Após uma eleição presidencial cujo resultado foi predeterminado para lhe proporcionar um nível recorde de apoio, Vladimir Putin partiu para o ataque contra o Ocidente. Ele afirmou que o próximo passo da Rússia é estabelecer uma zona de exclusão na Ucrânia e que se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental) colocar tropas em território ucraniano isso poderá significar uma guerra nuclear. A Rússia não será impedida de alcançar seus objetivos, prometeu ele.
“Não importa o quanto alguém queira nos suprimir, nossa vontade, nossa consciência, ninguém na história jamais conseguiu, não conseguiram agora e nunca conseguirão”, disse Putin a seus apoiadores em Moscou, na noite de domingo. Todos os “grandes planos”, em algumas áreas grandiosa, planejados antes da eleição “certamente serão alcançados”, afirmou.
Ao subir o tom do discurso após a vitória avassaladora na eleição presidencial orquestrada, Putin sugere que só aceita uma vitória completa na Ucrânia — ou de um acordo de paz sob seus termos.
“Somos a favor das negociações de paz… mas não porque o inimigo está ficando sem munição”, disse Putin em uma entrevista coletiva nas primeiras horas de ontem, depois que autoridades eleitorais disseram que ele recebeu um recorde de 87% dos votos. “Somos a favor, se eles estiverem verdadeiramente sérios [e] a longo prazo quiserem construir relações pacíficas e boas vizinhanças entre os dois Estados, e não fazer uma pausa de 1,5 ano a dois anos para se rearmar.”
Para analistas políticos, Putin oferece a perspectiva de um cessar-fogo em um momento em que a continuidade da ajuda das nações ocidentais à Ucrânia é colocada em questão, com o apoio a Kyiv tornando-se uma questão partidária nos EUA. O líder russo calcula que o momento lhe é vantajoso.
A Ucrânia carece de homens e armas, suas forças estão tão debilitadas que agora disparam cerca de dois projéteis para cada 10 disparados das tropas russas, segundo estimativas de agências de inteligência ocidentais. O mínimo para Putin em qualquer acordo de paz agora seria garantir que a Península da Crimeia, que Moscou ocupou há 10 anos, permaneça sob seu controle, juntamente com quatro áreas no leste e sul da Ucrânia que ele reivindicou em 2022.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, rejeita quaisquer negociações de paz enquanto a Rússia não retirar as tropas de seu país e alerta que uma suspensão das hostilidades só serviria para que a Rússia se rearme e renove os ataques à Ucrânia no futuro.
Os governos ocidentais condenaram a decisão de Moscou de expandir as eleições presidenciais para os territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia. A União Europeia (UE) disse ontem que “não reconhece e nunca reconhecerá nem a realização dessas chamadas eleições nos territórios da Ucrânia, nem seus resultados. Eles são nulos e sem efeito legal algum”.
Os EUA descreveram o processo eleitoral russo como “obviamente não livre nem justo”.
Em seus comentários pós-eleitorais ontem, Putin advertiu o Ocidente contra continuar interferindo na guerra apoiando a Ucrânia, dizendo, sem fornecer evidências, que a Rússia já estava ciente de que militares de países da Otan liderados pelos EUA estavam presentes na Ucrânia, e “morrendo lá em grande número”, nas palavras do líder russo. Ele alertou que um conflito em larga escala entre Rússia e Otan “não pode ser descartado no futuro” e se isso ocorrer, “o mundo estaria a um passo de uma Terceira Guerra Mundial”, o que quase ninguém quer, afirmou.
Esta foi a terceira vez em menos de um mês que Putin usou o risco de um confronto nuclear com o Ocidente para enfatizar sua insistência de que os EUA e a Europa devem se manter fora do conflito na Ucrânia. Para analistas, Putin tenta provocar uma reação do Ocidente para convencer a população russa de que precisam de um líder forte para protegê-los.
Um grande avanço militar parece estar fora do alcance de ambos os países por enquanto, e Putin tem pouco incentivo para parar. As sanções ocidentais não conseguiram derrubar a economia russa, com a China proporcionando um apoio econômico vital e o Irã fornecendo drones a Moscou para serem usados na Ucrânia. A Rússia também recorreu a aliados como a Coreia do Norte e Belarus para obter suprimentos bélicos e aumentou sua produção de armamentos.
Enquanto isso, sucessos incrementais no campo de batalha, como a captura da cidade ucraniana oriental de Avdiivka em fevereiro, após meses de combate intenso e enormes perdas, convenceram Putin a continuar a luta para tentar forçar um resultado favorável à Rússia, dizem analistas.
Durante a noite de domingo, Putin se vangloriou da vantagem militar agora desfrutada por seus soldados, que ele disse estarem avançando “todos os dias, gradualmente, cuidadosamente, mas todos os dias” e, em algumas áreas, estarem “simplesmente aniquilando o inimigo agora mesmo”.
Os ganhos, embora modestos, também permitiram que ele fizesse outro show de bravata ontem, desta vez com um concerto e um comício na Praça Vermelha de Moscou para marcar o 10 aniversário da anexação da Crimeia.
“A Crimeia não é apenas um território estrategicamente importante, não é apenas nossa história, nossas tradições e o orgulho da Rússia. A Crimeia é, antes de tudo, as pessoas”, disse Putin a milhares que se reuniram para ouvir artistas cantarem músicas patrióticas, dançarem e recitarem poemas.
“Os moradores de Sevastopol, os crimeanos são o nosso orgulho. Eles nunca se separaram da Rússia, e é isso que permitiu que a Crimeia retornasse à nossa família comum”, disse ele, ladeado no palco por um pequeno grupo, incluindo jovens e os três candidatos que o desafiaram na eleição.
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— Foto: Alexander Zemlianichenko/AP Photo
Fonte: Valor Econômico

