Com as expectativas dos participantes do mercado totalmente ancoradas em torno de uma redução de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros na quarta-feira, a comunicação do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central é o principal ponto de divergência entre os agentes. A manutenção da indicação de cortes, no plural, de igual magnitude é defendida por uma ala do mercado, enquanto alguns acreditam que o Copom pode se desamarrar da sinalização futura para ganhar alguns graus de liberdade.
É consensual, no entanto, a percepção de que o Copom reiterar que é necessário perseverar numa política monetária contracionista. Esse fator se reflete nas projeções dos agentes para a Selic no fim do atual ciclo de flexibilização, em 2024. A mediana das estimativas das 141 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor aponta para uma taxa de 9,25% ao ano no próximo ano, um nível ainda restritivo. Cabe notar, porém, que há uma divisão no mercado e boa parte dos analistas vê o juro em 9,5% ou mais no fim do ciclo.
O cenário base defendido pelo Bank of America hoje inclui uma Selic de 9,5% no próximo ano, mas o chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do banco, David Beker, vê riscos de baixa nessa projeção e avalia que a gestão monetária dependerá, em particular, do comportamento dos Treasuries, os títulos do Tesouro americano, e do Federal Reserve (Fed) e de uma maior definição da questão fiscal brasileira.
“Ainda é cedo para qualquer mudança [na projeção de 9,5%], porque vamos monitorar tanto a questão fiscal quanto os Treasuries, mas o risco é de um número menor”, afirma. Beker, inclusive, não vê, neste momento, discussões sobre uma possível aceleração no ritmo de cortes na Selic e classifica a velocidade atual, com reduções de 0,5 ponto percentual por reunião, como boa. “É um bom ritmo para o BC conseguir observar a evolução do cenário. Não vemos aceleração.”
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O bom comportamento da inflação de serviços e a melhora do cenário externo levaram o mercado a voltar a especular sobre a possibilidade de um ritmo mais forte de redução dos juros. Esse movimento ganhou força em 30 de novembro, após declarações do diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, ser lidas como mais “dovish” (suaves).
O dirigente afirmou, em evento do J.P. Morgan, que o BC tem tentado não se emocionar com os dados de alta frequência e ressaltou que a orientação futura emitida pela autoridade monetária levou o debate no mercado a se concentrar no nível dos juros ao fim do ciclo, e não no ritmo de flexibilização. Além disso, Galípolo disse ter sentido, em conversas privadas com agentes de mercado, alguma pressão adicional para um ritmo mais ágil de cortes na Selic.
“Se tivéssemos uma inflação benigna, o câmbio apreciando e uma atividade fraca, a chance de uma discussão sobre acelerar seria maior, mas acredito que o PIB do terceiro trimestre, que foi mais forte que o esperado, reduz a chance sobre esse debate existir”, diz Beker, do BofA. “Pode acontecer no futuro. Mas, no curto prazo, o PIB deixou isso mais complicado.”
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David Beker, do Bank of America, espera a manutenção do ritmo de 0,5 ponto de cortes e projeta a Selic em 9,5% no fim do ciclo, mas vê riscos baixistas — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Nesse sentido, Beker diz esperar mudanças apenas marginais no comunicado do Copom desta semana. O executivo nota que, desde a reunião de novembro, houve a aprovação de medidas tributárias na parte fiscal e a postergação ou o adiamento do risco de mudança da meta de resultado primário de 2024, o que até trouxe um conjunto mais benigno de informações no curto prazo. Além disso, a inflação corrente continua tranquila e o cenário externo melhorou. Por outro lado, a atividade econômica continuou a surpreender, embora tenha desacelerado.
A avaliação do BofA guarda semelhanças com a expectativa do economista-chefe da Asset 1, Luis Fernando Cezario, que espera a manutenção de uma orientação futura pelo BC que abarque a manutenção do ritmo de cortes de 0,5 ponto para as próximas reuniões – com ênfase para o uso do plural.
“Se fôssemos olhar a forma como o Copom está analisando a conjuntura, a inflação corrente mais baixa, os núcleos comportados e os sinais de enfraquecimento da economia, até caberia a possibilidade de se discutir a aceleração do ritmo. Mas o colegiado ainda deve se mostrar cauteloso com o cenário externo. É verdade que ele também deu uma melhorada, mas tem se mostrado muito volátil e o BC provavelmente não vai reconhecer essa melhora como definitiva”, afirma Cezario.
O economista ainda cita como motivos que devem afastar a discussão sobre a aceleração no ritmo de cortes as incertezas relacionadas à política fiscal e a própria desancoragem das expectativas de inflação. “Apesar do diagnóstico de que o BC tem pouco a fazer nesse sentido, simplesmente ignorar esses fatores pode ser pior, ao gerar um movimento de elevação adicional das expectativas. Tudo isso entra nas considerações, e deve fazer com que optem por manter o ritmo de 0,5 ponto”, diz.
