O Valor apurou que a Índia, África do Sul e Paquistão agora querem incluir uma “cláusula de flexibilidade” na ocorrência de uma nova pandemia, o que irritou os EUA
Por Assis Moreira — De Genebra
07/06/2022 05h00 Atualizado há um dia
Um acordo internacional para flexibilizar o uso de patentes para produção de remédios contra a covid complicou-se ainda mais, antecedendo a reunião de ministros na Organização Mundial do Comércio (OMC) na semana que vem. A pandemia de covid-19 já tem dois anos e matou pelo menos 15 milhões de pessoas no mundo todo.
O Valor apurou que a Índia, África do Sul e Paquistão agora querem incluir uma “cláusula para acionar” a flexibilidade na ocorrência de uma nova pandemia. O mecanismo em negociação na OMC seria lançado para permitir a produção acelerada de medicamentos, terapias e diagnósticos em países em desenvolvimento. Porém, os EUA se irritaram, reclamando que esses países alteraram o que vinha sendo negociado.
Há dois anos a Índia comandou uma coalizão, agora com cerca de 100 países, para poder acelerar a quebra de patente para combater covid-19. Neste ano, enfim, um grupo – EUA, União Europeia, Índia e África do Sul – chegou a uma tentativa de acordo, para apresentar aos outros países.
O texto limita “membros elegíveis” aos países em desenvolvimento e somente àqueles que tieram uma participação de menos de 10% das exportações mundiais de vacinas contra a covid-19 em 2021. Significa que a China, que tinha 33,7% das exportações mundiais de vacinas contra a covid, ficaria fora, mas a Índia com 2,4% das exportações seria beneficiada.
A proposta indica que todos os países em desenvolvimento que ainda não alcançaram uma capacidade de exportação significativa podem se beneficiar das flexibilidades incluídas na proposta. Todos os membros de países em desenvolvimento com capacidade são encorajados a não se beneficiarem dessas flexibilidades.
Um membro elegível pode autorizar a produção e fornecimento de vacinas covid-19 sem o consentimento do titular da patente, e com custos de transação mínimos, “respeitando ao mesmo tempo os princípios gerais de equidade”.
Ocorre que essa tentativa de acordo não agradou ninguém. Outros países produtores de remédios, como Suíça e Reino Unido, veem com suspeita a flexibilidade. Já para a organização Médicos Sem Fronteiras, trata-se de um texto “problemático” que, se adotada como está, “poderia criar um precedente negativo para os esforços para aumentar o acesso a medicamentos, vacinas e testes diagnósticos agora e no futuro”.
Para Médicos Sem Fronteiras, a proposta original de 20 meses atrás “visava combater as barreiras de propriedade intelectual para todas as ferramentas médicas da covid, tornando mais fácil para qualquer país aumentar a produção e o fornecimento durante a pandemia, portanto, sua adoção deveria ter sido uma prioridade urgente e essencial para a resposta global à pandemia”.
A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, afirmou: “Dois anos após o início da pandemia, esta organização não foi capaz de apresentar uma resposta. Devemos evitar que cada lado tente usar o outro como desculpa, todos queremos um pacote, mas devemos tentar avançar de cada lado”.
Enquanto isso, a indústria diz que já há vacinas demais contra a covid e que o problema continua a ser a sua distribuição.
Fonte: Valor Econômico