Por Valor
26/06/2023 17h02 Atualizado há 10 horas
As incertezas trazidas pela rebelião de 24 horas do grupo de mercenários Wagner contra o regime de Vladimir Putin continuaram ontem, com alguns especialistas vendo uma perspectiva de fim da guerra na Ucrânia mais cedo do que se antecipava. Porém, no curto prazo, a instabilidade na Rússia é vista como um fator de elevado risco.
Fragilizado pelo cenário interno e sem aparecer publicamente por quase dois dias, o presidente russo, Vladimir Putin, ressurgiu ontem falando em tom de aparente normalidade. Ele saudou participantes de um fórum econômico encerrado na semana passada em São Petersburgo e fez poucas referências à revolta, em uma das quais agradeceu aos combatentes da milícia que se recusaram a participar do motim.
Já o líder e fundador das forças Wagner, Yevgeny Prigozhin — que disse ter liderado a revolta para exigir a mudança do comando militar russo —, gabou-se da forma como avançou na direção de Moscou. “Demonstramos a organização que o exército russo deveria ter”, afirmou, ao lembrar que suas tropas só pararam a 200 km de Moscou. “Foi uma aula sobre como 24 de fevereiro de 2022 [data da invasão da Ucrânia] deveria ter sido”, disse em Belarus, para onde foi após o pacto mediado pelo líder bielorruso, Aleksander Lukashenko. Durante a revolta, um helicóptero das forças russas foi derrubado e pelo menos 15 pessoas morreram, segundo testemunhas.
O fim da rebelião não pôs fim às incertezas sobre a estabilidade russa. Não há clareza, por exemplo, sobre quais recursos Prigozhin ainda dispõe. A mídia russa informou que sedes do grupo Wagner em várias cidades russas seguiam recrutando combatentes.
Em meio ao risco elevado de instabilidade, o centro de estudos geopolítico dos EUA Fordham Global Insight estima que Putin pode ser levado a engajar-se em um acordo para pôr fim à guerra na Ucrânia por necessidade de sobrevivência interna.
“Independentemente do que exatamente ocorreu, o Estado russo e o próprio Putin foram expostos em uma condição mais frágil do que muitos imaginavam, e revelou-se que o esforço de guerra russo na Ucrânia está indo pior do que as pessoas de fora avaliaram”, analisa um estudo do Fordham. “Este é um exemplo clássico de aumento dos riscos de curto prazo – chamamos isso de paradoxo da mudança (…) O motim fracassado deve representar um golpe no moral das tropas e que a disposição de receber ordens na cadeia de comando pode começar a desmoronar. Como costuma acontecer em conflitos prolongados, podem haver acordos mais ‘informais’, desertores etc.”, diz o Fordham,
“O maior risco nesta situação é a imponderável questão de saber se Putin se dobra no conflito, escala com armas não convencionais [que há muito se sinaliza como um risco material] ou encontra novo incentivo para reduzir suas perdas e chegar a um acordo. Afinal, se ele conseguiu negociar um acordo com um ‘traidor’ armado que marchava sobre sua capital, o que o impediria de inventar uma justificativa para a retirada da Ucrânia e sob algum pretexto reivindicar a vitória?”, prossegue o estudo. “No mundo dos ditadores, eles sozinhos estabelecem os termos e criam a própria realidade.”
Numa análise mais profunda sobre os mercados de petróleo, Helima Croft, da RBC Capital Markets, disse ao jornal britânico “Financial Times” que “o risco de mais distúrbios civis na Rússia agora deve ser levado em consideração na análise do mercado petrolífero para a segunda metade do ano”. “Havia uma preocupação de que oleodutos críticos pudessem ser atingidos diretamente ou inadvertidamente danificados se a insurreição se transformasse em uma guerra em grande escala”, afirmou.
“Continuamos a crer que as sanções ao petróleo russo permanecerão em vigor enquanto Putin estiver no poder”, disse Croft. “No entanto, uma figura como Prigozhin não seria um substituto bem-vindo, dadas as violações dos direitos humanos e a criminalidade associada às atividades do grupo Wagner. Na verdade, a ideia de uma figura de Prigozhin com armas nucleares provavelmente seria vista como uma perspectiva aterrorizante por muitos dos principais apoiadores ocidentais da Ucrânia”, afirmou.
Para alguns analistas, a China e outros países asiáticos têm motivos para se perguntar se suas relações de cooperação com a Rússia sobreviveriam se Putin fosse forçado a deixar o poder. “A China quer a Rússia sob seu domínio”, disse ao “Nikkei Asia” Geoffrey Cain, membro da Fundação para a Inovação Americana e autor de livros sobre a opressão da tecnologia de vigilância da China. “Mas sem Putin, o futuro seria incerto, já que o Kremlin está cheio de facções amigáveis e hostis à China.”
Em Washington, só ontem o presidente dos EUA, Joe Biden, quebrou seu silêncio em relação ao episódio, negando qualquer envolvimento americano do país com o motim. “Vamos deixar isso claro: nem nós nem nossos aliados tem algo a ver com isso”, frisou.
Fonte: Valor Econômico