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Na pesquisa conduzida pelo Valor, as alterações nas expectativas de inflação do mercado foram apenas marginais, com a mediana das projeções para o IPCA deste ano caindo de 4,61% em novembro para 4,50% agora. No entanto, o ponto médio das estimativas para a inflação de 2024 se manteve inalterado em 3,90%. A Pesquisa Focus indica que a mediana das projeções para o IPCA de 2025 continua parada em 3,50%.
Na avaliação de Cezario, caso o Copom opte por retirar o uso do plural ao sinalizar que o ritmo de cortes é apropriado para “as próximas reuniões”, o cenário mais provável seria o mercado começar a discutir uma aceleração do ritmo. “Se eles colocarem no singular, acho que o mercado entende que a assimetria está para o corte de 0,75 ponto e que o BC vai acelerar”, projeta o economista da Asset 1.
A economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Natalie Victal, vê com bons olhos uma mudança na prescrição futura da política monetária pelo Copom e acredita que um movimento neste momento seria adequado para que a colegiado ganhe “graus de liberdade” ao manejar a Selic à frente.
“A comunicação anterior me parece velha. Claro que o BC não pode ser muito volátil, mas há uma melhora clara de cenário e a comunicação precisa refletir isso”, enfatiza. Para ela, o colegiado pode “tirar um pouco a tinta” da questão internacional e tentar ganhar graus de liberdade, ao tirar o plural da orientação futura sobre as próximas reuniões. “Dada a melhora de cenário, o Copom pode fazer um ‘guidance’ somente para a próxima reunião.”
Na avaliação de Victal, mais importante do que uma orientação futura no plural ou no singular é o Copom mostrar que é a evolução dos dados que vai definir o ritmo de cortes na Selic. Nesse sentido, alterar a prescrição futura, neste momento, fortaleceria a dependência dos dados em detrimento do próprio “forward guidance” (projeções). “A mercado, isso pode ser lido como um cenário em que a barra para acelerar o ritmo não é tão alta, mas faz parte do jogo. Quando eu penso no cenário de hoje, a distribuição de probabilidades mudou e, por isso, acredito que a comunicação não deveria ficar estável.”
A economista argumenta, ainda, que ganhar graus de liberdade nesta reunião pode ser interessante, especialmente ao se olhar para a composição futura do colegiado. “A mensagem institucional ficaria mais forte, já que viria antes da nova composição. Se isso acontecer em janeiro, o BC corre o risco de que a leitura do mercado seja de que a comunicação só mudou porque a composição da diretoria mudou”, alerta Victal, ao lembrar que os mandatos dos diretores Maurício Moura e Fernanda Guardado terminam no fim deste ano.
A distribuição de probabilidades hoje mudou e, por isso, a comunicação do Copom não deveria ficar estável”
Em seu cenário-base, a SulAmérica não trabalha com aceleração no ritmo de cortes e projeta a Selic em 9% no fim do ciclo, em 2024.
O economista-chefe do banco ABC Brasil, Daniel Xavier, porém, reitera que, até o momento, a comunicação dos dirigentes do BC ainda aponta para a manutenção da orientação futura do colegiado, ainda de forma unânime. “As falas dos dirigentes do BC apontaram isso com certa clareza. Vemos a continuidade do ritmo de cortes até meados do ano que vem, com um ajuste de 0,25 ponto em setembro, que deve levar a Selic a 9%.”
Para Xavier, os discursos de membros do colegiado indicam que eles parecem bastante confortáveis com a manutenção do ritmo de 0,50 ponto nas reduções da taxa de juros. “Eles devem continuar sinalizando que o ritmo vai ser utilizado até alcançar a taxa terminal, que será dependente dos dados. Ela vai depender em que patamar o IPCA vai estacionar”, conclui. O cenário do ABC Brasil indica uma inflação que termina este ano em 4,5% e que vai a 4,2% em 2024.
“A inflação não está completamente ancorada, mas está desacelerando e é compatível com uma ancoragem parcial em 2025. São desenvolvimentos para o lado mais ‘dovish’ [suave] e devem manter o ambiente favorável à continuidade da flexibilização”, afirma.
Vale apontar, de acordo com Xavier, que, no último comunicado, o colegiado ainda se mostrava incomodado com o ritmo da desinflação, tanto do IPCA cheio quanto das medidas subjacentes. “O que tivemos, de lá para cá, foi o IPCA cheio e os núcleos mais alinhados à meta inflacionária. Nessa rubrica, os indicadores de inflação corrente também melhoraram”, diz.
Fonte: Valor Econômico

