historicamente uma das maiores da Bolsa. Costa projeta um “dividend” yield de 10,60% para as ações da empresa em 2024. Já o chamado preço-alvo da ação é de R$ 39. Duarte, da Ticker, espera um resultado de 10% em 2024.
Além de Vale e BB Seguridade, outras companhias que reuniram recomendações dos analistas foram Caixa Seguridade (CXSE3), Banco ABC (ABCB4) e Isa Cteep (TRPL4). Na Caixa Seguridade, a expectativa dos analistas é de que a empresa seja beneficiada com investimentos do governo no mercado habitacional, no qual a seguradora tem foco.
Em relação ao Banco ABC, o analista do GuiaInvest destaca que a instituição vem apresentando resultados sólidos há alguns trimestres, focado no segmento de empresas com faturamento anual entre R$ 30 milhõs e 300 milhões.
Já a transmissora de energia Isa Cteep ainda deve pagar dividendos interessantes em 2024. Lembrando que a empresa tem como prática distribuir, no mínimo, 75% do lucro líquido regulatório na forma de provento, desde que sua alavancagem não supere três vezes a relação dívida líquida sobre lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (dívida líquida/Ebitda). •
“Um cenário de juros mais baixos e inflação controlada gera um ambiente de negócios mais favorável”
O Banco Central realizou na quarta-feira um novo corte na taxa básica de juros, a Selic, que encerrará o ano a 11,75%, depois de passar oito meses no patamar de 13,75%. Daniel Leal, estrategista de renda fixa da BGC Liquidez e funcionário licenciado do Tesouro Nacional, afirmou que, mesmo com as novas reduções esperadas para 2024, a Selic não voltará tão cedo ao nível anterior à pandemia, quando estava na casa dos 4,5% a 5%.
Embora os juros ainda altos favoreçam os investimentos em renda fixa, Leal também ressaltou que a Selic mais baixa estimula o crescimento da economia real, oferecendo oportunidades de maiores retornos para as aplicações em renda variável. Para o estrategista, o investidor deve ficar atento ao comportamento dos juros nos Estados Unidos, cuja movimentação ajudará a traçar os limites para a queda das taxas no Brasil.
Os cortes nas taxas de juros no Brasil e nos EUA podem levar a uma busca maior pela renda variável em 2024?
O Brasil já vinha com uma onda de otimismo em razão do arcabouço fiscal, que se refletiu na Bolsa de Valores. Nos Estados Unidos, existem apostas de que o Federal Reserve (Fed) comece a cortar os juros logo no início do ano. Nós acreditamos que seja no terceiro trimestre. Mas isso já é uma notícia positiva, tendo em vista que a sinalização era de que seriam taxas longas por mais tempo. E isso acaba impactando não só a velocidade do nosso ciclo de corte de juros, mas também até onde ele pode ir. Quando o BC começou a cortar juros, o mercado estava otimista e se falava até em Selic abaixo de 9%. Hoje, você vê a mediana das expectativas em 9,5%. Mais pessimistas veem a Selic terminal em 10%.
O que explica o otimismo atual do investidor na Bolsa de Valores?
Estamos saindo um pouco desse ciclo de aperto monetário que tirou muita gente da Bolsa e jogou para a renda fixa, pois é difícil competir com taxas tão restritivas. Ano que vem, será um ano de inflexão, e muitas pessoas vão voltar para a Bolsa. Mas eu teria muita atenção com a reforma tributária. Em geral, ela será positiva para o País e para as empresas, ao descomplicar esse arcabouço tributário. Mas, da forma como ela vai ser feita, pode haver um aumento da carga para alguns setores. O mercado de renda fixa vai continuar robusto ainda para o ano que vem. Em que pese essa redução de juros que a gente deve observar, você ainda estará com retornos historicamente A taxa Selic pode voltar ao patamar de 2%? Acredito que não vamos ter uma taxa baixa como vimos antes da pandemia. A Selic vai rondar ali perto dos 9,5% em um primeiro momento. Só quando o exterior voltar com taxas mais baixas é que vamos ter uma compreensão maior sobre a possibilidade de voltar a um patamar próximo de 8%. As questões lá fora são desafiadoras. Não só as geopolíticas, mas também porque os Estados Unidos ainda vão iniciar um ciclo de corte de juros. Isso acaba impactando todas as economias.
Para o investidor, é melhor ter uma taxa Selic mais baixa?
Um cenário de juros mais baixos e inflação controlada gera um ambiente de negócios mais favorável, com investimentos na indústria e na economia real. Isso significa mais empregos e mais demanda, reduzindo a necessidade de juros de longo prazo. Do lado do investidor, é confortável olhar para juros de 13% e não fazer mais nada. Quando olhamos para outras economias desenvolvidas, elas têm possibilidades de retornos muito acima do nosso quando têm a economia real crescendo. Há investimentos em Bolsa muito mais representativos nas reservas das pessoas do que aqui no Brasil. Os juros altos têm várias consequências negativas, como o endividamento do próprio governo.
E a dívida pública, qual a expectativa para este ano?
O investidor vai olhar muito menos o número nominal da dívida, e muito mais a sustentabilidade dela no presente e no longo prazo. E isso está totalmente atrelado às políticas de governo, ao crescimento do PIB e a uma economia para pagar a dívida que você tem atualmente. No início deste ano, vimos muita incerteza com a âncora fiscal, mas, uma vez divulgado o arcabouço, o mercado viu que existe algum comprometimento com as contas públicas. O Tesouro também vem fazendo um bom trabalho na gestão da dívida. Além disso, ele também fez uma excelente emissão de prefixados, o que mostra que a qualidade da gestão foi positiva. Isso é o que o investidor tem de olhar. Quanto melhor a âncora fiscal, reforma tributária, políticas favoráveis ao crescimento sustentável da dívida, melhor será o momento de mercado. •
Fonte: O Estado de S. Paulo